19 de agosto de 2008

O GENERAL


("Depois de fortemente bombardeada, a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.")




O general entrou na cidade

ao som de cornetas e tambores ...





Mas por que não há "vivas"

nem flores?





Onde está a multidão

para o aplaudir, em filas na rua?





E este silêncio

Caiu de alguma cidade da Lua?





Só mortos por toda a parte.





Mortos nas árvores e nas telhas,

nas pedras e nas grades,

nos muros e nos canos ...





Mortos a enfeitarem as varandas

de colchas sangrentas

com franjas de mãos ...





Mortos nas goteiras.

Mortos nas nuvens.

Mortos no Sol.





E prédios cobertos de mortos.

E o céu forrado de pele de mortos.

E o universo todo a desabar cadáveres.





Mortos, mortos, mortos, mortos ...





Eh! levantai-vos das sarjetas

e vinde aplaudir o general

que entrou agora mesmo na cidade,

ao som de tambores e de cornetas!





Levantai-vos!





É preciso continuar a fingir vida,

E, para multidão, para dar palmas,

até os mortos servem,

sem o peso das almas.



Jose Gomes Ferreira (Portugal, 1900 - 1985)


BIOGRAFIA

Escritor, poeta e ficcionista português natural do Porto. Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.

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