9 de fevereiro de 2013

MUSEU DA ESCRAVATURA


Museu da Escravatura - Luanda

Na tristeza do meu kissange
o lamento do pensamento
das gentes
que partiram p’ra longe
que partiram p’ra outros horizontes
em cânticos de desencanto.

Nas tuas ondas cansadas
oiço passos antigamente
passos escravos
acorrentados cativos
em liberdade de correntes
passos escravos no lamento tuas ondas.

No longe tua superfície ondulada
cheiro a navios negreiros
dos homens acorrentados
maltratados
na tua superfície azulada
a fumaça dos navios guerreiros:

Ó museu da escravatura
fala-me a história
enterrada na memória dos dias
fala-me os negros escravizados
vendidos
nas noites sofridas de brancura.

Fala-me os rostos transpirados
desgastados
nos homens valentes
arrastados prisioneiros
em navios negreiros
em navios nos aléns fumegantes.

Ó museu da escravatura
impávido viste meus irmãos
fazerem travessia do infinito
em inferno de porões
fala-me esta angústia no peito
esta angústia loucura.

Ó museu da escravatura
ainda sinto no pulsar tuas águas
dor das mágoas
dos meus antepassados
maltratados acorrentados
ainda doem os ossos nas noites de torturas.

Ó museu ingrato fala-me o ranger de dentes
Nos navios perdidos nos horizontes!

Décio Bettencourt Mateus (Angola)
in Gente de Mulher




5 de fevereiro de 2013

A CHUVA DE MARIA



A Chuva de Maria, livro de poemas da minha amiga Martha, abre com este poema:




I
Queria ser só
o que de vento se veste:  
poeira, grão, semente, algodão

queria ser só o que flutua:
pena, flauta, balão.

No dia ser borboleta
na noite ser mariposa
só delicadeza eu seria:
vaga-lume, orvalho, seixo, lágrima, canção.

Mas também sou tudo
que padece:
pedra, amargura, solidão

mas também sou tudo
que afunda: pedra, cadáver, escuridão

Martha Galrão,(Brasil)
in A Chuva de Maria
Editora Kalango
ISBN 978-85-89526-40-1