25 de agosto de 2008

DEUS NEGRO



Eu, detestando pretos,
Eu, sem coração!…
Eu, perdido num coreto,
Gritando: “Separação”!

Eu, você, nós… nós todos,
Cheios de preconceitos,
Fugindo como se eles carregassem lodo,
Lodo na cor…
E com petulância, arrogância,
Afastando a pele irmã.

Mas
Estou pensando agora:
E quando chegar minha hora?
Meu Deus, se eu morresse amanhã, de manhã!
Numa viagem esquisita, entre nuvens feias e bonitas,
Se eu chegasse lá e um porteiro manco,
Como os aleijados que eu gozei, viesse abrir a porta,
E eu reparasse em sua vista torta, igual àquela que eu critiquei
Se a sua mão tateasse pelo trinco,
Como as mãos do cego que não ajudei!
Se a porta rangesse, chorando os choros que provoquei!
Se uma criança me tomasse pela mão,
Criança como aquela que não embalei
E me levasse por um corredor florido, colorido,
Como as flores que eu jamais dei!
Se eu sentisse o chão frio,
Como o dos presídios que não visitei!
Se eu visse as paredes caindo,
Como as das creches e asilos que não ajudei!
E se a criança tirasse corpos do caminho,
Corpos que eu não levantei
Dando desculpas de que eram bêbados, mas eram epiléticos,
Que era vagabundagem, mas era fome!

Meu Deus!
Agora me assusta pronunciar seu nome!
E se mais para a frente a criança cobrisse o corpo nu,
Da prostituta que eu usei,
Ou do moribundo que não olhei,
Ou da velha que não respeitei,
Ou da mãe que não amei!…
Corpo de alguém exposto, jogado por minha causa,
Porque não estendi a mão, porque no amor fiz pausa e dei,
Sei lá, só dei desgosto!

E, no fim do corredor, o início da decepção!
Que raiva, que desespero,
Se visse o mecânico, o operário, aquele vizinho,
O maldito funcionário, e até, até o padeiro,
Todos sorrindo não sei de quê!
Ah! Sei sim, riem da minha decepção.

Deus não está vestido de ouro! Mas como???
Está num simples trono:
Simples como não fui, humilde como não sou.

Deus decepção!
Deus na cor que eu não queria,
Deus cara a cara, face a face,
Sem aquela imponente classe.

Deus simples! Deus negro!
Deus negro!?

E Eu…
Racista, egoísta. E agora?
Na terra só persegui os pretos,
Não aluguei casa, não apertei a mão.

Meu Deus você é negro, que desilusão!

Será que vai me dar uma morada?
Será que vai apertar minha mão? Que nada!

Meu Deus você é negro, que decepção !

Não dei emprego, virei o rosto. E agora?
Será que vai me dar um canto, vai me cobrir com seu manto?
Ou vai me virar o rosto no embalo da bofetada que dei?

Deus, eu não podia adivinhar.
Por que você se fez assim?
Por que se fez preto, preto como o engraxate,
Aquele que expulsei da frente de casa!

Deus, pregaram você na cruz
E você me pregou uma peça:
Eu me esforcei à beça em tantas coisas,
E cheguei até a pensar em amor,

Mas nunca,
Nunca pensei em adivinhar sua cor!…

Neimar de Barros (Brasil)

LAVADEIRA

Banco raso
Celha cheia

Mãos pretas em roupa branca


Silenciosa a lavadeira

Pende a frente num trama longo.

Carrega um mundo o fumo denso

Da boca muda baforado.


Ao lado

As moscas enxameiam a boquita entreaberta

Do seu filho adormecido



Arnaldo Santos (poeta angolano)

A POESIA DE DÉCIO B. MATEUS



A poesía de Décio Bettencourt.
(texto em língua galega)



Angola sempre sorprende no que os seus poetas crean. De Décio Bettencourt Mateus (1967) chégame a súa primeira entrega poética, titulada: La furia del mar, publicada pola Editorial Nzila. Para un europeo resulta curioso que nun país que soportou máis de trinta anos de guerra e que os protagonistas bélicos tiveron tempo e sensibilidade para compor poesía. Este é o caso de Décio Bettencourt, que ten a graduación de tenente e, tamén, a licenciatura de Xeofísica pola facultade de Ciencias da Universidade Agostinho Neto de Luanda, para, ao final, traballar na industria petroleira.

A vida dos africanos é mesmo dolorosa e sempre procuraron con ela atopar camiños na tan difícil busca de circunstancias adversas. A biografía dos poetas angolanos está sempre cargada de profesións distintas para procurar saír de escuros labirintos. Isto é positivo para unha persoa que quere acadar un lugar nas letras do seu país, exhibindo outros traballos e outros estudos que sempre favorecerán varios aspectos poéticos tan matizados e particularizados.

La furia del mar, é un libro que se sustenta de varias entregas creativas que oscilan desde 1994 a 2003. Evidentemente, nove anos de distanciamento poden producir certa alteración na articulación do que se refire a tempo e a espazo. Digamos que a poesía angolana, desde xa hai bastantes anos, goza de maioría de idade e isto permite que os poetas non estean, nin deben estar, sometidos a ningún canon. Gozando xa dese permisismo, na poesía angolana, encontramos unha serie de referencias creativas de alto valor por espremerse sempre dentro duns parámetros existenciais. Estamos ante un poeta intimamente existencial e cunha economía poética esencialmente xirada aos problemas que o rodean e que non desexa distanciarse deles.

Décio Bettencourt Mateus sabe transcender na vida do común e, por iso, encontramos non poucas observacións e matices do que é verdadeiramente a vida tan particularizada do que se comparte en convivencia cos demais. Este poeta, en forma de crónica, sabe levar á poesía as vivencias dentro dun Candongueiro (autobús) nas súas diversas fases de soportar os tumultos e de facer amigos nesas turbias viaxes. Mais o impactante deste poeta é como procura centrar o seu discurso poético valéndose de circunstancias que el sabe asumir e tecer con habilidade.

Non cabe dúbida que Décio Bettencourt bebe da tradición da poesía angolana, da máis suxestiva e altamente en acorde co destacado de vivencias e referencias. Así o manifesta no poema, titulado: Dialogando com as estrelas. Un poema sobrio e pleno de mensaxes que irradian esa pureza en que se atopa o poeta. Con este tipo de poesía estamos, evidentemente, no contexto social da angolanidade máis determinativa e non exenta de realismo. Non falamos daquela poesía do realismo social. Neste poeta o social está desvencellado do realismo. Dúas percepcións articuladas para convivir autonomamente. Compor un poema nestas circunstancias non é fácil. Primeiro hai que mastigar a idea e dispor dunha certa intuición para non caer en erros que levaron a outros poetas angolanos a compor poesía de militancia e intervención de mala calidade. Resúltanos curioso que un home de armas non entre nese escenario discursivo tan propio e tan usado por guerrilleiros ante colonialistas que compuxeron unha poesía tan particular e exaltadora de eventos épicos.

La furia del mar é un libro que nos ilustra nesa crítica na que persoas e estamentos non fican exentas. Pode que o discurso exalte conciencias e lle marque rumbos a un lector interesado en afrontar e combater problemáticas, tan tipificadas nesa África profunda da cal nos fala Décio Bettencourt. A temática resúltanos interesante, innovadora e en moitos casos precoz, como enunciado de cambios desexados na sociedade angolana. Aquí verificamos a protesta dun autor autorizado a dicir o que observa e o que delibera no seu diálogo coa propia poesía. Este primeiro inventario poético pon a Décio Bettencourt nun obrigado e necesario segundo rexistro poético.
XOSÉ LUIS GARCÍA, in http://www.xoseloisgarcia.com/GaliciaHoxe/gh_1.htm

Poesia de Décio B. Mateus: http://mulembeira.blogspot.com/

ADRIANO BOTELHO DE VASCONCELOS

ADRIANO BOTELHO DE VASCONCELOS

A morte da música pode ser lisa entre o início de um verão
e a direção que faz o silêncio. A surdez levanta a imagem
que a sombra distraidamente enterrara a cinco
palmos do chão. Para o coração se salvam as gaivotas
que levaram os mares para bem perto do sol que se despe
com o jeito das mulheres. A cicatriz é delicada
como se tivéssemos que olhar para a memória
com uma outra escolha astúcia. Hesita-se mas sabemos
que no ombro se fazem as glórias muito breves
e à deriva do coração. Cada erro persegue o espírito
que faz o teatro dourar mais que uma lágrima, um longo
cenário acaba por disfarçar-nos perante
o que nunca fomos. Faz-se um corte no dedo indicador
quando se perde a aurora para que a terra
fique mais perto da insónia. Vemos o abandono da juventude
vindo agora de nós uma interpretação
sem chamas. Por isso as palavras vão compondo
numa só estrofe o que a vida mesmo atenta não pode
consagrar.


* * *

As armadilhas foram apresentadas depois de terem
escrito num ofício os epitáfios, porque o declínio não se pode
suportar só com as promessas dos irmãos. Os irmãos sabem
que só podem estar de costas dadas uns para os outros
na direcção cuja geometria só os poetas conhecem,
porque a direcção do sabre tem a sua força na perfeição
da sombra que foi preparada pelos que foram escolhidos
para serem heróis depois de passarem acordados
sete dias na escuridão para pensarem com fundo suficiente
de vidas humanas como se impedem
os editais.


* * *

Uma ilusão levanta-se de um escombro mas não se apanha
o poeta que por ela mais a ensaiou num percurso e palco
que nunca fora estranho a Deus. Um cágado não pode passar
limpo e com estilo pela cinza porque não viu
como mais à frente se salvou uma lavra. Salva-se algo
como a primeira escolha
apesar de todos não terem para onde se virar senão
para a fé da palavra que nos pede
um momento
de vaidade.


* * *

Tudo o que foi quase um poema veio com o teu âmago
e talvez seja essa febre interior que te faz
corrigir com as lágrimas a posição
dos guaches.

*

Adriano Botelho de Vasconcelos nasceu em Malange, Angola, em 1955. Publicou, entre outros livros de poesia, Voz da Terra (1974), Anamnese (1984), Tábua (2004), que recebeu o Grande Prémio Sonangol de Literatura, e Olímias (2005). Organizou os livros Caçadores de Sonhos: antologia do conto angolano (1960), Boneca de Pano: colectânea do conto infantil angolano (2005) e Todos os Sonhos: antologia da poesia moderna angolana (2005). Actualmente, é secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA).

*

MAYAKOSKY - CITACAO

“Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta e escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Chama-se poeta justamente o homem que cria estas regras poéticas.”

Mayakovsky

19 de agosto de 2008

MAS O QUE VOU DIZER DA POESIA?


“Mas o que vou dizer da Poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo, e nada mais. Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia.”


Garcia Lorca



Federico García Lorca (Fuente Vaqueros, 5 de junho de 1898 — Granada, 19 de agosto de 1936) foi um poeta e dramaturgo espanhol, e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola.

O GENERAL


("Depois de fortemente bombardeada, a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.")




O general entrou na cidade

ao som de cornetas e tambores ...





Mas por que não há "vivas"

nem flores?





Onde está a multidão

para o aplaudir, em filas na rua?





E este silêncio

Caiu de alguma cidade da Lua?





Só mortos por toda a parte.





Mortos nas árvores e nas telhas,

nas pedras e nas grades,

nos muros e nos canos ...





Mortos a enfeitarem as varandas

de colchas sangrentas

com franjas de mãos ...





Mortos nas goteiras.

Mortos nas nuvens.

Mortos no Sol.





E prédios cobertos de mortos.

E o céu forrado de pele de mortos.

E o universo todo a desabar cadáveres.





Mortos, mortos, mortos, mortos ...





Eh! levantai-vos das sarjetas

e vinde aplaudir o general

que entrou agora mesmo na cidade,

ao som de tambores e de cornetas!





Levantai-vos!





É preciso continuar a fingir vida,

E, para multidão, para dar palmas,

até os mortos servem,

sem o peso das almas.



Jose Gomes Ferreira (Portugal, 1900 - 1985)


BIOGRAFIA

Escritor, poeta e ficcionista português natural do Porto. Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.

16 de agosto de 2008

L'homme qui te ressemble

J'ai frappé à ta porte
J'ai frappé à ton coeur
pour avoir bon lit
pour avoir bon feu
pourquoi me repousser?
Ouvre-moi mon frère!...

Pourquoi me demander
si je suis d'Afrique
si je suis d'Amerique
si je suis d'Asie
si je suis d'Europe?
Ouvre-moi mon frère!...

Pourquoi me demander
la longueur de mon nez
l'épaisseur de ma bouche
la couleur de ma peau
et le nom de mes dieux?
Ouvre-moi mon frère!...

Je ne suis pas un noir
je ne suis pas un reouge
je ne suis pas un blanc
mais je ne suis qu'un homme
Ouvre-moi mon frère!...

Ouvre-moi ta porte
Ouvre-moi ton coeur
car je suis un homme
l'homme de tous les temps
l'homme de tous les cieux
l'homme qui te ressemble!...

Rene Philombe (Camaroes)