17 de março de 2015

DEOLINDA - QUE PARVA QUE EU SOU




"Parva que sou" - Deolinda
Música e letra: Pedro da Silva Martins

Sou da geração sem-remuneração
e nem me incomoda esta condição...
Que parva que eu sou...

Porque isto está mau e vai continuar
já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou....

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

Sou da geração casinha-dos-pais
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou...

Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou...

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

Sou da geração vou-queixar-me-pra-quê?
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou...

Sou da geração eu-já-não-posso-mais-Que-esta-situação-d­ura-há-tempo-de-mais!
e parva eu não sou!!!

e fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo
é preciso estudar...

15 de março de 2015

HOJE, É DIA DA MÃE NO REINO UNIDO

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PARA SEMPRE


Por que Deus permite
Que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite
É tempo sem hora
Luz que não apaga
Quando sopra o vento
E chuva desaba
Veludo escondido
Na pele enrugada
Água pura, ar puro
Puro pensamento
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio
Mãe, na sua graça
É eternidade
Por que Deus se lembra
- Mistério profundo -
De tirá-la um dia?
Fosse eu rei do mundo
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca
Mãe ficará sempre
Junto de seu filho
E ele, velho embora
Será pequenino

Feito grão de milho


Carlos Drummond de Andrade (Brasil)

11 de março de 2015

AS HIPERMULHERES: DO BLOG "A MATÉRIA DO TEMPO"

08 MARÇO 2015


As Hipermulheres


Trailer legendado em inglês do filme As Hipermulheres, de Takumã Kuikuro, rodado em 2011 na aldeia Ipatse, do povo índio Kuikuro, no Alto Xingu, Brasil


Depois de eu ter postado Os índios do Brasil vistos pelos próprios, em que dou a ver uma curta-metragem de ficção feita por índios do Xingu chamada Língua do Peixe, recebi um comentário de Bernard Belisario, que foi quem, juntamente com o realizador índio Takumã Kuikuro, orientou a oficina de cinema da qual resultou a referida curta-metragem. Nesse comentário, Bernard Belisario recomendou-me um outro filme de Takumã Kuikuro, chamado As Hipermulheres. Vi o filme e fiquei fascinado. Era excelente. Achei que este outro filme tinha que aparecer neste blog, mais tarde ou mais cedo, desse por onde desse. Aqui está ele.

A minha curiosidade pela vida, pela cultura e pelas lutas de resistência dos povos indígenas do Brasil tem sido, de vez em quando, despertada pela leitura de algum artigo de jornal ou de revista ou pelo visionamento de um ocasional programa de televisão. Assim tem sido ao longo dos anos. Mas agora, graças à Internet, tenho podido satistazer a minha curiosidade de forma muito mais cabal. Com o passar do tempo, a curiosidade acabou por se transformar em interesse e este interesse vai sendo cada vez maior, à medida que aprendo novas coisas sobre esses povos. Por fim, quando me deparo com o entusiasmo manifestado em relação aos índios brasileiros, por parte de personalidades tão relevantes como o general Rondon, os irmãos Villas-Bôas ou Darcy Ribeiro, sinto-me também um pouco contagiado por esta sua paixão.

Tudo isto vem a propósito da multiplicação de posts sobre os índios do Brasil que tenho vindo a publicar neste blog. Que querem? Acabei por ficar fascinado pelos índios, pela sua cultura, pela sua filosofia de vida, pelas lutas que travam em defesa dos seus direitos, apesar de viver nesta outra margem do Atlântico e de nunca ter posto os pés no Brasil. E tenho muito mais material que gostaria de publicar, tanto que quase daria para fazer um blog inteiro só sobre índios... Muita coisa vai ter que ficar de fora, pois quero manter este blog tão diversificado quanto possível.

Este é, pois, mais um post sobre índios do Brasil, desta feita por recomendação de Bernard Belisario, e que propositadamente reservei para este Dia Internacional da Mulher. Trata-se do filme As Hipermulheres, feito em 2011 na aldeia Ipatse, do povo Kuikuro ou Kuhi Ikugu, no Alto Xingu, pelo realizador Takumã Kuikuro, o antropólogo Carlos Fausto e o editor Leonardo Sette.

Yamurikumalu (frequentemente chamado também yamurikumã) é um ritual em que as mulheres de uma aldeia "tomam o poder" e afastam os homens. Durante este ritual, as mulheres assumem o controlo da situação, tratam os homens com ares de desafio e até de desprezo, usam adornos tipicamente masculinos, empregam as armas que os homens costumam empregar, agem como os homens costumam agir, lutam entre si nas lutas tradicionais xinguanas, que os homens costumam lutar e que são chamadas huka-huka, etc.

As Hipermulheres não é um filme de ficção. Também não é um documentário etnográfico no sentido convencional e aborrecido do termo. É um documentário, sim, mas em que se vai acompanhando, de forma viva e animada, como se conseguiu recuperar, in extremis, todo o conjunto de cantos e de danças tradicionais da aldeia, empregue nos ritos do yamurikumalu. Por pouco se tinha perdido para sempre este acervo, porque só uma mulher em toda a aldeia o sabia e esta mulher estava gravemente doente. Felizmente, esta mulher conseguiu transmitir às restantes mulheres todas as danças e canções próprias doyamurikumalu. O yamurikumalu acabou por ser feito na íntegra e assistimos no filme à interpretação dos seus cantos e danças num belíssimo e emocionante final.

Há ainda um aspeto sobrenatural que está ligado à mitologia dos Kuikuro e que está subjacente ao ao ritual do yamurikumalu e à vida dos Kuikuro em geral. Bernard Belisario aborda-o numa sua comunicação a um encontro que houve sobre cinema, a qual tem por título Os lugares do bicho-espírito e que se encontra em http://www.academia.edu/8616551/Os_lugares_do_bicho-esp%C3%ADrito.

E agora, sim, assistamos ao filme As Hipermulheres.



As Hipermulheres, filme de Takumã Kuikuro

4 de março de 2015

CADERNO DE SIGNIFICADOS


 

                                                              (Para Graça Pires)


Entre a finura dos dígitos
e o formato divino da mão
um caderno.
Leio uma cartilha poética,
são os significados da Graça.
Eles são salmos
e palmos de divina dimensão
habitando o quotidiano
de nosso humano coração.



Namibiano Ferreira

2 de março de 2015

UM POEMA DO DAVID...


Desvio dos teus ombros o lençol, 
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós! 


David Mourao-Ferreira (Portugal)

25 de fevereiro de 2015

GOTÍCULAS DE VELUDO


 


O silêncio tece gotículas
Surdas de veludo
Com que me visto nua;
Pegadas lúgubres
Que sigo pretas de xisto,
Como marchas fúnebres.
Meu corpo pesado arrasto
Comigo, não sei se existo
Ou extingo, apenas sigo
O que nem eu já sei,
Talvez a pena cinzenta
Que do nada nasceu
Em minhas mãos magoadas
–Mensagem de anjos ou demónios–
Leve, indecifrada,
Enigma perdido entre meus dedos
Como pequenos grãos
E os mortais continuam como
Se nada se passasse, cegos,
Alheios ao que deveriam ver.
Lutas de nada nunca vencem,
Perdem-se no vazio do nada
E transformadas em pó
Para sempre desfalecem.
Acordem, ouçam o nascer
Da alvorada, sintam o sorriso
Pálido da lua, guardem o beijo do mar...
Acordem! Esta vida só se despe
Quando está nua de chuva e trovoada
Por acordar ou quando, caiada de branco,
Se juntam as ondas e a areia vai beijar.



Dinah Raphaellus (Portugal)

8 de fevereiro de 2015

FLORES DE SAL



És o meu (a)mar
mesmo que os cães ladrem
sem dono
na praia deserta

desgrenhado na orla
dos belos precipícios
lavras escarpas
arredondas arestas
despojas-te de salivas
nos póros das areias

És o meu (a)mar
voz diáfana de cristais
onde despontam vertebrados
barcos remos e passos

as minhas mãos
nas tuas

flores de sal


Eufrázio Filipe (Portugal) 

Retirado do blog do autor: http://mararavel.blogspot.co.uk/ 

3 de fevereiro de 2015

OBRIGADO, JORGE DE SENNA



BIBLIOTECA MUNICIPAL – ESTANTE DA POESIA 82-1

(Para Jorge de Senna que me revelou Emily.)



Estavas abandonada na estante
pouco vasculhada da poesia.
Foi lá que te encontrei
caída desamparada perdida.
Não tu mas o verbo gráfico
da tua voz e lembro, ainda,
as impressões causadas
pelos teus pequenos poemas.
Vozes ágeis com asas
de abelhas frágeis e sonoridades
de minúsculas calemas
desenhadas em lusófonas
tatuagens pelas mãos de fina pena,
beleza e suave mestria
do poeta Jorge de Senna.


Namibiano Ferreira

2 de fevereiro de 2015

CASAMENTO




Há mulheres que dizem: 
Meu marido, se quiser pescar, pesque, 
mas que limpe os peixes. 
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, 
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. 
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, 
de vez em quando os cotovelos se esbarram, 
ele fala coisas como "este foi difícil" 
"prateou no ar dando rabanadas" 
e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez 
atravessa a cozinha como um rio profundo. 
Por fim, os peixes na travessa, 
vamos dormir. 
Coisas prateadas espocam: 
somos noivo e noiva. 


Adélia Prado (Brasil)

27 de janeiro de 2015

70 ANOS DA LIBERTAÇÃO DE AUSCHWITZ-BIRKENAU 1945 - 2015




“ Primeiro vieram…” é um poema atribuído ao Pastor Martin Niemöller (1892–1984) sobre a inactividade dos intelectuais alemães depois da subida ao poder dos Nazis e da perseguição que se seguiu a determinados grupos que, uns após outros, foram alvo das suas actividades de limpeza: Comunistas, Judeus, Social-Democratas, Sindicalistas, Ciganos, Homossexuais, Testemunhas de Jeová e inclusivamente Católicos mas também outras muitas vozes incómodas ao regime, como foi o caso do Pastor alemão Martin Niemöller.

Inicialmente apoiante de Hitler, Niemöller veio, por volta de 1934, a opor-se totalmente ao Nazismo e graças às sua boas relações de amizade com influentes homens de negócios, conseguiu ser salvo da prisão até 1937, altura em que foi encarcerado, eventualmente, nos campos de concentração de Sachsenhausen e Dachau. O Pastor sobreviveu e depois da Segunda Guerra Mundial, tornou-se na principal voz de penitência e reconciliação do povo alemão. O seu poema é bastante conhecido e frequentemente citado tendo-se tornado num modelo popular para descrever os perigos de uma apatia política que, começando muitas vezes, com um alvo específico de medo e ódio, assume rapidamente proporções assustadoras e completamente fora de controlo.

O poema tem apresentado diversas variantes ao longo dos tempos. Apresento-vos uma versão que traduzi do inglês. Contudo, existe alguma controvérsia sobre a autoria do poema, para mim, no entanto é a importancia da sua mensagem.


PRIMEIRO VIERAM...

Primeiro vieram prender os judeus
E eu não levantei minha voz
Porque não era judeu.
Depois vieram prender os comunistas
E eu não levantei minha voz
Porque não era comunista.
Depois vieram prender os homossexuais
E eu não levantei minha voz
Porque noã era homossexual.
Depois vieram prender os sindicalistas
E eu não levantei minha voz
Porque não era sindicalista.
Depois vieram prender-me
E já não havia mais ninguém
Que levantasse a voz por mim.

Martin Niemoller (Alemanha)

(Tradução do inglês de Namibiano Ferreira)








NÃO TE ESQUEÇAS NUNCA



Não te esqueças nunca de Thasos nem de Egina
O pinhal a coluna a veemência divina
O templo o teatro o rolar de uma pinha
O ar cheirava a mel e a pedra a resina
Na estátua morava tua nudez marinha
Sob o sol azul e a veemência divina


 Não esqueças nunca Treblinka e Hiroshima
O horror o terror a suprema ignomínia



Sophia de Mello Breyner Andresen

26 de janeiro de 2015

ANÉIS DE CINZA


São minhas vozes cantando
para que não cantem eles,
os amordaçados cinzentos do alvorecer,
os vestidos de pássaro desolado na chuva.

Há, na espera,
um murmúrio liláceo rompendo-se.
E há, quando vem o dia,
uma divisão do sol em pequenos sóis negros.
E quando é noite, sempre,
uma tribo de palavras mutiladas
procura abrigo em minha garganta
para que eles não cantem,

os sombrios, os donos do silêncio.


Alejandra Pizarnik (Argentina)

20 de janeiro de 2015

PADRE PORTUGUÊS - JUSTO ENTRE AS NAÇÕES


















O padre português Joaquim Carreira foi vice-reitor e reitor do Colégio Pontifício Português entre 1940 e 1954. Foi nesse período durante a segunda guerra mundial que concedeu abrigo a hebreus. O monsenhor Joaquim Carreira ofereceu abrigo a várias pessoas perseguidas pelos nazis, incluindo três membros da família Cittone. No relatório da atividade do Colégio, o padre Carreira escreveu: “Concedi asilo e hospitalidade no colégio a pessoas que eram perseguidas na base de leis injustas e desumanas”.

Joaquim Carreira passa a ser o quarto português a ser declarado Justo. Além dele, já tinham sido declarados Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português em Bordéus que, desobedecendo às ordens de Salazar, atribuiu vistos a mais de 10 mil judeus que fugiam dos nazis; Carlos Sampayo Garrido, embaixador de Portugal na Hungria, que terá salvo uns mil judeus, atribuindo-lhes documentação portuguesa e colocando-os a salvo em casas da embaixada; e José Brito Mendes, operário português casado com uma francesa e residente em França, e que salvou uma menina, filha de judeus.

O ‘Yad Vashem’, Memorial do Holocausto de Jerusalém, decidiu agora outorgar-lhe o título de ‘Justo entre as Nações’. A declaração do Yad Vashem foi divulgada na quinta-feira dia 11 pelo blogue especializado em temática religiosa ‘Religionline’ num artigo assinado pelo jornalista António Marujo que aqui disponibilizamos:




Postagem retirada do blog: http://amigosdesousamendes.blogspot.co.uk/ 

14 de janeiro de 2015

O ÚLTIMO LIVRO DE GRAÇA PIRES




Eu te baptizo em nome do mar,
disse minha mãe com barcos na voz.
E as ondas enlearam nas águas o meu nome,
abrindo nas fendas do corpo um impulso
salgado que me brandiu o sangue.
Sei agora que há âncoras afogadas
nos meus olhos: nítido eco de todas as demandas.


********

Entre mim e o mar
ainda me causa espanto a madrugada.
Sempre diferente. Sempre idêntica.
Tons de mel, de romã,
de diamante, de milho seco.
Sopro de sal, de sangue, de limos.
E, por trás das dunas,
a respiração dos amantes
sobressaltando as aves.



Graça Pires, in "Espaço livre com barcos" 




Graça Pires (Figueira da Foz, 1946) editou o seu primeiro livro em 1990, depois de ter recebido o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro "Poemas". Depois disso publicou mais de uma dúzia de livros de poesia, muitos dos quais premiados. É licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Obras publicadas:

Poemas. Lisboa: Vega, 1990
Outono: lugar frágil. Fânzeres: Junta de Freguesia da Vila de Fânzeres, 1993
Ortografia do olhar. Lisboa: Éter, 1996
Conjugar afectos. Lisboa: Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, 1997
Labirintos. Murça: Câmara Municipal de Murça, 1997
Reino da Lua. Lisboa: Escritor, 2002
Uma certa forma de errância. Vila Nova de Gaia: Ausência, 2003
Quando as estevas entraram no poema. Sintra: Câmara Municipal, 2005
Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos. Ed. autor, 2007
Uma extensa mancha de sonhos. Fafe: Labirinto, 2008
O silêncio: lugar habitado. Fafe: Labirinto, 2009
A incidência da luz. Fafe: Labirinto, 2011
Uma vara de medir o sol. São Paulo: Intermeios, 2012
Poemas escolhidos: 1990-2011. Ed. Autor, 2012
Caderno de significados. Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2013

Prémios recebidos:

Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, com Poemas (1988)
Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, com Labirintos (1993)
Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres, com Outono: lugar frágil (1993)
Prémio Nacional de Poesia 25 de Abril, com Ortografia do olhar (1995)
Grande Prémio Literário do I Ciclo Cultural Bancário do SBSI, com Conjugar afectos (1996)
Concurso Nacional de Poesia Fernão Magalhães Gonçalves, com Labirintos (1997).
Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho, com Uma certa forma de errância (2003)
Prémio Literário de Sintra Oliva Guerra, com Quando as estevas entraram no poema (2004)