14 de junho de 2013

LUSOFONIA

A língua portuguesa é o meu meio de expressão com o mundo que me rodeia. É com ela que consigo expressar todos os sentimentos, gritos, anseios e revoltas que explodem na minha alma. O inglês é a minha segunda língua e há dias que, durante horas a fio, nada mais falo do que a língua de Shakespear e apesar disso não encontro nela a força espiritual para expressar a minha poesia ou para encontrar na arte dos outros um caminho. Leio, falo, escrevo a língua inglesa e posso seguramente vos dizer: entendo mas não a sinto nas profundesas da alma. É como se fosse uma indumentária de trazer à flor da pele e nada mais. É prático, diria, é economicamente prático e nada mais.
Outro idioma, para além destes? Sim, mas sempre muito perto da Lusofonia,  a Hispanofonia.

Namibiano Ferreira

Para a postagem de hoje escolho alguns momentos que me fazem vibrar a Alma da minha lusofonia AfroLusoBrasileira:


A RENÚNCIA IMPOSSÍVEL

Negação


Não creio em mim

Não existo

Não quero eu não quero ser



Quero destruir-me

atirar-me de pontes elevadas

e deixar-me despedaçar

sobre as pedras duras das calçadas



Pulverizar o meu ser

desaparecer

não deixar sequer traço de passagem

pelo mundo



quero que o não-eu

se aposse de mim



Mais do que um simples suicídio

Quero que esta minha morte

seja uma verdadeira novidade histórica

um desaparecimento total

até mesmo nos cérebros

daqueles que me odeiam

até mesmo no tempo

e se processe a História

e o mundo continue

como se eu nunca tivesse existido

como se nenhuma obra tivesse produzido

como se nada tivesse influenciado na vida

se em vez de valor negativo

eu fosse zero



Quero ascender

elevar-me até atingir o Zero

e desaparecer



Deixai-me desaparecer!



Mas antes vou gritar

Com toda a força dos meus pulmões

Para que o mundo oiça:



- Fui eu quem renunciou a Vida!

Podeis continuar a ocupar o meu lugar

Vós os que mo roubastes



Aí tendes o mundo todo para vós

para mim nada quero

nem riqueza nem pobreza

nem alegria nem tristeza

nem vida nem morte

nada



Não sou Nunca fui

Renuncio-me

Atingi o Zero



E agora

vivei cantai chorai

casai-vos matai-vos embriagai-vos

dai esmolas aos pobres

Nada me pode interessar

que eu não sou

Atingi o Zero



Não contem comigo

para vos servir as refeições

nem para cavar os diamantes

que vossas mulheres irão ostentar em salões

nem para cuidar das vossas plantações

de algodão e café

não contem com amas

para amamentar os vossos filhos sifilíticos

não contem com operários

de segunda categoria

para fazer o trabalho de que vos orgulhais

nem com soldados inconscientes

para gritar com o estômago vazio

vivas ao vosso trabalho de civilização

nem com lacaios

para vos tirarem os sapatos

de madrugada

quando regressardes de orgias noturnas

nem com pretos medrosos

para vos oferecer vacas

e vender milho a tostão

nem com corpos de mulheres

para vos alimentar de prazeres

nos ócios da vossa abundância imoral



Não contem comigo

Renuncio-me

Eu atngi o Zero



E agora podeis queimar

os letreiros medrosos

que às portas de bares hotéis e recintos públicos

gritam o vosso egoismo

nas frases “SÓ PARA BRANCOS” ou COLOURED MEN ONLY”

Negros aqui brancos acolá



E agora podeis acabar

com os miseráveis bairros de negros

que vos atrapalham a vaidade

Vivei satisfeitos sem colour lines

sem terdes que dizer aos frequeses negros

que os hotéis estão abarrotados

que não há mais mesas nos restaurantes

Banhai-vos descansados

nas vossas praias e piscinas

que nunca houve negros no mundo

que sujassem as águas

ou os vossos nojentos preconceitos

com a sua escura presença



Dissolvei o Ku-Klux-Klan

que já não há negros para linchar!



Porque hesitais agora!

ao menos tendes oportunidade

para proclamardes democracias

com sinceridade



Podeis inventar uma nova história

inclusivamente podeis inventar uma nova mística

direis por exemplo: No princípio nós criamos o mundo

Tudo foi feito por NÓS

E isso nada me interessa



Ah!

que satisfação eu sinto

por ver-vos alegres no vosso orgulho

e loucos na vossa mania de superioridade



Nunca houve negros!

A África foi construida só por vós

A América foi colonizada só por vós

A Europa não conhece civilizações africanas

Nunca houve beijos de negros sobre faces brancas

nem um negro foi linchado

nunca matastes pretos a golpes de cavalomarinho

para lhes possuirdes as mulheres

nunca estorquistes propriedades a pretos

não tendes nunca tivestes filhos com sangue negro

ó racistas de desbragada lubricidade



Fartai-vos agora dentro da moral!



Que satisfação eu sinto

por não terdes que falsear os padrões morais

para salvaguardar

o prestígio a superioridade e o estômago

dos vossos filhos



Ah!

O meu suicídio é uma novidade histórica

é um sádico prazer

de ver-vos bem instalados no vosso mundo

sem necessidade de jogos falsos



Eu elevado até o Zero

eu transformado no Nada-histórico

eu no início dos tempos

eu-Nada a confundir-me com vós-Tudo

sou o verdadeiro Cristo da Humanidade!



Não há nas ruas de Luanda

negros descalços e sujos

a pôr nódoas nas vossas falsidades de colonização



Em Lourenço Marques

em New York em Leopoldville

em Cape Town

gritam pelas ruas

fogueteando alegrias nos ares



- Não há negros nas ruas!

Nunca houve

Não há negros preguiçosos

a deixar os campos por cultivar

e renitentes à escravização

já não há negros para roubar

Toda a riqueza representa agora o suor do rosto

e o suor do rosto é a poesia da vida

Viva a poesia da vida!

Viva!



Não existe música negra

Nunca houve batuques nas florestas do Congo

Quem falou em spirituals?

Os salões enchem-se de Debussy Strauss Korsakoff

que não há selvagens na terra

Viva a civilização dos homens superiores

sem manchas negróides a perturbar-lhe a estética!

Viva!



Nunca houve descobrimentos

a África foi criada com o mundo



O que é a colonização?

O que são os massacres de negros?

O que são os esbulhos de propriedade?

Coisas que ninguém conhece



A história está errada

Nunca houve escravatura

Nunca houve domínio de minorias

orgulhosas da sua força



Acabei com as cruzadas religiosas

A fé está espalhada por todo o mundo

sobre a terra só há cristãos

VÓS sois todos cristãos



Não há infiéis por converter

Escusais de imaginar mais infidelidades religiosas

para justificar

repugnantes actos de barbarismo



Não necessitais enviar mais missionários

a África

nem nos bairros de negros

Nunca houve mahamba

nem concepções religiosas diferentes

nunca houve religiosos a auxiliar a ocupação militar



Acabai com os missionários

os seus sofismas

os seus milagres

inventados para justificar ambições e vaidades



Possuis tudo TUDO

e sois todos irmãos



Continuai com os vossos sistemas políticos

ditaduras democráticas

isso é convosco

Explorai o proletariado

matai-vos uns aos outros

lutai pela glória

lutai pelo poder

criai minorias fortes

apadrinhai os afilhados dos vossos amigos

criai mais castas

aburguesai as ideias

e tudo sem a complicação

de verdes intrusos

imiscuir-se na vossa querida

e defendida civilização de homens

privilegiados



E agora

homens irmãos

daí-vos as mãos

gritai a vossa alegria de serdes sós

SÓS!

únicos habitantes da terra



Eu artingi o Zero



Isto significa extraordinariamente a vossa ética

Ao menos

não percais a ocasião para serdes honestos



Se houver terramotos

calamidades cheias ou epidemias

ou terras a defender da evasão das águas

ou motores parados em lamas africanas

raios vos partam!

já não tereis de chamar-me

para acudir as vossas desgraças

para reparar os vossos desastres

ou para carregar com a culpa das vossas incúrias

Ide para o diabo!



Eu não existo

Palavra de honra que nunca existi

Atingi o Zero

o Nada



Abençoada a hora

do meu super-suicídio

para vós

homens que construís sistemas morais

para enquadrar imoralidades



O sol brilha só para vós

a lua reflecte luz só para vós

nunca houve esclavagistas

nem massacres

nem ocupações da África



Como até a história

se transforma num tratado de moral

sem necessidade de arranjos apressados!



Os pretos dos cais não existem

Nunca foram ouvidos cantos dolentes

misturados com a chiadeira do guindaste

Nunca pisaram os caminhos do mato

carregadores com sem quilos às costas

são os motores que se queimam sob as cargas



Ó pretos submissos humildes ou tímidos

sem lugar nas cidades

ou nos escaninhos da honestidade

ou nos recantos da força

dançarinos com a alma poisada no sinal menos

polígamos declarados

dançarinos de batuques sensuais

Sabeis que subistes todos de valor

atingistes o Zero sois Nada

e salvastes o homem



Acabou-se o ódio

e o trabalho de civilização

e a náusea de ver meninos negros

sentados na escola

ao lado de meninos de olhos azuis

e as extorções e compulsões

e as palmatoadas e torturas

para obrigar inocentes a confessar crimes

e medos de revolta

e as complicadas demarches políticas

para iludir as almas simples

Acabaram-se as complicações sociais!

Atingi o Zero
Cheguei à hora do início do mundo
e resolvi não existir

Cheguei ao Zero-Espaço
ao Nada-Tempo
ao eu coincidente com vós-Tudo

E o que é mais importante:
Salvei o mundo!

Agostinho Neto (ANGOLA)


TRAZ OUTRO AMIGO, TAMBÉM


José Afonso - Traz Outro Amigo Também (Portugal)



OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu

Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.



Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.



Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos

edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.



Carlos Drummond de Andrade (BRASIL)


ORACAO A MAE MENININHA

Maria Bethania & Gal Costa  (BRASIL)



TABACARIA


Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.





Janelas do meu quarto,

Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o que saberiam?),

Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,

Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,

Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.





Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,

E não tivesse mais irmandade com as coisas

Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada

De dentro da minha cabeça,

E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.





Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,

E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.





Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só ervas e árvores,

E quando havia gente era igual à outra.

Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?





Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Gênio? Neste momento

Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,

E a história não marcará, quem sabe?, nem um,

Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.

Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo

Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -

Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,

E quem sabe se realizáveis,

Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.

Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,

Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,

Ainda que não more nela;

Serei sempre o que não nasceu para isso;

Serei sempre só o que tinha qualidades;

Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,

E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,

E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Crer em mim? Não, nem em nada.

Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente

O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,

E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

Escravos cardíacos das estrelas,

Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;

Mas acordamos e ele é opaco,

Levantamo-nos e ele é alheio,

Saímos de casa e ele é a terra inteira,

Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.





(Come chocolates, pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)





Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei

A caligrafia rápida destes versos,

Pórtico partido para o Impossível.

Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,

Nobre ao menos no gesto largo com que atiro

A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,

E fico em casa sem camisa.





(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,

Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,

Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,

Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,

Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,

Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,

Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -

Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!

Meu coração é um balde despejado.

Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco

A mim mesmo e não encontro nada.

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.

Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,

Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,

Vejo os cães que também existem,

E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,

E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)





Vivi, estudei, amei e até cri,

E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.

Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,

E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses

(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);

Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo

E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente





Fiz de mim o que não soube

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho,

Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário

Como um cão tolerado pela gerência

Por ser inofensivo

E vou escrever esta história para provar que sou sublime.





Essência musical dos meus versos inúteis,

Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,

E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,

Calcando aos pés a consciência de estar existindo,

Como um tapete em que um bêbado tropeça

Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.





Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.

Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada

E com o desconforto da alma mal-entendendo.

Ele morrerá e eu morrerei.

Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.

A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.

Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,

E a língua em que foram escritos os versos.

Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.

Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente

Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,





Sempre uma coisa defronte da outra,

Sempre uma coisa tão inútil como a outra,

Sempre o impossível tão estúpido como o real,

Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,

Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.





Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)

E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.

Semiergo-me enérgico, convencido, humano,

E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.





Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los

E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria,

E gozo, num momento sensitivo e competente,

A libertação de todas as especulações

E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.





Depois deito-me para trás na cadeira

E continuo fumando.

Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.





(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira

Talvez fosse feliz.)

Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).

Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.

(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)

Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.

Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo

Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Fernando Pessoa-Álvaro de Campo (PORTUGAL)


TRAVADINHA
Ou,  só para terminar, a música de Cabo Verde, Mestre Travadinha, simplesmente inconfundível:


Travadinha (CABO VERDE)



Felizmente há muito mais.....................................................

Um comentário:

António Eduardo Lico disse...

Belíssima postagem.
Abraço.