26 de setembro de 2007

THO SIMOES - PINTOR ANGOLANO






Pinturas do jovem e promissor pintor angolano, Tho Simoes.
http://thosimoes.blogspot.com/

25 de setembro de 2007

PINTURA DE LINO DAMIAO - ANGOLA -






Lino Damiao e as suas maravilhosas pinturas, a verdadeira arte angolana.





Lino Damiao, nasceu em Luanda em fevereiro de 1977, trabalha sobretudo em pintura e gravura.Muito cedo começou a desenhar e pintar, tendo frequentado o curso de desenho no Ex-Barracao o curso de pintura na UNAP e a primeira oficina de gravura também na UNAP.Frequentou o atelier do grande mestre VICTOR TEXEIRA (VITEIX). E membro Fundador da cooperativa Pro-Memoria dos Nacionalistas e membro da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP). Participou em diversas exposições das quais se destaca a primeira bienal de jovens criadores da CPLP na cidade da Praia, Cabo Verde, 1999; a bienal de jovens criadores da CPLP, Porto 2001 Portugal; no projecto Arte Moda-2002, oficina de criação com Kotas e Kandengues; no projecto Galarte no Elinga Teatro entre 2000 a 2006, trienal de Luanda etc.



Visite o site deste promissor pintor angolano e de outros pintores angolanos!

17 de setembro de 2007

AGOSTINHO NETO - 17 de Setembro de 1922 -




Biografia (resumida):


António Agostinho Neto (Icolo e Bengo, 17 de Setembro de1922 — Moscovo, 10 de Setembro de 1979) formado em medicina pela Universidade de Lisboa, em 1975 tornou-se o primeiro Presidente de Angola, cargo que ocupou até 1979, ano em que faleceu. Em 1975-1976 foi-lhe atribuído o Premio Lenin da Paz.
Fez parte da geração de estudantes africanos que viria a desempenhar um papel decisivo na independência dos seus países naquela que ficou designada como a Guerra Colonial Foi preso pela PIDE e deportado para o Tarrafal (campo de concentracao no Arquipelago de Cabo verde) sendo-lhe fixada residência em Portugal, de onde fugiu para o exilio. Aí assumiu a direcção do MPLA, (Movimento Popular para a Libertacao de Angola) do qual já era presidente honorário desde 1962.









Negação



Não creio em mim
Não existo
Não quero eu não quero ser

Quero destruir-me
atirar-me de pontes elevadas
e deixar-me despedaçar
sobre as pedras duras das calçadas

Pulverizar o meu ser
desaparecer
não deixar sequer traço de passagem
pelo mundo

quero que o não-eu
se aposse de mim

Mais do que um simples suicídio
Quero que esta minha morte
seja uma verdadeira novidade histórica
um desaparecimento total
até mesmo nos cérebros
daqueles que me odeiam
até mesmo no tempo
e se processe a História
e o mundo continue
como se eu nunca tivesse existido
como se nenhuma obra tivesse produzido
como se nada tivesse influenciado na vida
se em vez de valor negativo
eu fosse zero

Quero ascender
elevar-me até atingir o Zero
e desaparecer

Deixai-me desaparecer!

Mas antes vou gritar
Com toda a força dos meus pulmões
Para que o mundo oiça:

- Fui eu quem renunciou a Vida!
Podeis continuar a ocupar o meu lugar
Vós os que mo roubastes

Aí tendes o mundo todo para vós
para mim nada quero
nem riqueza nem pobreza
nem alegria nem tristeza
nem vida nem morte
nada

Não sou Nunca fui
Renuncio-me
Atingi o Zero

E agora
vivei cantai chorai
casai-vos matai-vos embriagai-vos
dai esmolas aos pobres
Nada me pode interessar
que eu não sou
Atingi o Zero

Não contem comigo
para vos servir as refeições
nem para cavar os diamantes
que vossas mulheres irão ostentar em salões
nem para cuidar das vossas plantações
de algodão e café
não contem com amas
para amamentar os vossos filhos sifilíticos
não contem com operários
de segunda categoria
para fazer o trabalho de que vos orgulhais
nem com soldados inconscientes
para gritar com o estômago vazio
vivas ao vosso trabalho de civilização
nem com lacaios
para vos tirarem os sapatos
de madrugada
quando regressardes de orgias noturnas
nem com pretos medrosos
para vos oferecer vacas
e vender milho a tostão
nem com corpos de mulheres
para vos alimentar de prazeres
nos ócios da vossa abundância imoral

Não contem comigo
Renuncio-me
Eu atngi o Zero

E agora podeis queimar
os letreiros medrosos
que às portas de bares hotéis e recintos públicos
gritam o vosso egoismo
nas frases “SÓ PARA BRANCOS” ou COLOURED MEN ONLY”
Negros aqui brancos acolá

E agora podeis acabar
com os miseráveis bairros de negros
que vos atrapalham a vaidade
Vivei satisfeitos sem colour lines
sem terdes que dizer aos frequeses negros
que os hotéis estão abarrotados
que não há mais mesas nos restaurantes
Banhai-vos descansados
nas vossas praias e piscinas
que nunca houve negros no mundo
que sujassem as águas
ou os vossos nojentos preconceitos
com a sua escura presença

Dissolvei o Ku-Klux-Klan
que já não há negros para linchar!

Porque hesitais agora!
ao menos tendes oportunidade
para proclamardes democracias
com sinceridade

Podeis inventar uma nova história
inclusivamente podeis inventar uma nova mística
direis por exemplo: No princípio nós criamos o mundo
Tudo foi feito por NÓS
E isso nada me interessa

Ah!
que satisfação eu sinto
por ver-vos alegres no vosso orgulho
e loucos na vossa mania de superioridade

Nunca houve negros!
A África foi construida só por vós
A América foi colonizada só por vós
A Europa não conhece civilizações africanas
Nunca houve beijos de negros sobre faces brancas
nem um negro foi linchado
nunca matastes pretos a golpes de cavalomarinho
para lhes possuirdes as mulheres
nunca estorquistes propriedades a pretos
não tendes nunca tivestes filhos com sangue negro
ó racistas de desbragada lubricidade

Fartai-vos agora dentro da moral!

Que satisfação eu sinto
por não terdes que falsear os padrões morais
para salvaguardar
o prestígio a superioridade e o estômago
dos vossos filhos

Ah!
O meu suicídio é uma novidade histórica
é um sádico prazer
de ver-vos bem instalados no vosso mundo
sem necessidade de jogos falsos

Eu elevado até o Zero
eu transformado no Nada-histórico
eu no início dos tempos
eu-Nada a confundir-me com vós-Tudo
sou o verdadeiro Cristo da Humanidade!

Não há nas ruas de Luanda
negros descalços e sujos
a pôr nódoas nas vossas falsidades de colonização

Em Lourenço Marques
em New York em Leopoldville
em Cape Town
gritam pelas ruas
fogueteando alegrias nos ares

- Não há negros nas ruas!
Nunca houve
Não há negros preguiçosos
a deixar os campos por cultivar
e renitentes à escravização
já não há negros para roubar
Toda a riqueza representa agora o suor do rosto
e o suor do rosto é a poesia da vida
Viva a poesia da vida!
Viva!

Não existe música negra
Nunca houve batuques nas florestas do Congo
Quem falou em spirituals?
Os salões enchem-se de Debussy Strauss Korsakoff
que não há selvagens na terra
Viva a civilização dos homens superiores
sem manchas negróides a perturbar-lhe a estética!
Viva!

Nunca houve descobrimentos
a África foi criada com o mundo

O que é a colonização?
O que são os massacres de negros?
O que são os esbulhos de propriedade?
Coisas que ninguém conhece

A história está errada
Nunca houve escravatura
Nunca houve domínio de minorias
orgulhosas da sua força

Acabei com as cruzadas religiosas
A fé está espalhada por todo o mundo
sobre a terra só há cristãos
VÓS sois todos cristãos

Não há infiéis por converter
Escusais de imaginar mais infidelidades religiosas
para justificar
repugnantes actos de barbarismo

Não necessitais enviar mais missionários
a África
nem nos bairros de negros
Nunca houve mahamba
nem concepções religiosas diferentes
nunca houve religiosos a auxiliar a ocupação militar

Acabai com os missionários
os seus sofismas
os seus milagres
inventados para justificar ambições e vaidades

Possuis tudo TUDO
e sois todos irmãos

Continuai com os vossos sistemas políticos
ditaduras democráticas
isso é convosco
Explorai o proletariado
matai-vos uns aos outros
lutai pela glória
lutai pelo poder
criai minorias fortes
apadrinhai os afilhados dos vossos amigos
criai mais castas
aburguesai as ideias
e tudo sem a complicação
de verdes intrusos
imiscuir-se na vossa querida
e defendida civilização de homens
privilegiados

E agora
homens irmãos
daí-vos as mãos
gritai a vossa alegria de serdes sós
SÓS!
únicos habitantes da terra

Eu artingi o Zero

Isto significa extraordinariamente a vossa ética
Ao menos
não percais a ocasião para serdes honestos

Se houver terramotos
calamidades cheias ou epidemias
ou terras a defender da evasão das águas
ou motores parados em lamas africanas
raios vos partam!
já não tereis de chamar-me
para acudir as vossas desgraças
para reparar os vossos desastres
ou para carregar com a culpa das vossas incúrias
Ide para o diabo!

Eu não existo
Palavra de honra que nunca existi
Atingi o Zero
o Nada

Abençoada a hora
do meu super-suicídio
para vós
homens que construís sistemas morais
para enquadrar imoralidades

O sol brilha só para vós
a lua reflecte luz só para vós
nunca houve esclavagistas
nem massacres
nem ocupações da África

Como até a história
se transforma num tratado de moral
sem necessidade de arranjos apressados!

Os pretos dos cais não existem
Nunca foram ouvidos cantos dolentes
misturados com a chiadeira do guindaste
Nunca pisaram os caminhos do mato
carregadores com sem quilos às costas
são os motores que se queimam sob as cargas

Ó pretos submissos humildes ou tímidos
sem lugar nas cidades
ou nos escaninhos da honestidade
ou nos recantos da força
dançarinos com a alma poisada no sinal menos
polígamos declarados
dançarinos de batuques sensuais
Sabeis que subistes todos de valor
atingistes o Zero sois Nada
e salvastes o homem

Acabou-se o ódio
e o trabalho de civilização
e a náusea de ver meninos negros
sentados na escola
ao lado de meninos de olhos azuis
e as extorções e compulsões
e as palmatoadas e torturas
para obrigar inocentes a confessar crimes
e medos de revolta
e as complicadas demarches políticas
para iludir as almas simples

Acabaram-se as complicações sociais!

Atingi o Zero
Cheguei à hora do início do mundo
e resolvi não existir

Cheguei ao Zero-Espaço
ao Nada-Tempo
ao eu coincidente com vós-Tudo

E o que é mais importante:
Salvei o mundo!


Agostinho Neto

In A Renuncia Impossivel


12 de setembro de 2007

VAZIO




Onde andarão os meus sonhos!?
E a esperança, onde andará!?
E a utopia, ainda existirá!?

Um dia eu sonhei com um mundo novo
Mundo onde as pessoas se amavam
E se queriam...
E se abraçavam...
E se adoravam...
E se sorriam...
E se amavam...
E se amavam sem pejo!
Despudoradamente se amavam!

Um dia eu esperancei um mundo igual
Mundo onde as pessoas eram unas
Ainda que diferentes
Eram iguais
Comuns comensais
E não havia vassalos...
E não havia senhores...
E se amavam sem pejo!
Despudoradamente se amavam!


Um dia eu utopiei um mundo de amor e igualdade
Mundo onde as pessoas não tinham raça
E não tinham leis...
E não tinham governos...
E não tinham patrões...
E não havia escravos...
E havia liberdade!
E se amavam sem pejo!
Despudoradamente se amavam!

Onde andarão os meus sonhos!?
E a esperança, onde andará!?
E a utopia, ainda existirá!?



Por Joao Batista do Lago (Brasil)


http://joaobatistalago.multiply.com/

7 de setembro de 2007

FRIDA KAHLO




Ferida aberta
sangrando
roxa
no limbo
poetico da pintura...
Namibiano Ferreira

DREAMS



Hold fast to dreams
For if dreams die
Life is a broken-winged bird
That cannot fly.

Hold fast to dreams
For when dreams go
Life is a barren field
Frozen with snow.

by Langston Hughes (U.S.A.)

MILLION MAN MARCH POEM



The night has been long,

The wound has been deep,

The pit has been dark,

And the walls have been steep.

Under a dead blue sky on a distant beach,

I was dragged by my braids just beyond your reach.

Your hands were tied, your mouth was bound,

You couldn’t even call out my name.

You were helpless and so was I,

But unfortunately throughout history

You’ve worn a badge of shame.

I say, the night has been long,

The wound has been deep,

The pit has been dark

And the walls have been steep.

But today, voices of old spirit sound

Speak to us in words profound,

Across the years, across the centuries,

Across the oceans, and across the seas.

They say, draw near to one another,

Save your race.

You have been paid for in a distant place,

The old ones remind us that slavery’s chains

Have paid for our freedom again and again.

The night has been long,

The pit has been deep,

The night has been dark,

And the walls have been steep.

The hells we have lived through and live through still,

Have sharpened our senses and toughened our will.

The night has been long.

This morning I look through your anguish

Right down to your soul.

I know that with each other we can make ourselves whole.

I look through the posture and past your disguise,

And see your love for family in your big brown eyes.

I say, clap hands and let’s come together in this meeting ground,

I say, clap hands and let’s deal with each other with love,

I say, clap hands and let us get from the low road of indifference,

Clap hands, let us come together and reveal our hearts,

Let us come together and revise our spirits,

Let us come together and cleanse our souls,

Clap hands, let’s leave the preening

And stop impostering our own history.

Clap hands, call the spirits back from the ledge,

Clap hands, let us invite joy into our conversation,

Courtesy into our bedrooms,

Gentleness into our kitchen,

Care into our nursery.

The ancestors remind us, despite the history of pain

We are a going-on people who will rise again.

And still we rise.


Maya Angelou (USA)

O VENDEDOR DE PASSADOS - AGUALUSA


Publicações Dom Quixote, Lisboa, Portugal. - 2004
Romance. - 231 p. ISBN 972-20-2667-4.


Vencedor do Independent Foreign Fiction Prize 2007 (Inglaterra)

Félix Ventura escolheu um estranho ofício: vende passados falsos. Os seus clientes, prósperos empresários, políticos, generais, enfim, a emergente burguesia angolana, têm o futuro assegurado. Falta-lhes, porém, um bom passado. Félix fabrica-lhes uma genealogia de luxo, memórias felizes, consegue-lhes os retratos dos ancestrais ilustres. A vida corre-lhe bem. Uma noite entra-lhe em casa, em Luanda, um misterioso estrangeiro à procura de uma identidade angolana. E então, numa vertigem, o passado irrompe pelo presente e o impossível começa a acontecer. Sátira feroz, mas divertida e bem humorada, à actual sociedade angolana, O Vendedor de Passados é também (ou principalmente) uma reflexão sobre a construção da memória e os seus equívocos.

Revista de Imprensa


O que aqui temos (lemos) é um belo livro, despojado de intencionalidades dirigidas, demonstrando a eficácia de uma tal opção. Encontrar uma boa metáfora para dizer a vida é uma felicidade; envolvê-la com uma narrativa límpida e despretensiosa, uma alegria; suspender até ao limite do narrado um desfecho, uma glória. Entregá-lo assim feito, a um público leitor, uma simpatia.
Dórias Graça Dias, Expresso, Actual


O último livro de José Eduardo Agualusa é um retrato irónico da sociedade angolana, é sobre "o que é a verdade e o que é a mentira", como explica o autor, é sobre a memória, essa entidade mutável, e literatura, também numa homenagem a Jorge Luís Borges. Mas, mais importante que a história ou as histórias que contém, o livro está cheio desses momentos que nos fazem levantar os olhos das páginas antes de continuar. São essas as ideias que ficam retidas no leitor.
Susana Moreira Marques, Público, Mil Folhas


À pimeira vista até parece um romance policial, escrito em tom bem tropical, deliciosamente recheado de expressões recuperadas de um português lusófono. Depois, à medida que vamos lendo, percebemos que é muito mais. É uma confissão sarcástica sobre a Angola actual e os “esquemas” de vida que por lá se fazem; é um diário que pincela memórias soltas e outros tantos esquecimentos propositados. Tudo, um puzzle que se vai encaixando e amarrando o leitor.(...) O Vendedor de Passados é de uma simplicidade desconcertante, levando-nos a recordar – de memória – situações por que já passámos ( ou será que não?)
Luísa Jeremias, Leituras à sombra


Further editions
2004 - O Vendedor de Passados. - Gryphus, Rio de Janeiro, Brazil. ISBN 85-7510-092-0.

Translations
2006 - Le marchand de passés. - Métailié, Paris, France. ISBN 2-86424-567-1.

2006 - The Book of Chameleons. - Arcadia Books, London, UK. ISBN 1-905147-15-5.

OBRAS:

Romance:
1989 - A Conjura
1996 - Estação das Chuvas
1997 - Nação Crioula
2000 - Um Estranho em Goa
2002 - O Ano em que Zumbi Tomou o Rio
2004 - O Vendedor de Passados
2007 - As Mulheres do Meu Pai

Novela:
1992 - A Feira dos Assombrados

Poesia:
1991 - Coração dos Bosques - Poesia 1980-1990

Contos:
1990 - D. Nicolau Água-Rosada e outras estórias verdadeiras e inverosímeis
1999 - Fronteiras Perdidas, contos para viajar
2000 - A Substância do Amor e Outras Crónicas
2000 - Estranhões e Bizarrocos
2002 - O Homem que Parecia um Domingo
2003 - Catálogo de Sombras
2005 - A Girafa que Comia Estrelas
2005 - Manual Prático de Levitação
2006 - Passageiros em Trânsito
2006 - O Filho do Vento

POEMAS DE ARLINDO BARBEITOS


Em teus dentes
o sol
é diamante de fantasia
a lua
caco-de-garrafa
e
a mentira
verdade vagabunda
errando de cágado
em torno da lagoa dos olhos da noite
na treva aveludada
de tua pele
os dedos curiosos
são estrelas de marfim
à busca
de um dia caprichoso
despontando de miragem
por detrás das corcundas de elefantes adormecidos


**********************************************************************************************

Por entre as margens da esperança
e da morte
meteste a tua mão
e
eu vi alongados nas águas
os dedos que me agarram

em lagoa de um sonho
corpo de jacaré
é soturna jangada de palavras
secas
por entre as margens da esperança
e da morte


**********************************************************************************************


em mão frágil de amarelo
se quebra o galho de gajajeira
pela tardinha vermelha em flor
sussurrar de vento
não é voz de capim crescendo
é murmúrio impaciente
de gentes
no azul de parte alguma
em mão frágil de amarelo
se quebra o galho da gajajeira
pela tardinha vermelha em flor


**********************************************************************************************

saudade
é o tempo de pacassas pardas
e macacos sem rabo servindo de administradores
quando o calor ia derretendo o céu
e a chuva se vendia na farmácia
do comerciante de cabelos de fio
saudade
é o tempo de patos bravos
e macacos sem rabo servindo de padres

quando o medo ia gelando a terra
e o pranto se dava de beber aos porcos
do comerciante de cabelos de fio


**********************************************************************************************

escuras nuúvens grossas de outros céus vindas
entrançando-se por entre asas de pâssaros canibais
e
chuva de feiticeiro
em sopro
de arco-íris dependurada

irmão
vem vem
escuras núvens grossas
temem o sol de nossos olhos todos
pâssaros canibais
a garra de nossas mãos todas
e
chuva de feiticeiro
se perde no ar de nossos copos todos
irmão
vem vem


Arlindo Barbeitos (Angola)



Breve Biografia:

Arlindo Barbeitos, seu nome completo Arlindo do Carmo Pires Barbeitos, nasceu em Catete, Angola, a 24 de Dezembro de 1940. Por motivos politicos foi obrigado a sair de Angola tendo ido viver para a Franca, Suica, Belgica, Alemanha.
Licencou-se em Sociologia e Antropologia na Universidade de Frankfurt. Doutorou-se em Etnologia e foi professor na Universidade Livre de Berlim Ocidental.
Em 1975 regressa a Angola, indo leccionar para a Universidade de Angola. Poeta e ficcionista.
Traduzido em varias linguas, e incluido em numerosas antologias.
Tem publicados: Angola Angole Angolema (Poemas, 1976, Lisboa, Sa da Costa); Nzoji (Poemas), 1979, Lisboa, Sa da Costa); O Rio. Estorias de regresso (Contos, 1985, Lisboa, INCM); Fiapos de Sonho (Poesia, 1992, Lisboa, Vega);
Na Leveza do Luar Crescente (1998, Lisboa, Editorial Caminho).

A VOZ DO SANGUE


Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África

negros de todo o mundo

eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.


Agostinho Neto (Primeiro Presidente da Republica de Angola)

DÁDIVA





Sou mais forte que o silêncio dos muxitos

mas sou igual ao silêncio dos muxitos

nas noites de luar e sem trovões.





Tenho o segredo dos capinzais

soltando ais

ao fogo das queimadas de setembro

tenho a carícia das folhas novas

cantando novas

que antecedem as chuvadas

tenho a sede das plantas e dos rios

quando frios

crestam o ramos das mulembas.





...e quando chega o canto das perdizes

e nas anharas revive a terra em cor

sinto em cada flor

nos seus matizes

que és tudo o que a vida me ofereceu.


Costa Andrade (Angola)

4 de setembro de 2007

A invenção do amor




Em todas as esquinas da cidade

nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros

mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes

na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém

no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga

um cartaz denuncia o nosso amor


Em letras enormes do tamanho

do medo da solidão da angústia

um cartaz denuncia que um homem e uma mulher

se encontraram num bar de hotel

numa tarde de chuva

entre zunidos de conversa

e inventaram o amor com carácter de urgência

deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana


Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração

e fome de ternura

e souberam entender-se sem palavras inúteis

Apenas o silêncio A descoberta A estranheza

de um sorriso natural e inesperado


Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna

Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente

Embora subterrâneamente unidos pela invenção conjunta

de um amor subitamente imperativo


Um homem uma mulher um cartaz de denúncia

colado em todas as esquinas da cidade

A rádio já falou A TV denúncia

iminente a captura A policia de costumes avisada

procura as dois amantes nos becos e avenidas

Onde houver uma flor rubra e essencial

é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta

fechada para o mundo

É preciso encontrá-los antes que seja tarde

Antes que o exemplo frutifique

Antes que a invenção do amor se processe em cadeia


Há pesadas sanções paras os que auxiliarem os fugitivos


Chamem as tropas aquarteladas na província

convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva

Todos

Decrete-se a lei marcial com todas as suas consequências

O perigo justifica-o

Um homem e uma mulher

conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade

É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los

antes que seja demasiado tarde

e a memória da infância nos jardins escondidos

acorde a tolerância no coração das pessoas


Fechem as escola

Sobretudo protejam as crianças da contaminação

Uma agência comunica que algures ao sul do rio

um menino pediu uma rosa vermelha

e chorou nervosamente porque lha recusaram

Segundo o director da sua escola é um pequeno triste

Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão

Aplicado no entanto Respeitador da disciplina

Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos

Ainda bem que se revelou a tempo

Vai ser internado

e submetido a um tratamento especial de recuperação

Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital

que o diagnóstico se faça no período primário da doença

E também que se evite o contágio com o homem e a mulher

de que se fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade


Está em jogo o destino da civilização que construímos

o destino das máquinas das bombas de hidrogénio

das normas de discriminação racial

o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos

a verdade incontroversa das declarações políticas


Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários

precisamos da sua experiência onde: quer que se escondam

ao temor do castigo


Que todos estejam a postos

Vigilância é a palavra de ordem

Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes

À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem

Telefonem à polícia ao comissariado ao Governo Civil

não precisam de dar o nome e a morada

e garante-se que nenhuma perseguição será movida

nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa


Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio

comissões de vigilância. Está em jogo a cidade

o país a civilização do ocidente

esse homem e essa mulher têm de ser presos

mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas


Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais

a inviolabilidade do domicílio o habeas corpus o sigilo da correspondência

Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente

espreitam a rua pelo intervalo das persianas

beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna

É preciso encontrá-los

É indispensável descobri-los

Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater

É possível que cantem

Mas defendam-se de entender a sua voz

Alguém que os escutou

deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas

E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra

respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz

Lhe lembravam a infância

Campos verdes floridos Água simples correndo A brisa nas montanhas


Foi condenado à morte é evidente

É preciso evitar um mal maior

Mas caminhou cantando para o muro da execução

foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele

um misterioso halo de uma felicidade incorrupta


Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los

nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boites com orquestra privativa

Não estarão nunca aí

Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece

A identificação é fácil

Onde estiverem estará também pousado sobre a porta

um pássaro desconhecido e admirável

ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa,

Será então aí

Engatilhem as armas invadam a casa disparem à queima roupa

Um tiro no coração de cada um

Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro

e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher


Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto

Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós

É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte

o tiro indispensável

Não há outra saída A cidade o exige

Se um homem de repente interromper as pesquisas

e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão

já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja

matai-o Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado

matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda

os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea

e deslizem depois numa tristeza liquida

até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira

um só golpe mortal misericordioso basta

para impor o silêncio secreto e inviolável


Procurem a mulher o homem que num bar

de hotel se encontraram numa tarde de chuva

Se tanto for preciso estabeleçam barricadas

senhas salvo-condutos horas de recolher

censura prévia à Imprensa tribunais de excepção

Para bem da cidade do país da cultura

é preciso encontrar o casal fugitivo

que inventou o amor com carácter de urgência


Os jornais da manhã publicam a notícia

de que os viram passar de mãos dadas sorrindo

numa rua serena debruada de acácias

Um velho sem família a testemunha diz

ter sentido de súbito uma estranha paz interior

uma voz desprendendo um cheiro a primavera

o doce bafo quente da adolescência longínqua

No inquérito oficial atónito afirmou

que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte

e caminhavam envoltos numa cortina de música

com gestos naturais alheios Crê-se

que a situação vai atingir o climax

e a polícia poderá cumprir o seu dever


Um homem uma mulher um cartaz de denúncia

A voz do locutor definitiva nítida

Manchetes cor de sangue no rosto dos jornais


É PRECISO ENCONTRÁ-LOS ANTES QUE SEJA TARDE


Já não basta o silêncio a espera conivente o medo inexplicado

a vida igual a sempre conversas de negócios

esperanças de emprego contrabando de drogas aluguer de automóveis

Já não basta ficar frente ao copo vazio no café povoado

ou marinheiro em terra afogar a distância

no corpo sem mistério, da prostituta anónima

Algures no labirinto da cidade um homem e uma mulher

amam-se espreitam a rua pelo intervalo das persianas

constroem com urgência um universo do amor

E é preciso encontrá-los E é preciso encontrá-los


Importa perguntar em que rua se escondem

em que lugar oculto permanecem resistem

sonham meses futuros continentes à espera

Em que sombra se apagam em que suave e cúmplice

abrigo fraternal deixam correr o tempo

de sentidos cerrados ao estrépito das armas

Que mãos desconhecidas apertam as suas

no silêncio pressago da cidade inimiga


Onde quer que desfraldem o cântico sereno

rasgam densos limites entre o dia e a noite

E é preciso ir mais longe

destruir para sempre o pecado da infância

erguer muros de prisão em círculos fechados

impor a violência a tirania o ódio


Entanto das esquinas escorre em letras enormes

a denúncia total do homem da mulher

que no bar em penumbra numa tarde de chuva

inventaram o amor com carácter de urgência


COMUNICADO GOVERNAMENTAL À IMPRENSA


Por diversas razões sabe-se que não deixaram a cidade

o nosso sistema policial é óptimo estão vigiadas todas as saídas

encerramos o aeroporto patrulhamos os cais

há inspectores disfarçados em todas as gares de caminhos de ferro


É na cidade que é preciso procurá-los

incansavelmente sem desfalecimentos

Uma tarefa para um milhão de habitantes

todos são necessários

todos são necessários

Não sem preocupem com os gastos a Assembleia votou um crédito especial

e o ministro das Finanças

tem já prontas as bases de um novo imposto de Salvação Pública


Depois das seis da tarde é proibido circular

Avisa-se a população de que as forças da ordem

atirarão sem prevenir sobre quem quer que seja

depois daquela hora Esta madrugada por exemplo

uma patrulha da Guarda matou no Cais da Areia

um marinheiro grego que regressava ao seu navio


Quando chegaram junto dele acenou aos soldados

disse qualquer coisa em voz baixa e fechou os olhos e morreu

Tinha trinta anos e uma família à espera numa aldeia do Peloponeso

O cônsul tomou conhecimento da ocorrência e aceitou as desculpas

do Governo pelo engano cometido

Afinal tratava-se apenas de um marinheiro qualquer

Todos compreenderam que não era caso para um protesto diplomático

e depois o homem e a mulher que a policia procura

representam um perigo para nós e para a Grécia

para todos os países do hemisfério ocidental

Valem bem o sacrifício de um marinheiro anónimo

que regressava ao seu navio depois da hora estabelecida

sujo insignificante e porventura bêbado


SEGUE-SE UM PROGRAMA DE MÚSICA DE DANÇA


Divirtam-se atordoem-se mas não esqueçam o homem e a mulher

Escondidos em qualquer parte da cidade

Repete-se é indispensável encontrá-los

Um grupo de cidadãos de relevo ofereceu uma importante recompensa

destinada a quem prestar informações que levem à captura do casal fugitivo

Apela-se para o civismo de todos os habitantes

A questão está posta É preciso resolvê-la

para que a vida reentre na normalidade habitual

Investigamos nos arquivos Nada consta

Era um homem como qualquer outro

com um emprego de trinta e oito horas semanais

cinema aos sábados à noite

domingos sem programa

e gosto pelos livros de ficção cientifica

Os vizinhos nunca notaram nada de especial

vinha cedo para casa

não tinha televisão,

deitava-se sobre a cama logo após o jantar

e adormecia sem esforço


Não voltou ao emprego o quarto está fechado

deixou em meio as «Crónicas marcianas»

perdeu-se precipitadamente no labirinto da cidade

à saída do hotel numa tarde de chuva

O pouco que se sabe da mulher autoriza-nos a crer

que se trata de uma rapariga até aqui vulgar

Nenhum sinal característico nenhum hábito digno de nota

Gostava de gatos dizem Mas mesmo isso não é certo

Trabalhava numa fábrica de têxteis como secretária da gerência

era bem paga e tinha semana inglesa

passava as férias na Costa da Caparica.


Ninguém lhe conhecia uma aventura

Em quatro anos de emprego só faltou uma vez

quando o pai sofreu um colapso cardíaco

Não pedia empréstimos na Caixa Usava saia e blusa

e um impermeável vermelho no dia em que desapareceu


Esperam por ela em casa: duas cartas de amigas

o último número de uma revista de modas

a boneca espanhola que lhe deram aos sete anos

Ficou provado que não se conheciam

Encontraram-se ocasionalmente num bar de hotel numa tarde de chuva

sorriram inventaram o amor com carácter de urgência

mergulharam cantando no coração da cidade


Importa descobri-los onde quer que se escondam

antes que seja demasiado tarde

e o amor como um rio inunde as alamedas

praças becos calçadas quebrando nas esquinas


Já não podem escapar Foi tudo calculado

com rigores matemáticos Estabeleceu-se o cerco

A policia e o exército estão a postos Prevê-se

para breve a captura do casal fugitivo

(Mas um grito de esperança inconsequente vem

do fundo da noite envolver a cidade

au bout du chagrin une fenêtre ouverte

une fenêtre eclairée)



DANIEL FILIPE (Cabo Verde)