A língua portuguesa é o meu meio de expressão com o mundo que me rodeia. É com ela que consigo expressar todos os sentimentos, gritos, anseios e revoltas que explodem na minha alma. O inglês é a minha segunda língua e há dias que, durante horas a fio, nada mais falo do que a língua de Shakespear e apesar disso não encontro nela a força espiritual para expressar a minha poesia ou para encontrar na arte dos outros um caminho. Leio, falo, escrevo a língua inglesa e posso seguramente vos dizer: entendo mas não a sinto nas profundesas da alma. É como se fosse uma indumentária de trazer à flor da pele e nada mais. É prático, diria, é economicamente prático e nada mais.
Outro idioma, para além destes? Sim, mas sempre muito perto da Lusofonia, a Hispanofonia.
Namibiano Ferreira
Para a postagem de hoje escolho alguns momentos que me fazem vibrar a Alma da minha lusofonia AfroLusoBrasileira:
A RENÚNCIA IMPOSSÍVEL
Negação
Não creio em mim
Não existo
Não quero eu não quero ser
Quero destruir-me
atirar-me de pontes elevadas
e deixar-me despedaçar
sobre as pedras duras das calçadas
Pulverizar o meu ser
desaparecer
não deixar sequer traço de passagem
pelo mundo
quero que o não-eu
se aposse de mim
Mais do que um simples suicídio
Quero que esta minha morte
seja uma verdadeira novidade histórica
um desaparecimento total
até mesmo nos cérebros
daqueles que me odeiam
até mesmo no tempo
e se processe a História
e o mundo continue
como se eu nunca tivesse existido
como se nenhuma obra tivesse produzido
como se nada tivesse influenciado na vida
se em vez de valor negativo
eu fosse zero
Quero ascender
elevar-me até atingir o Zero
e desaparecer
Deixai-me desaparecer!
Mas antes vou gritar
Com toda a força dos meus pulmões
Para que o mundo oiça:
- Fui eu quem renunciou a Vida!
Podeis continuar a ocupar o meu lugar
Vós os que mo roubastes
Aí tendes o mundo todo para vós
para mim nada quero
nem riqueza nem pobreza
nem alegria nem tristeza
nem vida nem morte
nada
Não sou Nunca fui
Renuncio-me
Atingi o Zero
E agora
vivei cantai chorai
casai-vos matai-vos embriagai-vos
dai esmolas aos pobres
Nada me pode interessar
que eu não sou
Atingi o Zero
Não contem comigo
para vos servir as refeições
nem para cavar os diamantes
que vossas mulheres irão ostentar em salões
nem para cuidar das vossas plantações
de algodão e café
não contem com amas
para amamentar os vossos filhos sifilíticos
não contem com operários
de segunda categoria
para fazer o trabalho de que vos orgulhais
nem com soldados inconscientes
para gritar com o estômago vazio
vivas ao vosso trabalho de civilização
nem com lacaios
para vos tirarem os sapatos
de madrugada
quando regressardes de orgias noturnas
nem com pretos medrosos
para vos oferecer vacas
e vender milho a tostão
nem com corpos de mulheres
para vos alimentar de prazeres
nos ócios da vossa abundância imoral
Não contem comigo
Renuncio-me
Eu atngi o Zero
E agora podeis queimar
os letreiros medrosos
que às portas de bares hotéis e recintos públicos
gritam o vosso egoismo
nas frases “SÓ PARA BRANCOS” ou COLOURED MEN ONLY”
Negros aqui brancos acolá
E agora podeis acabar
com os miseráveis bairros de negros
que vos atrapalham a vaidade
Vivei satisfeitos sem colour lines
sem terdes que dizer aos frequeses negros
que os hotéis estão abarrotados
que não há mais mesas nos restaurantes
Banhai-vos descansados
nas vossas praias e piscinas
que nunca houve negros no mundo
que sujassem as águas
ou os vossos nojentos preconceitos
com a sua escura presença
Dissolvei o Ku-Klux-Klan
que já não há negros para linchar!
Porque hesitais agora!
ao menos tendes oportunidade
para proclamardes democracias
com sinceridade
Podeis inventar uma nova história
inclusivamente podeis inventar uma nova mística
direis por exemplo: No princípio nós criamos o mundo
Tudo foi feito por NÓS
E isso nada me interessa
Ah!
que satisfação eu sinto
por ver-vos alegres no vosso orgulho
e loucos na vossa mania de superioridade
Nunca houve negros!
A África foi construida só por vós
A América foi colonizada só por vós
A Europa não conhece civilizações africanas
Nunca houve beijos de negros sobre faces brancas
nem um negro foi linchado
nunca matastes pretos a golpes de cavalomarinho
para lhes possuirdes as mulheres
nunca estorquistes propriedades a pretos
não tendes nunca tivestes filhos com sangue negro
ó racistas de desbragada lubricidade
Fartai-vos agora dentro da moral!
Que satisfação eu sinto
por não terdes que falsear os padrões morais
para salvaguardar
o prestígio a superioridade e o estômago
dos vossos filhos
Ah!
O meu suicídio é uma novidade histórica
é um sádico prazer
de ver-vos bem instalados no vosso mundo
sem necessidade de jogos falsos
Eu elevado até o Zero
eu transformado no Nada-histórico
eu no início dos tempos
eu-Nada a confundir-me com vós-Tudo
sou o verdadeiro Cristo da Humanidade!
Não há nas ruas de Luanda
negros descalços e sujos
a pôr nódoas nas vossas falsidades de colonização
Em Lourenço Marques
em New York em Leopoldville
em Cape Town
gritam pelas ruas
fogueteando alegrias nos ares
- Não há negros nas ruas!
Nunca houve
Não há negros preguiçosos
a deixar os campos por cultivar
e renitentes à escravização
já não há negros para roubar
Toda a riqueza representa agora o suor do rosto
e o suor do rosto é a poesia da vida
Viva a poesia da vida!
Viva!
Não existe música negra
Nunca houve batuques nas florestas do Congo
Quem falou em spirituals?
Os salões enchem-se de Debussy Strauss Korsakoff
que não há selvagens na terra
Viva a civilização dos homens superiores
sem manchas negróides a perturbar-lhe a estética!
Viva!
Nunca houve descobrimentos
a África foi criada com o mundo
O que é a colonização?
O que são os massacres de negros?
O que são os esbulhos de propriedade?
Coisas que ninguém conhece
A história está errada
Nunca houve escravatura
Nunca houve domínio de minorias
orgulhosas da sua força
Acabei com as cruzadas religiosas
A fé está espalhada por todo o mundo
sobre a terra só há cristãos
VÓS sois todos cristãos
Não há infiéis por converter
Escusais de imaginar mais infidelidades religiosas
para justificar
repugnantes actos de barbarismo
Não necessitais enviar mais missionários
a África
nem nos bairros de negros
Nunca houve mahamba
nem concepções religiosas diferentes
nunca houve religiosos a auxiliar a ocupação militar
Acabai com os missionários
os seus sofismas
os seus milagres
inventados para justificar ambições e vaidades
Possuis tudo TUDO
e sois todos irmãos
Continuai com os vossos sistemas políticos
ditaduras democráticas
isso é convosco
Explorai o proletariado
matai-vos uns aos outros
lutai pela glória
lutai pelo poder
criai minorias fortes
apadrinhai os afilhados dos vossos amigos
criai mais castas
aburguesai as ideias
e tudo sem a complicação
de verdes intrusos
imiscuir-se na vossa querida
e defendida civilização de homens
privilegiados
E agora
homens irmãos
daí-vos as mãos
gritai a vossa alegria de serdes sós
SÓS!
únicos habitantes da terra
Eu artingi o Zero
Isto significa extraordinariamente a vossa ética
Ao menos
não percais a ocasião para serdes honestos
Se houver terramotos
calamidades cheias ou epidemias
ou terras a defender da evasão das águas
ou motores parados em lamas africanas
raios vos partam!
já não tereis de chamar-me
para acudir as vossas desgraças
para reparar os vossos desastres
ou para carregar com a culpa das vossas incúrias
Ide para o diabo!
Eu não existo
Palavra de honra que nunca existi
Atingi o Zero
o Nada
Abençoada a hora
do meu super-suicídio
para vós
homens que construís sistemas morais
para enquadrar imoralidades
O sol brilha só para vós
a lua reflecte luz só para vós
nunca houve esclavagistas
nem massacres
nem ocupações da África
Como até a história
se transforma num tratado de moral
sem necessidade de arranjos apressados!
Os pretos dos cais não existem
Nunca foram ouvidos cantos dolentes
misturados com a chiadeira do guindaste
Nunca pisaram os caminhos do mato
carregadores com sem quilos às costas
são os motores que se queimam sob as cargas
Ó pretos submissos humildes ou tímidos
sem lugar nas cidades
ou nos escaninhos da honestidade
ou nos recantos da força
dançarinos com a alma poisada no sinal menos
polígamos declarados
dançarinos de batuques sensuais
Sabeis que subistes todos de valor
atingistes o Zero sois Nada
e salvastes o homem
Acabou-se o ódio
e o trabalho de civilização
e a náusea de ver meninos negros
sentados na escola
ao lado de meninos de olhos azuis
e as extorções e compulsões
e as palmatoadas e torturas
para obrigar inocentes a confessar crimes
e medos de revolta
e as complicadas demarches políticas
para iludir as almas simples
Acabaram-se as complicações sociais!
Atingi o Zero
Cheguei à hora do início do mundo
e resolvi não existir
Cheguei ao Zero-Espaço
ao Nada-Tempo
ao eu coincidente com vós-Tudo
E o que é mais importante:
Salvei o mundo!
Agostinho Neto (ANGOLA)
TRAZ OUTRO AMIGO, TAMBÉM
José Afonso - Traz Outro Amigo Também (Portugal)
OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Chega um tempo em que não se diz mais: meu
Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos
edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade (BRASIL)
ORACAO A MAE MENININHA
Maria Bethania & Gal Costa (BRASIL)
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Fernando Pessoa-Álvaro de Campo (PORTUGAL)
TRAVADINHA
Ou, só para terminar, a música de Cabo Verde, Mestre Travadinha, simplesmente inconfundível:
Travadinha (CABO VERDE)
Felizmente há muito mais.....................................................
Um comentário:
Belíssima postagem.
Abraço.
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