28 de abril de 2010

Blog da Semana - 05- 2010

Para esta semana o Blog escolhido vem de novo da outra margem do grande-rio Atlantico: http://enredosetramas.blogspot.com/ um blog que, como todos os outros vale a pena visitar, por muitos e bons motivos.



Bucólica


A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra de uma figueira:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga


Ah, eu sempre acho que é tempo de ler e reler o grande escritor português Miguel Torga (1907-1995), com sua sabedoria encravada na terra e seu conhecimento das essências. Agora, quando o mundo se torna cada dia mais aparente e espetaculoso, quando artistas da palavra e da imagem tentam reduzir a arte à afetação dos efeitos especiais, penso que é cada vez mais preciso descobrir e reler Miguel Torga.
Tive a alegria de conhecê-lo pessoalmente em seu pequeno consultório em Coimbra, nos distantes anos 70. Eu muito jovem, acompanhada de um amigo tão jovem quanto eu, levava um bilhete e uma encomenda enviadas do Brasil por meu tio, o escritor Jorge Amado, amigo dele. Torga, que era médico, nos recebeu assim que seu paciente deixou a sala. Foi solícito, gentil, carinhoso, falou-nos um pouco de Coimbra, pediu que agradecéssemos ao tio a gentileza do mimo, perguntou por ele, e ali mesmo escreveu um bilhete ao amigo brasileiro.
Eu, que já era grande admiradora dos textos de Torga, fiquei observando sua letra um pouco trêmula, o jaleco imaculadamente branco, o perfil fino inclinado sobre o papel, os cabelos brancos... Estava emocionada pela oportunidade de conhecer pessoalmente um dos meus escritores preferidos, e procurei conversar um pouco com ele, para prolongar a situação. Quando já atravessávamos a porta de saída, ele nos chamou de volta, sorriu de forma delicada, e nos disse:
— Obrigado por trazerem a juventude a esta humilde morada. Eu hoje estava a precisar disso, e se calhar nem o sabia.

20 de abril de 2010

Blog da Semana - 04 - 2010

O blog da semana para visitar é CIRANDEIRA: http://giramundo-cirandeira.blogspot.com/


EL OTRO TIGRE

Pienso en un tigre. La penumbra exalta

la vasta Bibliotece laboriosa
y parece alejar los anaqueles;
fuerte, inocente, ensangrentado y nuevo,
el irá por su selva y su mañana
y marcará su rastro en la limosa
margen de un rio cuyo nombre ignora;
(en su mundo no hay nombres, ni pasado,
ni porvenir, solo un instante cierto.)
Y salvará las bárbaras distancias
y husmeará en el trenzado laberinto
de los olores el olor del alba
y el olor deleitable del venado
Entre las rayas del bambú descifro
sus rayas y presiento la osatura
bajo la piel espléndida que vibra
En vano se interponem los convexos
mares y los desiertos del planeta;
desde esta casa de un remoto puerto
de América del Sur, te sigo y sueño
oh tigre de las márgenes del Ganges
Cunde la tarde en mi alma y refexiono
que el tigre vocativo de mi verso
es un tigre de símbolos y sombras,
una serie de tropos literarios
y de memorias de enciclopedia
y no el trigre fatal, la aciaga joya
que, bajo el sol o la diversa luna,
va cumpliendo en Sumatra o en Bengala
su rutina de amor, de ocio y de muerte
Al tigre de los símbolos he opuesto
el verdadero, el de caliente sangre
el que diezma la tribu de los búfalos
y hoy 3 de agosto del 59,
alarga en la pradera una pausada
sombra, pero ya el hecho de nombrarlo
y de conjeturar su circunstancia
lo hace ficción del arte y no criatura
viviente de las que andan por la tierra
Un tercer tigre buscaremos. Este
será como los otros una forma
de mi sueño, un sistema de palabras
humanas y no el tigre vertebrado
que, mas allá de las mitologias,
pisa la tierra. Bien lo sé, pero algo
me impone esta aventura indefinida,
insensata y antigua, y persevero
en buscar por el tiempo de la tarde
el otro tigre, el que no está en el verso


Jorge Luís Borges - El Hacedor, in Obra Poética - 1923-1985 - B. Aires, 1989

O outro tigre
Penso em um tigre. A penumbra exalta
a vasta Biblioteca laboriosa
e parece afastar as prateleiras;
forte, inocente, ensanguentado e jovem
ele irá por sua selva, e sua manhã,
marcando seu rastro na lamacenta
margem de um rio cujo nome ignora
(Em seu mundo não existem nomes, nem passado, nem porvir
somente o instante exato.)
E vencerá as bárbaras distâncias
e farejará na renda labiríntica
dos aromas, o aroma do veado.
Por entre as raias do bambú, decifro
suas rais e pressinto a ossatura que vibra
sob a pele esplêndida.
Em vão se interpõem os convexos
mares e os desertos do planeta;
desta casa, de um porto da América do Sul, te sigo e sonho
ó tigre das margens do Ganges.
Cresce a tarde na minh'alma e reflito
que o tigre evocativo do meu verso
é um tigre de símbolos e sonhos,
uma série de tropos literários
e de memórias de enciclopédia
e que o tigre fatal, azíaga jóia, que,
sob o sol ou a diversa lua,
vai cumprindo em Sumatra ou Bengala
sua rotina de amor, de ócio e de morte.
Ao tigre dos símbolos, opus
o real, o que tem sangue quente,
o que dizima a manada dos búfalos
e hoje, 3 de agosto de 1959,
estende sobre a planície uma pausa
da sombra, mas já o fato de nomeá-lo
e de conjecturar sua circunstância,
o faz ficção artística e não criatura
viva das que andam pela terra.
Um terceiro tigre busquemos. Este
será como os outros uma forma de meu sonho,
um sistema de palavras humanas
e não o tigre vertebrado
que, mais além das mitologias,
pisa a terra. Bem sei, entretanto,
que algo me impõe esta aventura indefinida
insensata e antiga, e persevero
em buscar pelo tempo nesta tarde
o outro tigre, o que não está no verso.

16 de abril de 2010

SONHO DE AMOR

Mulher Ovahimba - Angola

O meu sonho
é uma madeixa dos teus cabelos
sufocada ao luar de uma noite
cansada de amor


O meu sonho
somos nós, tu e eu
no corcel da vida
à procura do sol


Falo do sonho, amor
do nosso sonho
em que brincamos com crianças não paridas
com esperanças sangrando desesperanças


O meu sonho
és tu, Minda-a-Mulata
sonhando com a vida e morrendo
em tempo de fome farta
e a guerra a acabar
(ou a reatar?)


O meu sonho
é sonho de mar
as ondas indo e vindo
do fim do Mundo
as aves a voar


Domingos Florentino (Angola)
in Raízes do Porvir

Texto retirado do Blog: http://nguimbangola.blogspot.com/

13 de abril de 2010

Blog da Semana - 03 - 2010

O novo blog da semana é brasileiro, um convite para uma boa e agradável descoberta... venha:


Chris Buzelli



Ubaíra



O vale verde
repousando em ondas
e ela sob o verde
pousando seu olhar no vale.
Cansaço profundo às vezes lhe dá.
Sobram tardes
falta coragem.



Perdeu o prumo,
o rumo, há horas...
Rouba-se horas há anos,
não vê?



E no pólo sul onde faz tanto frio
e no pólo sul onde faz tanta noite sem dia
nesta escuridão lhe falta ar.
Respira com a boca bem aberta
bem ávida de vida.



Martha

6 de abril de 2010

Blog da Semana - 02 - 2010

Esta semana o blogue é a Mulembeira. Blogue do poeta angolano Décio Bettencourt Mateus. Uma visita  a nao perder para quem é amante de boa poesia...
http://mulembeira.blogspot.com/

Décio Bettencourt Mateus


AS ONDAS DO NOSSO MAR



(À minha esposa, Eva Fraio).


Depois da salgadura
Das praias da ilha do nosso mel
N’algumas ondas do nosso mar
Um sopro de brisa a cantar
Um cântico afável
De amores e ondas de doçura!


Depois duma fúria d’enchente
A protestar rochas
E areias e conchas
No lago do nosso mar
Uma calmaria d’horizonte
A apascentar nossas águas a marejar!


E um bater d’ondas tranquilo
Na ilha do nosso Mussulo
A espumar amores pitorescos
Nas areias da praia
Das pedras da nossa baía
Um bater de cânticos românticos!


E serei os trajes do rei-sol majestoso
Nas ondas do teu mar
A navegar e arfar
Desejos e gozo
De estrelas-do-mar e luas
Nas ondas femininas das tuas águas!


Serei a doçura da salgadura
E bravura
Das ondas do nosso rio
Um murmúrio
D’amor a sussurrar
Coisas d’arco-íris nas ondulações do teu mar!


Décio Bettencourt Mateus
In Xé Candongueiro!


Luanda, 26 de Outubro de 2007.

5 de abril de 2010

PONTES PARA LUSOFALAR

O blogUE moçambicano do professor de sociologia Carlos Serra, lança a ideia da criaçao de um super blogue da lusofonia. Um blogue que seja um acontecimento real entre todos os falantes da língua portuguesa. A ideia de Carlos Serra vem expressa nas duas postagens que aqui incluímos. A ideia passa por um caminho que possa ser uma PONTE, um elo de ligaçao entre todos os povos lusófonos. Uma ideia que se voce quiser apadrinhar, solicito que visite o blogue:

***



(postagem de 5 de Abril):

De novo "ideia em marcha e pedido de ajuda"

Na sequência da postagem de ontem, posso desde já anunciar que colegas bloguistas do Brasil e de São Tomé se predispuseram a colaborar. Aguardo resultados para diligências feitas no tocante a Goa, Macau, Timor-Leste, Guiné-Bissau e Portugal.

Adenda às 13:33: estou a postar com extremas dificuldades.

Adenda 2 às 17:09: só há cerca de 15 minutos "regressou" a energia a parte do meu bairro.

Adenda 3 às 17:30: de Angola e Portugal já chegaram apoios.


(postagem de 4 de Abril):


Ideia em marcha e pedido de ajuda



Pouco a pouco, muito devagar, tento contactar blogueiros do mundo de língua portuguesa, do Brasil a Timor-Leste sem esquecer Goa, de Portugal a Moçambique, por forma a ensaiar a possibilidade de um blogue conjunto. O que acham da ideia? Quereis colaborar? Podeis fornecer-me endereços de blogues de todo esse mundo com autores identificados, portanto não anónimos? Muito obrigado.

Adenda: estarão o Elísio Leonardo, o Ricardo e o Adérito Magumane dispostos a ajudar em termos de hospedeiro e template?

Adenda 2 às 11:32: talvez Macau devesse também ser incluído, tentarei contactos com blogueiros de lá.
 
 
Incluo também uma das respostas/comentário dada por Carlos serra:
 
Carlos Serra disse...

A minha ideia é, para já, muito simples: um blogue textual escrito por blogueiros de países falantes de português, matriz temática a encontrar, template sóbrio e uma gestão administrativa eficiente. Algo cujo tema pudesse ser "Pontes em português". Vamos a ver o resultado dos contactos.