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Manoel Bandeira (Brasil)
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Manoel Bandeira (Brasil)
Marquesa de Alorna, a 4ª desse título, nome de baptismo de Leonor de Almeida Lorena e Lencastre. Escritora, nasceu em Lisboa durante o reinado do rei D. José. Neta dos marqueses de Távora, e filha de D. João de Almeida Portugal, 2º marquês de Alorna e 4º conde de Assumar e de Dª Maria de Lorena, filha dos marqueses de Távora, suspeitos do atentado ao rei. Dos presumíveis implicados uns foram executados e Leonor, com a mãe e irmã encarceradas no convento de S. Félix em Chelas. Foi aqui que, desde pequena, a futura marquesa começou a ler e a instruir-se não desprezando a leitura de Bossuet, Fénelon, Boileau, Corneille e Racine, bem como Voltaire, d'Alembert, Diderot e o inglês Locke. Começou cedo a escrever poesia. Teve como mestre de latim Filinto Elísio (padre Francisco Manuel do Nascimento) e aprendeu Filosofia e Ciências Naturais. Tomou, como era uso no tempo, o nome literário de Alcipe. Leonor de Almeida Portugal saiu da prisão quando subiu ao trono D. Maria I. Tinha então vinte anos. Casou, em 1779 com o conde de Oeynhausen e em 1780 foram viver para a Viena de Áustria. Enviuvou, com 43 anos, em 1793 e ficou com seis filhos pequenos para cuidar. Regressou a Portugal e foi perseguida por Pina Manique, dadas as suas ideias liberais. Exilou-se em Londres entre 1804 e 1814. Foi escrevendo poemas que acompanhavam as angustiosas mudanças políticas no país, desde as invasões francesas à partida da família real para o Brasil. Esteve contra Napoleão o que não aconteceu com muitos fidalgos portugueses, incluindo a filha que foi amante de Junot. Herdou o título de marquesa, pela morte do irmão. D. Leonor de Almeida deixou seis volumes de "Obras Poéticas" com temas diversos, sendo de referir a importância das cartas particulares. Foi também tradutora de Lamartine, Pope, Ossian, Goldsmith, Young, entre outros. Alexandre Herculano fez-lhe o elogio fúnebre, considerando-a a "madame de Staël portuguesa."
******************************************SONETOS**************************************
1-
Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.
Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.
Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.
E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.
2-
Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.
Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.
Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.
Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.
3-
Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.
Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui coa ausência da luz esmorecendo.
Neste espaço, em que dorme a Natureza.
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?
Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!
Marquesa de Alorna (Portugal)
As meninas de Avignon
Picasso
A pintura nunca é prosa. É poesia que se escreve com versos de rima plástica
Picasso
Supondo verdadeira a ideia, na qual hoje muitos crêem como se fosse «a verdade», de que o sentido de toda a cultura é precisamente fazer da fera-«homem» um animal manso e civilizado, um animal doméstico, então seria indubitavelmente necessário considerar que os verdadeiros instrumentos da cultura teriam sido todos aqueles instintos de reacção e ressentimento que serviram afinal para humilhar e derrotar as aristocracias e os respectivos ideais... O que, aliás, não significaria ainda que os portadores desses instrumentos fossem simultaneamente os representantes da cultura... O contrário não me parece apenas ser mais provável... Não! O contrário é hoje evidente! Os portadores dos instintos de rebaixamento e de desforra, os descendentes de todos os escravos europeus e não europeus, em especial as populações pré-arianas, esses representam o recuo da humanidade! Os ditos «instrumentos da cultura» são uma vergonha da humanidade e acabam por se tornar um motivo de desconfiança, um argumento contra a «cultura». Pode haver boas razões para se continuar a temer a besta loira que habita no fundo de todas as raças aristocráticas e para se tomarem precauções... Mas haverá quem não prefira cem vezes mais temer e ao mesmo tempo poder admirar, do que não temer e ao mesmo tempo não poder ver-se livre do espectáculo nauseabundo imposto pelos falhados, pelos diminuídos, pelos atrofiados, pelos envenenados? E não será esta a nossa fatalidade? que coisa provoca esta nossa aversão pelo «homem»?... Porque, disso não há dúvida, o homem tornou-se para nós motivo de sofrimento... Não é o temor. Pelo contrário, é o facto de já nada termos a temer no homem, o facto de o verme-«homem» fervilhar à nossa frente, com o maior destaque, o facto de o «homem manso», irremediavelmente medíocre e insuportável, já ter aprendido a achar que é ele o «homem superior», o objectivo, a coroação e o sentido da história...
in Para a Genealogia da Moral, Friedrich Nietzsche
A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
A espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.
Miguel Torga (Portugal)
O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca
Leva-me os olhos, gaivota,
e deixa-os cair longe naquela ilha sem rota...
Lá...
onde os cravos e os jasmins
nunca se repetem nos jardins...
Lá...
onde nunca a mesma aranha tece a mesma teia
na mesma escuridão das mesmas casas...
Lá...
onde toda a noite canta uma sereia
...e a lua tem asas...
Lá...
Menino gordo comprou um balão
e assoprou
assoprou com força o balão amarelo.
Menino gordo
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou...
e rebentou!
Meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos.
José Craveirinha (Moçambique)
Somente aquele poema de fogo
gravado no corpo descarnado dos vulcões
te faz ainda promessas de silêncio,
a mais pura das vozes a descer sobre ti
em gotas de orvalho perfumado.
Do seio prateado das lagoas
enlaçam-te raízes brancas
como asas de borboleta,
mas da tua boca eleva-se um sorriso
lavado com a água da saudade:
-“Nunca me esqueci que vim do Sul”
onde o mágico crepúsculo se banhava
no rio Chilo
e os cafeeiros em flor
cantavam versos de luar
ao som do velho kissanje
de Paulino Valúnje!
Das folhas do teu cajueiro
dispersas na tempestade de uma noite
que jamais se apagará
começa já a despontar a aurora
de uma flor de milho
que tu depuseste no colo nordestino
do teu ser em fuga…
Jorge Arrimar (Angola)
Jorge Manuel de Abreu Arrimar, nasceu em Chibia, Huíla (Angola), em 1953. Na década de 1970, criou com amigos o Grupo Cultural da Huíla (Grucuhuíla). Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Luanda, tendo concluído a licenciatura em História e especializando-se em Ciências Documentais. Foi professor de português nos Açores, onde dirigiu, com Carlos Loureiro, um suplemento literário chamado Página Africana.
Em 1985 radicou-se em Macau, onde ocupou o cargo de director da Biblioteca Nacional. É colaborador do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, organizado pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro e prepara uma Antologia de Poetas de Macau em parceria com Yao Jingming.
Frágil vagina semeada
pronta, útil, semanal
Nela se alargam as sedes
no meio
cresce
insondávelo vazio...
Ana Paula Tavares, in: Ritos de Passagem, Luanda, 1985
crer
agora e mais tarde
que
o desespero é traição
e
que
a curva leve de teu peito
agora e mais tarde
cabe inteira na minha mão
amada
minha amada
Nzoji (sonho) (1979)
não me custasse
o pavor da cegueira
a alma
amada
o amor
é
um canibal assustado
Fiapos de Sonhos (1992)
Arlindo Barbeitos (Angola)