26 de dezembro de 2014

AFROINSULARIDADE



Deixaram nas ilhas um legado
de híbridas palavras e tétricas plantações

engenhos enferrujados proas sem alento
nomes sonoros aristocráticos
e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras

Aqui aportaram vindos do Norte
por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e infantes judeus
tão tenros que feneceram
como espigas queimadas

Nas naus trouxeram
bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um padrão de pedra pálido como o trigo
e outras cargas sem sonhos nem raízes
porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso
todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas

E nas roças ficaram pegadas vivas
como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um
escravo morto.

E nas ilhas ficaram
incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento e tal igrejas e capelas
para mil quilómetros quadrados
e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E ficou a cadência palaciana da ússua
o aroma do alho e do zêtê d'óchi
no tempi e na ubaga téla
e no calulu o louro misturado ao óleo de palma
e o perfume do alecrim
e do mlajincon nos quintais dos luchans

E aos relógios insulares se fundiram
os espectros — ferramentas do império
numa estrutura de ambíguas claridades
e seculares condimentos
santos padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos baratos e auroras partilhadas

Às vezes penso em suas lívidas ossadas
seus cabelos podres na orla do mar
Aqui, neste fragmento de África
onde, virado para o Sul,
um verbo amanhece alto
como uma dolorosa bandeira.


Conceição Lima (S. Tomé e Príncipe)


               De O Útero da Casa (2004)

23 de dezembro de 2014

EM MEMÓRIA DE CHICO MENDES


Chegam notícias do Brasil, o Chico
Mendes foi assassinado, a morte
enrola-se agora nos primeiros frios,
nem sequer a tristeza tem sentido,
a bola continua em órbita, um dia
estoira, o universo ficará mais limpo. 


Eugénio de Andrade (Portugal)

20 de dezembro de 2014

POEMA PARA A QUADRA NATALÍCIA 3: BENJAMIN ZEPHANIA - THE BRITISH




















The British

Take some Picts, Celts and Silures
And let them settle,
Then overrun them with Roman conquerors.

Remove the Romans after approximately 400 years
Add lots of Norman French to some
Angles, Saxons, Jutes and Vikings, then stir vigorously.
Mix some hot Chileans, cool Jamaicans, Dominicans,
Trinidadians and Bajans with some Ethiopians, Chinese,
Vietnamese and Sudanese.

Then take a blend of Somalians, Sri Lankans, Nigerians
And Pakistanis,
Combine with some Guyanese
And turn up the heat.

Sprinkle some fresh Indians, Malaysians, Bosnians,
Iraqis and Bangladeshis together with some
Afghans, Spanish, Turkish, Kurdish, Japanese
And Palestinians
Then add to the melting pot.

Leave the ingredients to simmer.

As they mix and blend allow their languages to flourish
Binding them together with English.

Allow time to be cool.

Add some unity, understanding, and respect for the future,
Serve with justice
And enjoy.

Note: All the ingredients are equally important. Treating one ingredient better than another will leave a bitter unpleasant taste.

Warning: An unequal spread of justice will damage the people and cause pain. Give justice and equality to all.



Benjamin Zephaniah (Inglaterra)

19 de dezembro de 2014

POEMA PARA A QUADRA NATALÍCIA 2: GRAÇA PIRES - SOMENTE POERQUE É NATAL

     

Somente porque é Natal


     ele veio nascer à minha porta
     como se fora eu a sua mãe.
     É de linho o pano que cobre
     meus braços,levemente
     encurvados, para neles caber
     o berço de embalar
     o menino sem presépio.
     A pausa do vento
     a preparar a neve
     lembra-me  o desamparo
     de outras crianças, tantas,
     a quem a fome quebranta o choro.
     E digo: venham habitar
     para sempre o meu poema
     como se fossem meus filhos.


    

     Graça Pires (Portugal)

18 de dezembro de 2014

POEMA PARA A QUADRA NATALÍCIA 1: ADRIAN MITCHELL - SERES HUMANOS



SERES HUMANOS


olha para as tuas mãos
         bonitas e úteis as tuas mãos
                 não és um macaco
         não és um papagaio
         não és um paulatino lóris
                  nem um míssil inteligente
tu és humano

          não britânico
não americano
               não israelita
não palestiniano
tu és humano

não católico
não protestante
    não muçulmano
     não hindu
tu és humano

   todos começamos humanos
e acabamos humanos
       humanos no princípio
       humanos no fim
 somos humanos
ou não somos nada

nada senão bombas
e gás venenoso
nada senão armas
e torturadores
nada senão escravos
      da Ganância e da Guerra
     se não formos humanos

olha para o teu corpo
com os seus assombrosos sistemas
    de redes de nervos e canais de sangue
      pensa na tua mente
               que pode pensar em si própria
e em todo o universo

olha para o teu rosto
que pode tolher-se de pavor
   ou derreter-se de amor
olha para toda essa vida
     toda essa beleza
tu és humano
eles são humanos
    nós somos humanos
vamos tentar ser humanos

dançar!


                                                                            (Tradução de Ana Maria Chaves) 



HUMAN BEINGS 


look at your hands
  your beautiful useful hands
       you're not an ape
    you're not a parrot
  you're not a slow loris
    or a smart missile
       you're human
    
       not british
    not american
      not israeli
  not palestinian
    you're human

     not catholic
  not protestant
    not muslim
       not hindu
  you're human

  we all start human
    we end up human
       human first
          human last
      we're human
    or we're nothing

  nothing but bombs
     and poison gas
  nothing but guns
     and torturers
  nothing but slaves
  of Greed and War
  if we're not human

           look at your body
  with its amazing systems
  of nerve-wires and blood canals
     think about your mind
   which can think about itself
  and the whole universe

           look at your face
   which can freeze into horror
           or melt into love
     look at all that life
           all that beauty
           you're human
     they are human
     we are human
  let's try to be human


         dance!

Adrian Mitchell (Inglaterra) 

12 de dezembro de 2014

EMILY DICKINSON


Ter Medo? De quem terei?
Não da Morte – quem é ela?
O Porteiro de meu Pai
Igualmente me atropela.

Da Vida? Seria cómico
Temer coisa que me inclui
Em uma ou mais existências -
Conforme Deus estatui.

De ressuscitar? O Oriente
Tem medo do Madrugar
Com sua fronte subtil?

Mais me valera abdicar!

Emily Dickinson


(Tradução Jorge de Senna)

IMPRESSIONIOSTA


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.



 Adélia Prado  (Brasil)

10 de dezembro de 2014

SEJA ASSIM O POEMA



This Be The Verse

They fuck you up, your mum and dad.  
    They may not mean to, but they do.  
They fill you with the faults they had
    And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
    By fools in old-style hats and coats,  
Who half the time were soppy-stern
    And half at one another’s throats.

Man hands on misery to man.
    It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
    And don’t have any kids yourself.



Seja Assim o Poema

Fodem-te a vida, o papá e a mamã,
Mesmo que não seja essa a intenção.
Deixam-te todos os vícios que tenham
E mais dois ou três, por especial atenção.

Mas no tempo deles também foram fodidos
Por tolos trajando jaquetão e coco.
Que quando não estavam piegas ou hirtos
Saltavam, raivosos, à veia, ao pescoço.

E assim é legada a infelicidade,
Vai mais e mais fundo, como o fundo do mar.
Foge mal tenhas oportunidade
E quanto a teres filhos – isso nem pensar.

Philip Larkin (Reino Unido)


(Tradução de Rui Carvalho Homem)