Quantas Vezes a Insónia é um Dom
Mas quantas vezes a insónia é um dom. De repente acordar no meio da noite e
ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo
na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o
nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque
súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um
sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou
talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é
meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol
subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.
Clarice Lispector (Brasil)
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