ADRIANO BOTELHO DE VASCONCELOS A morte da música pode ser lisa entre o início de um verão e a direção que faz o silêncio. A surdez levanta a imagem que a sombra distraidamente enterrara a cinco palmos do chão. Para o coração se salvam as gaivotas que levaram os mares para bem perto do sol que se despe com o jeito das mulheres. A cicatriz é delicada como se tivéssemos que olhar para a memória com uma outra escolha astúcia. Hesita-se mas sabemos que no ombro se fazem as glórias muito breves e à deriva do coração. Cada erro persegue o espírito que faz o teatro dourar mais que uma lágrima, um longo cenário acaba por disfarçar-nos perante o que nunca fomos. Faz-se um corte no dedo indicador quando se perde a aurora para que a terra fique mais perto da insónia. Vemos o abandono da juventude vindo agora de nós uma interpretação sem chamas. Por isso as palavras vão compondo numa só estrofe o que a vida mesmo atenta não pode consagrar.
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As armadilhas foram apresentadas depois de terem escrito num ofício os epitáfios, porque o declínio não se pode suportar só com as promessas dos irmãos. Os irmãos sabem que só podem estar de costas dadas uns para os outros na direcção cuja geometria só os poetas conhecem, porque a direcção do sabre tem a sua força na perfeição da sombra que foi preparada pelos que foram escolhidos para serem heróis depois de passarem acordados sete dias na escuridão para pensarem com fundo suficiente de vidas humanas como se impedem os editais.
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Uma ilusão levanta-se de um escombro mas não se apanha o poeta que por ela mais a ensaiou num percurso e palco que nunca fora estranho a Deus. Um cágado não pode passar limpo e com estilo pela cinza porque não viu como mais à frente se salvou uma lavra. Salva-se algo como a primeira escolha apesar de todos não terem para onde se virar senão para a fé da palavra que nos pede um momento de vaidade.
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Tudo o que foi quase um poema veio com o teu âmago e talvez seja essa febre interior que te faz corrigir com as lágrimas a posição dos guaches. Adriano Botelho de Vasconcelos nasceu em Malange, Angola, em 1955. Publicou, entre outros livros de poesia, Voz da Terra (1974), Anamnese (1984), Tábua (2004), que recebeu o Grande Prémio Sonangol de Literatura, e Olímias (2005). Organizou os livros Caçadores de Sonhos: antologia do conto angolano (1960), Boneca de Pano: colectânea do conto infantil angolano (2005) e Todos os Sonhos: antologia da poesia moderna angolana (2005). Actualmente, é secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA). |
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