Postagem retirada na íntegra do blog Poesia Ilimitada, que recomendo.
W. Szymborska é uma das minhas poetisas favoritas. No entanto, nunca foi publicada em Cores & Palavras.
http://poesiailimitada.blogspot.co.uk/2012/07/wisawa-szymborska-4.html
O Poesia Ilimitada nunca escondeu a imensa admiração que nutre pela obra da poetisa polaca Wisława Szymborska (2 de Julho de 1923 - 1 de Fevereiro de 2012), recentemente falecida. Nascida em Prowent, Szymborska já vivia em Cracóvia quando recebeu o Prémio Nobel da Literaturade 1996, segundo a Academia Sueca «por uma poesia que com precisão irónica permite que os contextos histórico e biológico reluzam em fragmentos de realidade humana».
Este extraordinário post dá inicio à colaboração deTeresa Swiatkiewicz no Poesia Ilimitada como correspondente de poesia polaca, através da tradução a partir do original, de uma amostra de dois poemas de cada um dos últimos três livros da poetisa polaca, ainda inéditos em Portugal: "Dois Pontos" (2005), "Aqui" (2009) e "Basta" (2012). Seis poemas, portanto, deSzymborska, na tradução de Teresa Swiatkiewicz. Muito obrigado, Teresa.
ESTÁTUA GREGA
Apesar da ajuda das pessoas e de outras forças da natureza,
mesmo assim, o tempo teve muito que fazer.
Primeiro privou-a do nariz, depois dos órgãos genitais,
um a um, dos dedos das mãos e dos pés,
com o decurso dos anos, dos braços, um após outro,
da coxa direita e da coxa esquerda,
das costas e das ancas, da cabeça e das nádegas,
e o que caiu por terra, desfez em pedaços,
cacos, cascalho, areia.
Quando algum dos vivos morre desta maneira,
a cada golpada, muito sangue escorre.
As estátuas de mármore, porém, perecem brancas
e nem sempre até ao fim.
Da estátua, de que aqui se fala, resta o tronco
que, em esforço, parece suster a respiração,
pois agora tem
de atrair
a si
toda a graça e peso
do resto que se perdeu.
E consegue-o,
ainda o consegue,
finge e deslumbra,
deslumbra e perdura –
E, aqui, também o Tempo merece um elogio:
deixou para amanhã
o que podia fazer hoje.
§
ABC
Jamais saberei
o que A. pensava de mim.
Se B. acabou por me perdoar.
Por que razão fingia C. que tudo estava bem.
Qual a quota-parte de D. no silêncio de E.
O que esperava F. se acaso algo esperava.
Por que fingia G. sabendo de tudo.
O que tinha H. a esconder.
O que queria I. acrescentar.
Se o facto de eu estar por perto,
teve algum significado
para J. e K. e para o resto do alfabeto.
§
ADOLESCENTE
Eu – adolescente?
Se, de repente, aparecesse aqui, agora, diante de mim,
saudá-la-ia como pessoa que me é próxima,
embora seja, para mim, estranha e distante?
Verter uma lágrima, beijar-lhe a testa
pela simples razão de termos
a mesma data de nascimento?
Tão poucas semelhanças entre nós,
quiçá, apenas os ossos são os mesmos,
a caixa craniana, as órbitas.
Já que os olhos dela parecem maiores,
as pestanas mais compridas, ela mais alta
e todo o seu corpo revestido
com uma pele lisa, sem mácula.
Na verdade, ligam-nos parentes e conhecidos,
no mundo dela, porém, quase todos estão vivos,
enquanto no meu já não há quase ninguém
deste círculo que tínhamos comum.
Somos tão diferentes uma da outra,
pensamos e falamos sobre coisas tão diferentes.
Ela pouco sabe –
mas com uma teimosia digna de melhores causas.
Eu sei muito mais –
mas sem nada saber ao certo.
Mostra-me uns poemas,
escritos com letra clara e cuidada,
como já há muito eu não escrevo.
Leio esses poemas e leio.
Bem, talvez este daqui,
se o reduzirmos
e corrigirmos aqui e ali.
O resto nada de bom augura.
A conversa está difícil.
No seu pobre relógio,
o tempo ainda é vacilante e barato.
No meu, já é muito mais caro e preciso.
Na despedida nada, um breve sorriso
e nenhuma comoção.
Somente quando se afasta
e, apressada, se esquece do cachecol.
Um cachecol de pura lã,às riscas coloridasfeito em croché para elapela nossa mãe. Ainda hoje o tenho. §VERMEEREnquanto aquela mulher do Rijksmuseum,em quietude pintada e concentração, dia após dia, não verter o leite do jarro para a vasilha,o Mundo não merece o fim do mundo. §NO AEROPORTOCorrem um para o outro de braços abertos,exclamam ridentes: Até que enfim! Enfim! Ambos vestidos com agasalhos de inverno,gorros de lã, cachecóis,luvas,botas,mas só para nós. Porque um para o outro estão nus. Tradução de Ana Kalewska, Beata Cieszyńska e Teresa Swiatkiewicz§A MÃOVinte e sete ossos,trinta e cinco músculos,cerca de duas mil células nervosasem cada uma das pontas dos cinco dedos.É quanto basta para escrever Mein Kampfou A Casinha do Ursinho Puff.
Wisława Szymborska (Polónia)