5 de junho de 2012

GENTE DE MULHER

Brevemente nas bancas, o mais recente livro do poeta angolano, Décio Bettencourt Mateus.






MEU POEMA ACORDA DORIDO!

                                                           À memória de Luzia Bettencourt M.,
                                                           minha mãe.

Manhã virgem manhã cedo
meu poema acorda dorido
manhãs frias
vai à igreja vai à missa
em pernas de pressa:
ó Senhor pão às minhas crias.

Meu poema sofre a madrugada
a espreitar a aurora
acarreta água ensonada
enche bidão enche tamborão
de olho na torneira
música sofrida no coração.

Dorme insónias na noite escura
acorda constrangido a praça
a vender gelados
compra esperança
recebe troco ternura
bem diz os kwanzas bem diz trocados.

Caminha um sol abrasador
preocupação no rosto
meu poema tem dor
a rusga a falar serviço militar
a rusga: kwata-kwata miúdos a passear
kwata-kwata miúdos, oh desgosto!

Meu poema desperta alvorecer
lava roupa amontoada no tanque
rebenta mãos de sofrer
vende gelo no Roque
e sofre filho fugidio emigrado
filho mwangolé exilado.

Meu poema dorme cansado
é pai mãe marido mulher...
cuida os miúdos
atende o marido
dorme dorido prazer
dorrme dorido sonho de trocados.

Meu poema dobra joelhos em manhãs frias:
ó Senhor pão às minhas crias!

Décio Bettencourt Mateus
in Gente de Mulher

Luanda, 10 de Agosto de 2006.

Um comentário:

DECIO BETTENCOURT MATEUS disse...

Mano, obrigado. Um kandandu.