6 de abril de 2012

POEMA DE DAMBUDZO MARECHERA

Dambudzo Marechera, o enfant terrible da literatura africana. Comparado por muitos a James Joyce e Henry Miller.



Um farrapo de identidade

Quando é que esta lua se descasca dos meus poemas?!
Esta zona de penumbra que vai da escola inglesa
À minha voz de barata?
A formiga empoleirada no grão de areia
Pouco se apercebe do meu titânico dilema de artista
E só tem olhos para o pé que ergo.
A abelha na sua errância doce peganhenta, se me avista
Dispara uma tangente zumbindo o seu escárnio.
A madrugadora andorinha, no seu voo seco,
Mal dispensa um olhar instantâneo às minhas penas.
O varredor dá de ombros, atira o fardo concreto
Para o camião dos salários e dos preços em alta;
O aprendiz da fábrica fecha o macacão
E aguarda o Chamamento – sirene da fábrica;
O carteiro pedala a sua ronda; o soldado
Beija a namorada e corre a cumprir ordens.
Todos parecem conhecer seus eus
Mas eu como um louco insisto em decifrar
As marcas num farrapo de papel em branco
As marcas que vão ser o poema atrás deste poema.

Dambudzo Marechera (Zimbabwe) (1952-1987),
(Tradução: José Pinto de Sá)
Créditos: Associação Buala

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