3 de agosto de 2010

Blog da Semana - 13/2010

Foto Liane Neves (Blog Quintana Eterno)


Depois de uma semana muito longa, estou de volta com um novo Blog da Semana, uma homenagem a um grande poeta brasileiro, Mário Quintana, porfavor visitem: 




Texto retirado na íntegra do blog referido:

REFLEXÕES DO CADERNO H

Selecionei alguns textos que Quintana publicou no CADERNO H . Cada um deles nos leva a viajar por muitas reflexões. Boa viagem.



COISAS DO TEMPO


Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros.


CUIDADO!


A nossa própria alma apanha-nos em flagrante nos espelhos que olhamos sem querer.


TENHO PENA DA MORTE


Tenho pena da morte – cadela faminta – a que deixamos a carne doente e finalmente os ossos, miseráveis que somos... O resto é indevorável


MAS TUDO É NOVO DEBAIXO DO SOL


Resmungam os velhos – “Não há nada de novo debaixo do sol” – e nem se lembram dos que, neste momento, estão recriando o mundo: os poetas, as artistas, os recém-nascidos.


DA SAUDADE


A saudade que dói mais fundo – e irremediavelmente – é a saudade que temos de nós.


DO CONHECIMENTO


Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos podem dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.


NADA SOBROU


As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas...Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada.


Mario Quintana in: CADERNO H

COMBOIO MALANDRO

António Jacinto, poeta angolano.

O comboio malandro passa
passa sempre c'oa força dele
u-u hi-hi te-que-tem te-que-tem
nas janelas muita gente
ah boa viagée adeus homée
n'ganas bonitas
quintandeiras de lenço encarnado
levam cana no Luanda p'ra vender
u-u hi-hi
aquele vagon de grades tem bois
mu mu mu
tem outro igual
como este dos bois
leva gente muita gente como eu
cheio de poeira
gente triste como os bois
gente que vai no contrato


tem bois que morre no viagée
mas preto não morre
canta como é criança
mulondé iakessoa!
uadibalée uadibalée uadibalée
esse comboio malandro
sozinho na estrada de ferro passa
passa sem respeito
u-u hi-hi
com muito fumo no trás
tem-que-tem tem-que-tem


Comboio malandro
o fogo que sai no corpo dele
vai no capim e queima
vai nas casas dos preto e queima
esse comboio malandro
já queimou meu milho


Se na lavra do milho
tem pacaças
eu faço armadilha no chão
se na lavra tem Kiombos
eu tiro espingarda de Kimbundo
e mato neles!


Mas se vai lá fogo
de comboio malandro deixa
só fica fumo
muito fumo mesmo...


Mas espera só
quando esse comboio malandro descarrilar
e os branco chamar os preto
p'ra empurrar
eu vou... mas não empurro


Nem com o chicote
finjo só que faço força
comboio malandro
você vai ver só o castigo
vai dormir mesmo no meio do caminho!


António Jacinto (Angola)




ANTÓNIO JACINTO
(1924-1991)
António Jacinto, cujo nome completo é António Jacinto do Amaral Martins, nasceu em Luanda em 1924 e faleceu em 1991. Orlando Távora é o pseudónimo utilizado por António Jacinto como contista.
Por razões políticas esteve preso entre 1960 e 1972. Militante do MPLA, foi co-fundador da União de Escritores Angolanos, membro do Movimento de Novos Intelectuais de Angola e participou activamente na vida política e cultural angolana. Foi empregado de escritório e técnico de contabilidade, Ministro da Educação de Angola e Secretário de Estado da Cultura.
Obra poética: Poemas, 1961; Outra vez Vovô Bartolomeu , 1979; Sobreviver em Tarrafal de Santiago, 1985