4 de junho de 2013

XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO

Poema de Carlos de Oliveira, dito por Maria de Jesus Barroso. A terceira parte deste poema é uma conhecida cancao interpretada pelos Trovante.







XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO


I

Era outrora um conde
que fez um país,
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quis.

Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo
são bicos de tojo,
no tambor da esperança.

Ventos sem destino
que dizeis às ramas?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.

No país que outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.

Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.

As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos nos olhos.


II

Ama, estás ouvindo
a história que vou contando?
Ó ama pátria dormindo
desde quando?

Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde raivas e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando?

As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.

Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.


III

Ó castelos moiros,
armas e tesoiros
quem vos escondeu?
Ó laranjas de oiro,
que ventos de agoiro
vos apodreceu?

Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quando os mochos amam
e as pedras choram

Caravelas, caravelas
mortas sob as estrelas
como candeias sem luz
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz

As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como num tambor de rojo.

IV

E o tempo murchando
a luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros?

Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.

Ama até quando?

Na noite das bruxas
o lume no fim
e o vento ganindo.

Amas estás ouvindo?

O lume no fim
e os homens dispersos.

Ama, tens frio;
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.


Carlos de Oliveira (Portugal) 


Um comentário:

António Eduardo Lico disse...

Um grande poeta Carlos Oliveira, e que eu muito aprecio.
Abraço.