A NOITE
A noite veio de
dentro, começou a surgir do interior
de cada um dos
objectos e a envolvê-los no seu halo negro.
Não tardou que as
trevas irradiassem das nossas próprias
entranhas, quase
que assobiavam ao cruzar-nos os poros.
Seriam umas duas
ou três da tarde e nós sentíamo-las
crescendo a toda
a nossa volta. Qualquer que fosse a pers-
pectiva, as
trevas bifurcavam-na: daí a sensação de que,
apesar de a noite
também se desprender das coisas, havia
nela algo de
essencialmente humano, visceral. Como ins-
tantes exteriores
que procurassem integrar-se na trama
do tempo,
sucediam-se os relâmpagos: era a luz da tarde,
num estertor, a
emergir intermitentemente à superfície das
coisas. Foi nessa
altura que a visão se começou a fazer
pelas raízes. As
imagens eram sugadas a partir do que
dentro de cada
objecto ainda não se indiferenciara da luz
e, após
complicadíssimos processos, imprimiam-se nos
olhos. Unidos aos
relâmpagos, rompíamos então a custo
a treva nasalada.
SEM OUTRO INTUITO
Atirávamos pedras
à água para o
silêncio vir à tona.
O mundo, que os
sentidos tonificam,
surgia-nos então
todo enterrado
na nossa própria
carne, envolto
por vezes em ferozes
transparências
que as pedras
acirravam
sem outro intuito
além do de extraírem
às águas o
silêncio que as unia.
Luís Miguel Nava (Portugal)
Um comentário:
Duas belas poesias.
Bom fim de semana.
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