29 de julho de 2012

OLHOS MÍSTICOS

Místicos olhos percorrem
as ladeiras encrustadas
de limbos na minha alma.
São pérolas negras, veias, sedas
aveludadas de escarlate carmim.
E nos rosários de cordas formam-se
nós excêntricas obras,
talismãs de marfim, onde
as feras despidas de modas
amordaçam meu corpo,
a terra em trovas e resgatam
meu estro por fim.


Dinah Raphaellus (Portugal)

http://poesialilazcarmim.blogspot.co.uk/

28 de julho de 2012

Alucinação

 
 
 
choram os murilaondes

o sangue dos homens

vertido inutilmente…

a língua bifurcada

dos iniciados

é tocada

com o dente da serpente

e os tambores gemem

na profundeza verde-escura

da selva

a palavra maldita:

- cálua, cálua, cálua!!!

a lua,

mutunga brilhante

no olundongo

entoado pelas nuvens,

semeia sombras confusas

de comedores-de-almas

espalhando-se pela terra…

dos eumbos

elevam-se gritos de dor…

no mato,

as hienas dançam

ao som ritual

das mbulumbumbas

e os seus olhos

chispando fogo

são corações humanos

transformados em brasas…

(a floresta retorce-se toda

num esgar de sofrimento)

e, de longe,

no ribombar dos trovões,

os tambores gargalhantes

dos ngngas…

nos eumbos,

a seiva vermelha

alucinada

banha os olhos dos homens…

… o irmão mata o seu irmão!...



Jorge Arrimar (Angola)

4 de julho de 2012

Poema de Graça Magalhães

Flor do cajueiro



6.
 
Do lugar onde nasci
crescem flores de caju
prometem-se aos olhos
a caligrafia das paisagens
o movimento dos rios
a simples constelação das flores
em torno dos caules

São como traços de rubi os animais
satélites gráficos voadores
sobre ramos genuflexos
iluminando as noites mal fechadas

eu era pequena
trouxe a memória ocre das falésias
um rapaz ostra dentro do peito
as rosas de açafrão despindo as saias

Graça Magalhães, in A Geografia do Tempo, Palimage ed. (
Portugal)
 

12 de junho de 2012

ABANDONO

Poema de David Mourao-Ferreira, na voz de Amália Rodrigues. O poema fala do tempo em Portugal em que a liberdade de  pensamento e opiniao eram CRIME.







5 de junho de 2012

GENTE DE MULHER

Brevemente nas bancas, o mais recente livro do poeta angolano, Décio Bettencourt Mateus.






MEU POEMA ACORDA DORIDO!

                                                           À memória de Luzia Bettencourt M.,
                                                           minha mãe.

Manhã virgem manhã cedo
meu poema acorda dorido
manhãs frias
vai à igreja vai à missa
em pernas de pressa:
ó Senhor pão às minhas crias.

Meu poema sofre a madrugada
a espreitar a aurora
acarreta água ensonada
enche bidão enche tamborão
de olho na torneira
música sofrida no coração.

Dorme insónias na noite escura
acorda constrangido a praça
a vender gelados
compra esperança
recebe troco ternura
bem diz os kwanzas bem diz trocados.

Caminha um sol abrasador
preocupação no rosto
meu poema tem dor
a rusga a falar serviço militar
a rusga: kwata-kwata miúdos a passear
kwata-kwata miúdos, oh desgosto!

Meu poema desperta alvorecer
lava roupa amontoada no tanque
rebenta mãos de sofrer
vende gelo no Roque
e sofre filho fugidio emigrado
filho mwangolé exilado.

Meu poema dorme cansado
é pai mãe marido mulher...
cuida os miúdos
atende o marido
dorme dorido prazer
dorrme dorido sonho de trocados.

Meu poema dobra joelhos em manhãs frias:
ó Senhor pão às minhas crias!

Décio Bettencourt Mateus
in Gente de Mulher

Luanda, 10 de Agosto de 2006.

28 de maio de 2012

ARETHA FRANKLIN

Hoje, ninguém canta assim, com Alma e, sobretudo com VOZ. Aliás nao é preciso voz, a tecnologia arranja-te  uma boa, para teres sucesso no mundo musical, basta que tenhas "good lookings", um palminho de boa cara, vende discos que só visto... Como este Mundo mudou...





22 de maio de 2012

QUEDAS DE KALANDULA - ANGOLA

As Quedas de Kalandula, localizam-se na província de Malanje no rio Lucala, afluente do Kwanza. Distam cerca de 80 Km da cidade de Malanje, capital da província e 450 de Luanda. São belas e imponentes, as maiores de Angola e a segunda maior de África. As águas do Lucala, despenham-se num líquido algodão, de uma altura de 105 metros por 410 metros de largura. As Cataratas de Vitória, no rio Zambeze, (Mosi-Oa-Tunya, nome na língua local e que sigifica o fumo/bruma que troveja) têm só mais 3 metros de altura mas ganham em largura, têm quase 2 km.

Em Angola, no rio Lucala, a Kalandula, também é um fumo que troveja... na cor macia do algodão. 




Quedas de Kalandula, no rio Lucala, aluente do Kwanza, Província de Malanje, Angola.


KALANDULA


Fruto de Menha
– a Água –
beijo do ventre
doce de Ombera  
– a Chuva  –
verbo e trovão,
sonho de Nzambi
na cor macia
do algodão
Lucala a morrer
no fumo
Lucala a renascer
espuma
no prumo de água
a despejar
a crescer
sonho de Nzambi
rendas e plumas
feitiço de Kianda
preso no céu
choro d'Ombera
caindo líquida
no desprender
no ralhar
clamor do coração
caindo asa ndele
macio molhado
algodão
feito mesmo
só fumo da mutopa
de Ngana Zambi
água a batucar
rugido Lucala
rio nos lábios sagrados
a beijar
a prender
umbigo de Deus
Menha – a Água –
corpo sagrado d'Ombera
ligando céu e terra
no sangue algodão
Kalandula sagrada
a despejar
a trovejar
o mistério sagrado
dos heróis ancestrais
a velar
a guardar
a terra vermelha
no despejar
despreguiçoso
Kalandula-Menha
– a Água sagrada –
alma de Nzambi
a crescer força
no corpo verde
sangue incolor
alma de Kwanza,
rosto de Nação
veia a crescer
Mátria
Frátria
nos caminhos
Menha – a Água –
algodão macio
bandeira da paz
fumo da mutopa
de SukuNzambi
kandandu forte
a desconseguir
a guerra
a conseguir
a terra
só no crescer
Kalandula-mar
Cabinda-Kunene.


–Ewá! Ewá!
Kikale ngó!


Namibiano Ferreira

ALENTEJANOS DE PELE ESCURA

Este artigo foi retirado do blog A Matéria do Tempo http://amateriadotempo.blogspot.co.uk/2012/04/alentejanos-de-pele-escura.html com a devida permissao do seu autor (do blog e do texto). Devido a excelente qualidade do blog, aconselho todos, a visitá-lo.
No final do texto o autor diz: Vendo bem as coisas, qual é afinal o português que poderá garantir, com absoluta certeza, que não tem antepassados negros? 
Segundo os conhecimentos científicos actuais, a Genética afirma que toda a Humanidade, portanto todo o Homo sapiens sapiens descende e provém de África. Somos todos africanos na profundeza cromossomática dos nossos génes, ahahahah rio-me dos racistas!!!!





Assinalada no mapa, a região da Ribeira do Sado (clicar na imagem para ampliar)

Ribeira do Sado,
Ó Sado, Sadeta.
Meus olhos não viram
Tanta gente preta.

Quem quiser ver moças
Da cor do carvão
Vá dar um passeio
Até São Romão.


(do cancioneiro popular de Alcácer do Sal)

Ribeira do Sado é o nome de uma região que se estende ao longo do vale do Rio Sado, no sul de Portugal, a partir de Alcácer do Sal e para montante, não longe de Grândola, a Vila Morena. São Romão do Sado é uma das aldeias existentes na referida região.

Quem agora for passear pela Ribeira do Sado, já não verá gente completamente preta diante dos seus olhos, nem na aldeia de São Romão encontrará moças da cor do carvão propriamente dita. A mestiçagem já se consumou por completo. Mas são por demais evidentes os traços fisionómicos observáveis em muitos dos habitantes da região, assim como a cor mais escura da sua pele, que nos remetem imediatamente para a África a Sul do Sahara.

Nem sequer é preciso percorrer a Ribeira do Sado. Se nos limitarmos a dar uma ou duas voltas pelas ruas de Alcácer do Sal, por certo nos cruzaremos com uma ou mais pessoas que apresentam as características físicas referidas. São os chamadosmulatos de Alcácer, por vezes designados também carapinhas do Sado.

O seu aspeto é semelhante ao de muitos cabo-verdianos, mas não possuem quaisquer laços com as ilhas crioulas. São portugueses, filhos de portugueses, netos de portugueses, bisnetos de portugueses e assim sucessivamente. Quando falam, fazem-no com a característica pronúncia local. São alentejanos.

É frequente atribuir-se ao Marquês de Pombal a iniciativa de promover a fixação de populações negras no vale do Rio Sado. Mas não é verdade. Existem registos paroquiais e do Santo Ofício que referem a existência de uma elevada percentagem de negros e de mestiços em épocas muito anteriores a Pombal. Segundo tais registos, já no séc. XVI havia pessoas de cor negra vivendo nas terras de Alcácer.

No troço chamado Ribeira do Sado, o vale do Rio Sado é bastante alagadiço e nele se cultiva arroz. Até há menos de cem anos, havia muitos casos de paludismo neste troço. A mortalidade causada pelas febres palustres fazia com que as pessoas evitassem fixar-se na região. Além disso, no séc. XVI, muitos portugueses embarcaram nas naus que demandaram outras terras e outras riquezas, o que agravou ainda mais o défice demográfico. Terá sido esta a razão por que, naquela época, os proprietários das férteis terras banhadas pelo Sado terão resolvido povoá-las com negros, comprados nos mercados de escravos. Os mulatos do Sado dos nossos dias são, portanto, descendentes desses antigos escravos negros.

A comprovar a antiguidade do povoamento negro no vale do Sado está o facto de que os atuais mulatos não possuem quaisquer manifestações culturais distintas das dos seus outros conterrâneos, sejam essas manifestações de raiz africana ou outra. Com a passagem dos anos e dos séculos, os costumes, as crenças e as tradições dos antigos escravos negros dissolveram-se por completo na cultura local de raiz europeia e mourisca, integrando-se nela. Também do ponto de vista cultural, portanto, os mulatos de Alcácer são alentejanos legítimos, tão legítimos como os restantes.

Há uma outra região em Portugal onde ocorreu uma fixação de populações negras em número significativo. É o vale do Rio Sorraia, onde fica a vila de Coruche, já em terras do Ribatejo. Tal como no vale do Rio Sado, também no vale do Sorraia havia muito paludismo. As razões para se ter feito com negros o povoamento desta outra região terão sido, por isso, as mesmas. Mas, ao contrário do que acontece em Alcácer do Sal, dificilmente vislumbraremos traços africanos entre os atuais habitantes de Coruche. Os genes "negros" estão presentes em muitos coruchenses, mas não são facilmente observáveis à vista desarmada.

Tal como no vale do Sado, também no vale do Rio Sorraia se cultiva muito arroz. Por isso, quando comermos arroz português, estaremos a comer arroz que pode muito bem ter sido cultivado por honrados compatriotas nossos que são descendentes de negros.

Vendo bem as coisas, qual é afinal o português que poderá garantir, com absoluta certeza, que não tem antepassados negros?

Fernando Ribeiro (Portugal)


19 de maio de 2012

NOAH STEWART - HALLELUJAH

 Site oficial de Noah Stewart   http://www.noahofficial.com/

CD de Noah Stewart número 1 no top britanico de música clássica.



24 de abril de 2012

Lição Sobre a Água


John Everett Millais - Ophelia



Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

António Gedeão (Portugal)

16 de abril de 2012

Adriano Correia de Oliveira 1942 - 1982

 1942 - 1982 
70 anos do seu nascimento - 30 anos da sua morte

6 de abril de 2012

POEMA DE DAMBUDZO MARECHERA

Dambudzo Marechera, o enfant terrible da literatura africana. Comparado por muitos a James Joyce e Henry Miller.



Um farrapo de identidade

Quando é que esta lua se descasca dos meus poemas?!
Esta zona de penumbra que vai da escola inglesa
À minha voz de barata?
A formiga empoleirada no grão de areia
Pouco se apercebe do meu titânico dilema de artista
E só tem olhos para o pé que ergo.
A abelha na sua errância doce peganhenta, se me avista
Dispara uma tangente zumbindo o seu escárnio.
A madrugadora andorinha, no seu voo seco,
Mal dispensa um olhar instantâneo às minhas penas.
O varredor dá de ombros, atira o fardo concreto
Para o camião dos salários e dos preços em alta;
O aprendiz da fábrica fecha o macacão
E aguarda o Chamamento – sirene da fábrica;
O carteiro pedala a sua ronda; o soldado
Beija a namorada e corre a cumprir ordens.
Todos parecem conhecer seus eus
Mas eu como um louco insisto em decifrar
As marcas num farrapo de papel em branco
As marcas que vão ser o poema atrás deste poema.

Dambudzo Marechera (Zimbabwe) (1952-1987),
(Tradução: José Pinto de Sá)
Créditos: Associação Buala

23 de março de 2012

IDENTIDADE





Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto (Moçambique)

22 de março de 2012

RUY DUARTE DE CARVALHO - POEMA

 

A terra que te ofereço





I

quando,

ansiosa,

pela primeira vez

pisares

a terra que te ofereço,

estarei presente

para auscultar,

no ar,

a viração suave do encontro

da lua que transportas

com a sólida

e materna nudez do horizonte.



quando,

ansioso,

te vir a caminhar

no chão da minha oferta,

coloco,

brandamente,

em tuas mãos,

uma quinda de mel

colhido em tardes quentes

de irreversível

votação ao sul.



II

trago

para ti

em cada mão

aberta,

os frutos mais recentes

deste outono

que te ofereço verde:

o mês mais farto de óleos

e ternura avulsa.

e dou-te a mão

para que possas

ver,

mais confiante,

a vastidão

sonora

de uma aurora

elaborada em espera

e reflectida

na rápida torrente

que se mede em cor.



III

num mapa

desdobrado para ti,

eu marcarei

as rotas

que sei já

e quero dar-te:

o deslizar de um gesto,

a esteira fumegante

de um archote

aceso,

um tracejar

vermelho

de pés nus,

um corredor aberto

na savana,

um navegável mar de plasma

quente.



Ruy Duarte de Carvalho (Angola)

21 de março de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA - 21/03/2012



Para além da Poesia


Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas dos embondeiros
de braços erguidos
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas


Poesia africana


Na estrada
A fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha de olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó-de –arrroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa


No céu o reflexo do fogo
e as silhuetas dos homens negros batucando
de braços erguidos
No ar a melodia quente das marinbas


Poesia africana


E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem das marinbas


os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.


Agostinho Neto (Angola)

5 de março de 2012

POEMA DE AIRES DE ALMEIDA SANTOS (ANGOLA)



Estória que o vento trouxe
ouves?
não ouves
o que o vento, lá fora,
está a contar
às buganvílias?
há mais de uma hora
que o estou a escutar.

ouviste
o que disse agora?
e que triste
que ele está...

diz ele
que o manuel
há quase dois dias
que anda no mar;
e a ximinha,
coitada,
desolada,
sentada
na praia
a chorar
e a rezar
e a esperar...

quando ele largou
no "bom dia"
o mar era um lago
e parecia
de azeite...
mas, depois
cresceu,
enraiveceu
numa calema tremenda
e toda a praia da tenda
tremeu.

partiram-se as armações,
viraram-se as embarcações
e toda a gente se escondeu,
assustada

só a ximinha,
coitada,
ficou sentada
na praia
a chorar
e a rezar
e a esperar...

hoje de manhã
já a calema amainara
e não se vira ainda
o "bom dia"
a entrar
pra fundear
na baía...

Aires de Almeida Santos (Angola)

14 de fevereiro de 2012

THE DRAKENSBERG BOYS CHOIR - SHOSHOLOZA




Shosholoza 
Kule ... Zontaba 
Stimela siphume South Africa 

Wen'uyabaleka 
Wen'uyabaleka 
Kule ... Zontaba 
Stimela siphume South Africa 

Shosholoza 
Kule ... Zontaba 
Stimela siphume South Africa 

Wen'uyabaleka 
Wen'uyabaleka 
Kule ... Zontaba 
Stimela siphume South Africa




8 de fevereiro de 2012

AMANHECER



Há um sussuro morno
sobre a terra;
degladiam-se
luz e trevas
pela posse do Universo;
sente-se a existência
a penetrar-nos nas veias
vinda lá de fora
através da janela;

cresce a alegria na alma
a Vida murmura-nos doces fantasias.

Tangem sinos na madrugada
vai nascer o sol.

Agostinho Neto (Angola)

29 de janeiro de 2012

SE HOUVESSE DEGRAUS NA TERRA...



Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã

Herberto Helder - Portugal

25 de janeiro de 2012

RAIN BY EDWARD THOMAS

Edward Thomas


Rain

Rain, midnight rain, nothing but the wild rain
On this bleak hut, and solitude, and me
Remembering again that I shall die
And neither hear the rain nor give it thanks
For washing me cleaner than I have been
Since I was born into this solitude.
Blessed are the dead that the rain rains upon:
But here I pray that none whom once I loved
Is dying to-night or lying still awake
Solitary, listening to the rain,
Either in pain or thus in sympathy
Helpless among the living and the dead,
Like a cold water among broken reeds,
Myriads of broken reeds all still and stiff,
Like me who have no love which this wild rain
Has not dissolved except the love of death,
If love it be towards what is perfect and
Cannot, the tempest tells me, disappoint.

Edward Thomas (Inglaterra)

24 de janeiro de 2012

RIMBAUD - Tête de Faune

Artur Rimbaud

Dans la feuillée, écrin vert taché d'or,
Dans la feuillée incertaine et fleurie
De splendides fleurs où le baiser dort,
Vif et crevant l'exquise broderie,

Un faune égaré montre ses deux yeux
Et mord les fleurs rouges de ses dents blanches.
Brunie et sanglante ainsi qu'un vin vieux,
Sa lévre éclate en rires sous les branches.

Et quand il a fui - tel qu'un écureuil, -
Son rire tremble encore à chaque feuille,
Et l'on voit épeuré par un bouvreuil
Le Baiser d'or du Bois, qui se recueille.


Arthur Rimbaud (1854-1891) France

12 de janeiro de 2012

GEORGES MOUSTAKI - LE METEQUE (O ESTRANGEIRO)





Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents


Avec mes yeux tout délavés
Qui me donnent l'air de rêver
Moi qui ne rêve plus souvent


Avec mes mains de maraudeur
De musicien et de rôdeur
Qui ont pillé tant de jardins


Avec ma bouche qui a bu
Qui a embrassé et mordu
Sans jamais assouvir sa faim


Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec
De voleur et de vagabond


Avec ma peau qui s'est frottée
Au soleil de tous les étés
Et tout ce qui portait jupon


Avec mon cœur qui a su faire
Souffrir autant qu'il a souffert
Sans pour cela faire d'histoires


Avec mon âme qui n'a plus
La moindre chance de salut
Pour éviter le purgatoire


Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents


Je viendrai, ma douce captive
Mon âme sœur, ma source vive
Je viendrai boire tes vingt ans


Et je serai prince de sang
Rêveur ou bien adolescent
Comme il te plaira de choisir


Et nous ferons de chaque jour
Toute une éternité d'amour
Que nous vivrons à en mourir


Et nous ferons de chaque jour
Toute une éternité d'amour
Que nous vivrons à en mourir

10 de janeiro de 2012

RETRATO - POEMA DE CECÍLIA MEIRELES








RETRATO


Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-- em que espelho ficou perdida
a minha face?




Cecília  Meireles (Brasil)

POEMA DE ALDA LARA, NA VOZ DE PAULO DE CARVALHO




PRELÚDIO


Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...


By Alda Lara (1930 - 1962) - Angola

1 de janeiro de 2012

AGOTINHO DA SILVA - A ESCOLA -



A Escola

Não podemos negar que a escola não deu aos seus alunos todas as possibilidades que lhes devia dar, desprezou os mal dotados, obrigou-os a actos ou tarefas que lhes depuseram na alma as primeiras sementes do despeito ou da revolta, lhes deu, pelo quase exclusivo cuidado que votou ao saber, deixando na sombra o que é o mais importante — formação do carácter e desenvolvimento da inteligência —, todas as condições para virem a ser o que são agora; se não saíram da escola com amor à escola, a culpa não é deles, mas da escola. Acresce ainda que, lançados na vida, a escola nunca mais procurou atraí-los, nunca mais foi ao encontro dos seus antigos alunos, para lhes aumentar a cultura, os informar e esclarecer sobre novas orientações de espírito, para lhes pedir a sua colaboração, o seu interesse na educação das gerações mais moças. Houve um corte de relações, quando a sua manutenção poderia ainda de algum modo apagar as más lembranças que os alunos levavam. Que admira que sintamos agora à nossa volta paixão e rancor? Tivemo-los nas nossas mãos e não fizemos por eles tudo quanto podíamos, mesmo com as possibilidades económicas e pedagógicas de que nos cercara o meio; em nós temos de reconhecer o principal defeito; por consequência, também em nós a principal causa do ataque.

Agostinho da Silva, in 'Glossas'