30 de setembro de 2008

O ÚLTIMO POEMA


Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manoel Bandeira (Brasil)

POESIA DE JOÃO TALA



BIOGRAFIA:
João Tala nasceu em Malanje a 19 de Dezembro de 1959. É médico exercendo a profissão como interno em alguns hospitais de Luanda. Iniciou a sua actividade literária na cidade do Huambo, onde cumpria o serviço militar e foi co-fundador da Brigada Jovem de Literatura. Apesar de ter frequentado círculos literários daquela cidade, de que despontaram ainda na década de 80 importantes nomes da novíssima poesia angolana como João Maimona, o seu primeiro livro de poesia sai a público apenas em 1997. Arrebatou o prémio Primeiro Livro da União dos Escritores em 1997 e o promeiro lugar dos Jogos Florais do Caxinde em 1999.Parecendo justificar o respeito que nutre pela poesia, o seu livro de estreia é, apesar dos cerca de 15 poemas, uma auspiciosa contribuição para a renovação e diversidade do discurso poético angolano. O segundo livro voltou a merecer um acolhimento encomiástico da parte de José Luís Mendonça, outro expoente da sua geração, que o considera como uma vocação poética a irromper no universo das letras angolanas com soberania inerente aos grandes criadores.
BIBLIOGRAFIA:
A Forma dos Desejos (1997),
O Gasto da Semente (2000),
A Forma dos Desejos II (2003)
A Vitória é uma Ilusão de Filósofos e de Loucos (2005),
Os Dias e os Tumultos (2004) contos.

É membro da União dos Escritores Angolanos.
POEMAS DE JOAO TALA:TONTURA
Ainda apagam pálpebras de volta à tontura
ainda o sentimento da nossa longa história
a ruína vai da notícia à revolução

palavras mortas nunca mais preenchidas
os rios demorados no sintoma dos países
e tudo passa e o poema indaga
o dia que acontece como uma ruína.


OBITUÁRIO
Onde ouvidos repetem pequenas ruínas
sobra o revólver sobre dias túmidos
para decretar morte é como ninguém
para aumentar áfricas laboratoriais e
o latifúndio;

depois dá um tiro na cabeça da história
tal como tropeça no meu palavrão
sem nada para acrescentar à morte
sem nada para contar à vida
sem ser nunca o nome da multidão.




PSIQUIATRIA (I)

Reverbero de minha esquizofrenia
dias de mim cuidados
atravessei o Hospital Psiquiátrico
ninguém mais mora lá;
os doutores partiram quando o tempo
[envelheceu


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e o princípio pariu o fim – uma estrada
onde passo com o livro descuidado,
sem brio, um tratado de loucura.
É o tempo abordado e paginado
com o sangue na caneta;
o tema das cicatrizes que não foram
[encontradas
porque a enfermeira as escondeu
quando forjava a própria madrugada


Joao Tala (Angola)
(Nota: tela de Eleutério Sanches)

MARQUESA DE ALORNA (1750 - 1839)



Marquesa de Alorna, a 4ª desse título, nome de baptismo de Leonor de Almeida Lorena e Lencastre. Escritora, nasceu em Lisboa durante o reinado do rei D. José. Neta dos marqueses de Távora, e filha de D. João de Almeida Portugal, 2º marquês de Alorna e 4º conde de Assumar e de Dª Maria de Lorena, filha dos marqueses de Távora, suspeitos do atentado ao rei. Dos presumíveis implicados uns foram executados e Leonor, com a mãe e irmã encarceradas no convento de S. Félix em Chelas. Foi aqui que, desde pequena, a futura marquesa começou a ler e a instruir-se não desprezando a leitura de Bossuet, Fénelon, Boileau, Corneille e Racine, bem como Voltaire, d'Alembert, Diderot e o inglês Locke. Começou cedo a escrever poesia. Teve como mestre de latim Filinto Elísio (padre Francisco Manuel do Nascimento) e aprendeu Filosofia e Ciências Naturais. Tomou, como era uso no tempo, o nome literário de Alcipe. Leonor de Almeida Portugal saiu da prisão quando subiu ao trono D. Maria I. Tinha então vinte anos. Casou, em 1779 com o conde de Oeynhausen e em 1780 foram viver para a Viena de Áustria. Enviuvou, com 43 anos, em 1793 e ficou com seis filhos pequenos para cuidar. Regressou a Portugal e foi perseguida por Pina Manique, dadas as suas ideias liberais. Exilou-se em Londres entre 1804 e 1814. Foi escrevendo poemas que acompanhavam as angustiosas mudanças políticas no país, desde as invasões francesas à partida da família real para o Brasil. Esteve contra Napoleão o que não aconteceu com muitos fidalgos portugueses, incluindo a filha que foi amante de Junot. Herdou o título de marquesa, pela morte do irmão. D. Leonor de Almeida deixou seis volumes de "Obras Poéticas" com temas diversos, sendo de referir a importância das cartas particulares. Foi também tradutora de Lamartine, Pope, Ossian, Goldsmith, Young, entre outros. Alexandre Herculano fez-lhe o elogio fúnebre, considerando-a a "madame de Staël portuguesa."




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1-

Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.


2-

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.


3-

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza.
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!

Marquesa de Alorna (Portugal)

29 de setembro de 2008

ME RECONSTRUINDO

Máscara Tchokwé (Mwana Pwó)





Onde ontem me torturavam
renascem as pálpebras demolidas
posso ver pedras que baralham pedras

posso ver a cor de todas as pálpebras
alçadas do escombro
ou como eram trémulas mãos
adejando outras pálpebras,

escombro de mim pedra numerosa
me levanto e reconstruo
o que a mão tem dentro de mim;
encho as pálpebras é porque choro
se choro refaço o sonho, é verdade.
Verdade acumulada de todos meus dias.




João Tala (Angola), nasceu em 1959, em Malanje, é médico.
É membro-fundador da Brigada Jovem de Literatura Alda Lara, de Huambo.

28 de setembro de 2008

PICASSO

As meninas de Avignon

Picasso

A pintura nunca é prosa. É poesia que se escreve com versos de rima plástica

Picasso

VERGONHA DA HUMANIDADE

Supondo verdadeira a ideia, na qual hoje muitos crêem como se fosse «a verdade», de que o sentido de toda a cultura é precisamente fazer da fera-«homem» um animal manso e civilizado, um animal doméstico, então seria indubitavelmente necessário considerar que os verdadeiros instrumentos da cultura teriam sido todos aqueles instintos de reacção e ressentimento que serviram afinal para humilhar e derrotar as aristocracias e os respectivos ideais... O que, aliás, não significaria ainda que os portadores desses instrumentos fossem simultaneamente os representantes da cultura... O contrário não me parece apenas ser mais provável... Não! O contrário é hoje evidente! Os portadores dos instintos de rebaixamento e de desforra, os descendentes de todos os escravos europeus e não europeus, em especial as populações pré-arianas, esses representam o recuo da humanidade! Os ditos «instrumentos da cultura» são uma vergonha da humanidade e acabam por se tornar um motivo de desconfiança, um argumento contra a «cultura». Pode haver boas razões para se continuar a temer a besta loira que habita no fundo de todas as raças aristocráticas e para se tomarem precauções... Mas haverá quem não prefira cem vezes mais temer e ao mesmo tempo poder admirar, do que não temer e ao mesmo tempo não poder ver-se livre do espectáculo nauseabundo imposto pelos falhados, pelos diminuídos, pelos atrofiados, pelos envenenados? E não será esta a nossa fatalidade? que coisa provoca esta nossa aversão pelo «homem»?... Porque, disso não há dúvida, o homem tornou-se para nós motivo de sofrimento... Não é o temor. Pelo contrário, é o facto de já nada termos a temer no homem, o facto de o verme-«homem» fervilhar à nossa frente, com o maior destaque, o facto de o «homem manso», irremediavelmente medíocre e insuportável, já ter aprendido a achar que é ele o «homem superior», o objectivo, a coroação e o sentido da história...


in Para a Genealogia da Moral, Friedrich Nietzsche

26 de setembro de 2008

SAUDADE




Por quem choras?
Por quem rogas teus terços?


Oh, sentimento ingrato…
Oh, saudade de um destino!

Porque me levas?
Porque quem me tomas?
Porque fazes de mim um capricho?

Se ao menos tivesses pena de mim!
Se ao menos soubesses que eu existo…
Se ao menos me deixasses sentir-te…!

Mas…

Tu extravasas a minha ALMA,
Com o teu cheiro tão português…
Tenho hoje, tal como outrora

Saudades de sentir saudade!








Sandra Amaro (Portugal)



http://poesia-de-gaveta.blogspot.com/


22 de setembro de 2008

SE DESTE OUTONO



Se deste outono uma folha,
apenas uma, se desprendesse
da sua cabeleira ruiva,
sonolenta,
e sobre ela a mão
com o azul do ar escrevesse
um nome, somente um nome,
seria o mais aéreo
de quantos tem a terra,
a terra quente e tão avara
de alegria.

Eugénio de Andrade (Portugal)

21 de setembro de 2008

NAO CESSO DE ME CRIAR



Não cesso de me criar; sou o doador e a doação. Se meu pai vivesse, eu conheceria os meus direitos e os meus deveres; ele está morto e eu ignoro-os: não tenho direitos, pois o amor sacia-me; não tenho deveres, pois dou por amor. Um só mandato: agradar, tudo para fazer vista. Na nossa família, que dissipação de generosidade: meu avô faz-me viver e eu faço-lhe a felicidade; minha mãe dedica-se a todos. Quando penso nisso, hoje, só esta dedicação me parece verdadeira: mas nós tínhamos tendência para nos calarmos a esse respeito. Não interessa: a nossa vida é apenas uma série de cerimónias e esgotámos o tempo a prodigalizar-nos homenagens. Eu respeito os adultos com a condição de que me idolatrem; sou franco, aberto, doce como uma menina. Penso bem, inspiro confiança às pessoas: todos são bons, pois que todos estão contentes. Considero a sociedade uma rigorosa hierarquia de méritos e poderes. Os que ocupam o topo da escala dão tudo quanto possuem aos que se encontram abaixo. Não penso, no entanto, em situar-me no mais alto escalão: não ignoro que o reservam a pessoas severas e bem intencionadas que fazem reinar a ordem. Mantenho-me num pequeno poleiro marginal, não longe delas, e a minha radiação alastra de alto a baixo da escala. Em suma, faço todos os esforços para me afastar do poder secular: nem abaixo, nem acima, sim alhures. Neto de clerc*, sou, desde a infância, um clerc: tenho a unção dos príncipes da Igreja, uma jovialidade sacerdotal. Trato os inferiores como iguais: é uma piedosa mentira que lhes prego a fim de torná-los felizes e com a qual convém que sejam enganados até certo ponto. À minha empregada, ao carteiro, à minha cadela, falo com voz paciente e temperada. Neste mundo em ordem existem pobres. Existem também carneiros de cinco patas, irmãs siamesas, acidentes de caminhos de ferro: tais anomalias não são culpa de ninguém. Os bons pobres não sabem que a sua função é exercitar a nossa generosidade; são pobres envergonhados, passam rentes às paredes; saio a correr, passo-lhes rapidamente uma moeda de dois soldos e, acima de tudo, dou-lhes de presente um belo sorriso igualitário. Acho que têm um ar estúpido e não gosto de tocá-los, mas forço-me a fazê-lo: é uma provação; além disso, cumpre que gostem de mim; esse amor embelezar-lhes-á a vida. Sei que carecem do necessário e apraz-me ser-lhes o supérfluo. Aliás, qualquer que seja a sua miséria, jamais poderão sofrer tanto como o meu avô: quando era pequeno, acordava de madrugada e vestia-se no escuro; no Inverno, para se lavar, precisava de quebrar o gelo na bilha da água. Felizmente, as coisas depois melhoraram: meu avô crê no Progresso, eu também: o Progresso, esse longo e árduo caminho que leva até mim.


* Usado com o duplo sentido de letrado e clérigo


in As Palavras, Jean-Paul Sartre (Franca)


ALEXANDRE O'NEILL - DOIS POEMAS


BIOGRAFIA:

Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões (1924-1986) nasceu e faleceu em Lisboa. Dedicou-se à publicidade e desde cedo se juntou às primeiras manifestações do Surrealismo em Portugal. Publica em 1948, e dentro desta corrente, o volume de colagens A Ampola Miraculosa, integrado na colecção dos Cadernos Surrealistas. Afasta-se do grupo surrealista e colabora nos Cadernos de Poesia. Obras: No Reino da Dinamarca (1958), Abandono Vigiado (1960), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), De Ombro na Ombreira (1969), As Andorinhas não têm Restaurante (1970), Entre a Cortina e a Vidraça (1972), A Saca de Orelhas (1979), Uma Coisa em Forma de Assim (1980), As Horas já de Números Vestidas (1981).



Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


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Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!



Alexandre O'Neill (Portugal)

A MORTE DOS AMANTES

René Magritte - Os Amantes

A Morte dos Amantes

Vamos ter lençóis de aura ligeira,
profundo divã como um mausoléu,
e flores estranhas na prateleira
abertas pra nós sob um outro céu.

No fim da paixão, chama derradeira,
nossos corações, como um fogaréu,
irão refletir sua luz parceira
nas almas iguais, espelhos sem véu.

Numa tarde rosa e azul-desmaio,
nós vamos trocar um único raio,
um longo soluço cheio de adeus;

e depois um Anjo, ao abrir as portas,
dará vida novas aos teus e meus
espelhos sombrios e chamas mortas.


Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual


La Mort des amants

Nous aurons des lits pleins d'odeurs légères,
Des divans profonds comme des tombeaux,
Et d'étranges fleurs sur des étagères,
Écloses pour nous sous des cieux plus beaux.

Usant à l'envi leurs chaleurs dernières,
Nos deux coeurs seront deux vastes flambeaux,
Qui réfléchiront leurs doubles lumières
Dans nos deux esprits, ces miroirs jumeaux.

Un soir fait de rose et de bleu mystique,
Nous échangerons un éclair unique,
Comme un long sanglot, tout chargé d'adieux;

Et plus tard un Ange, entr'ouvrant les portes,
Viendra ranimer, fidèle et joyeux,
Les miroirs ternis et les flammes mortes.



CHARLES BAUDELAIRE (France)

20 de setembro de 2008

HAIKAIS

Espantalho, de Portinari


1.
Braços para o infinito
o espantalho subverte
a ferocidade do mundo

2.
Entre o sono e a vigília
o canto da cigarra
inunda o sertão

3.
Noctívaga dor-em-dor
pouso na árvore do mundo
clandestina

4.
Porque és pedra
o que dirá a poesia
sem a tua presença?

5.
Dias de sol
distendo as velhas asas
num hai kai latino


Graça Graúna. Hai kais. In: Canto Mestizo, 1ª parte. Maricá/RJ: Blocos, 1999, p. 17-21.

18 de setembro de 2008

SEDA NEGRA



Seda negra de terra incrustada
Vestes teu corpo.
Na boca, sapatos de cereja
debroados a marfim;
E na luz do teu rosto
a alma do vento, exposto.
do tempo reivindicando
olhos de azeviche
dançando, tamborilando
na seca das colheitas
de lágrimas que regam
os poros dos sonhos,
talvez medonhos,
que sonhas sem fim.
nos ventos e lamentos.
Sufocam os fogos
da esperança
e brotam sorrisos
na lembrança
de um futuro diamante...
no entanto distante...
como é o infinito.
sem queixumes, azedumes
apenas
o triste sorriso bonito
que te ganham forma e cor
no silencio dos gritos pardos...
quem sabe, aflitos ,
de tanto esperar...
o cortar das correntes, dolentes
o libertar dos escravos...ou
talvez apenas gemidos
condenados
de uma guerra que não é vossa
uma vida cheia de fados,
Cantados, ao Sol Poente
Navegando ao som da Lua
Regida por Senhores
engravatados...muito
importantes e ocupados
a esconder a verdade...
crua e nua!!!


Dinah Raphaellus (Portugal)

12 de setembro de 2008

FECHEI A PORTA DO TEMPO





Fechei a porta do tempo
e entretida bisbilhotei
as gavetas do esquecimento
desbotadas de rosa velho.
de tudo encontrei:
espelhos de dourada poeira,
lustres da cegueira,
de homens enganados.
Que transformados,
gritam diplomas, acetinados
de cera lacre e finas
fitas adornados.
Que mais parecem
pobres quadros,
despidos de tintas,
Pintados por poetas,
tosquiados de engenho,
excentricidade colorida,
De falsos e púdicos artistas!!!!



Dinah Raphaellus (Portugal)





10 de setembro de 2008

NENHUM HOMEM É UMA ILHA... / NO MAN IS AN ISLAND...


“Nenhum homem é uma ilha isolada;
cada homem é uma partícula do continente,
uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar,
a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório,
como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria;
a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano.
E por isso não perguntes por quem os sinos dobram;
eles dobram por ti”.
No man is an island, entire of itself
every man is a piece of the continent, a part of the main
if a clod be washed away by the sea,
Europe is the less, as well as if a promontory were,
as well as if a manor of thy friends or of thine own were
any man's death diminishes me, because I am involved in mankind
and therefore never send to know for whom the bell tolls
it tolls for thee.
John Donne (1572 - 1631) England

9 de setembro de 2008

BUCÓLICA

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
A espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga (Portugal)

OS OLHOS DO POETA

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

Manuel da Fonseca


LEVA-ME OS OLHOS...

Leva-me os olhos, gaivota,

e deixa-os cair longe naquela ilha sem rota...

Lá...

onde os cravos e os jasmins

nunca se repetem nos jardins...

Lá...

onde nunca a mesma aranha tece a mesma teia

na mesma escuridão das mesmas casas...

Lá...

onde toda a noite canta uma sereia

...e a lua tem asas...

Lá...

José Gomes Ferreira (Portugal)

FÁBULA

Menino gordo comprou um balão

e assoprou

assoprou com força o balão amarelo.

Menino gordo

assoprou

assoprou

o balão inchou

inchou...

e rebentou!

Meninos magros apanharam os restos

e fizeram balõezinhos.

José Craveirinha (Moçambique)

6 de setembro de 2008

O CANTO DO MARTRINDINDE


O canto do Martrindinde
é um canto da cidade
vem pela noite dentro
cheio de ambiguidade

O canto do Matrindinde
é um cantar nacional
veio do mato à cidade
e tornou-se universal.


Ernesto Lara Filho (Angola)

in “O Canto do Martrindinde”.
Luanda, União/Endiama, 1989, p.64.


4 de setembro de 2008

POETA JÁ NAO SOU




Poeta já não sou

neste mar de rosas por florir.

Pétalas roxas de paixão

espectro por consumir

vibracões transmutantes

energias activas e possantes

de te querer beijar,

Profundamente...

acto onírico presente

No extase de te ver...

e deixar-me nascer

num suspiro... para logo

Morrer nos teus braços,

Renascer num cipreste,

numa pintura de papiro

calçada de fogo e abraços

Qual fénix disfarçada,

Num sorriso agreste

onde admiro...

a magia na chegada...

dos teus passos!!!



Dinah Raphaellus (Portugal)

AMOR-PERFEITO




É o sol se derramando
Sobre a história da minha vida
E tudo ilumina, transforma
Em ouro, pedra preciosa
O valor não se estima
Alegria primaveril
Ventos de outono; calor de verão
A chuva do inverno cessou
Deus queira que esta estação
Dure minha vida inteira
Que mantenha comigo a presença
Dos espíritos das florestas
Que uma bênção argêntea chova sobre nossas cabeças
Que os pés da felicidade esmaguem
Nossos frágeis corpos outrora descontentes
Desejo uma estação de flores perene
Envolvendo nosso leito
Jardim a florescer amor-perfeito.







Adriana Costa (Brasil)



Veja o link: http://versosbarbaros.blogspot.com/

FLOR DE MILHO




Soltaste um pássaro de sol
pelo infinito dos caminhos
a desintegrarem-se em espuma
no vale das estrelas caídas…

Somente aquele poema de fogo
gravado no corpo descarnado dos vulcões
te faz ainda promessas de silêncio,
a mais pura das vozes a descer sobre ti
em gotas de orvalho perfumado.
Do seio prateado das lagoas
enlaçam-te raízes brancas
como asas de borboleta,
mas da tua boca eleva-se um sorriso
lavado com a água da saudade:
-“Nunca me esqueci que vim do Sul”
onde o mágico crepúsculo se banhava
no rio Chilo
e os cafeeiros em flor
cantavam versos de luar
ao som do velho kissanje
de Paulino Valúnje!
Das folhas do teu cajueiro
dispersas na tempestade de uma noite
que jamais se apagará
começa já a despontar a aurora
de uma flor de milho
que tu depuseste no colo nordestino
do teu ser em fuga…



Jorge Arrimar (Angola)
Jorge Manuel de Abreu Arrimar, nasceu em Chibia, Huíla (Angola), em 1953. Na década de 1970, criou com amigos o Grupo Cultural da Huíla (Grucuhuíla). Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Luanda, tendo concluído a licenciatura em História e especializando-se em Ciências Documentais. Foi professor de português nos Açores, onde dirigiu, com Carlos Loureiro, um suplemento literário chamado Página Africana.
Em 1985 radicou-se em Macau, onde ocupou o cargo de director da Biblioteca Nacional. É colaborador do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, organizado pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro e prepara uma Antologia de Poetas de Macau em parceria com Yao Jingming.

O Mamão

Frágil vagina semeada
pronta, útil, semanal
Nela se alargam as sedes

no meio
cresce
insondável

o vazio...

Ana Paula Tavares, in: Ritos de Passagem, Luanda, 1985

AMADA - DOIS POEMAS DE A. BARBEITOS





amada
minha amada
ter saudade do futuro
é

crer
agora e mais tarde
que
o desespero é traição
e
que
a curva leve de teu peito
agora e mais tarde
cabe inteira na minha mão
amada
minha amada

Nzoji (sonho) (1979)




amada
teus olhos são mirangolos
que
eu comeria

não me custasse
o pavor da cegueira
a alma
amada
o amor
é
um canibal assustado

Fiapos de Sonhos (1992)


Arlindo Barbeitos (Angola)