14 de dezembro de 2013
11 de dezembro de 2013
ARTE POÉTICA
Que el verso sea
como una llave
Que abra mil
puertas.
Una hoja cae;
algo pasa volando;
Cuanto miren los
ojos creado sea,
Y el alma del
oyente quede temblando.
Inventa mundos nuevos y cuida tu palabra;
El adjetivo,
cuando no da vida, mata.
Estamos en el ciclo de los nervios.
El músculo
cuelga,
Como recuerdo, en
los museos;
Mas no por eso
tenemos menos fuerza:
El vigor
verdadero
Reside en la
cabeza.
Por
qué cantáis la rosa, ¡oh Poetas!
Hacedla florecer
en el poema ;
Sólo para
nosotros
Viven todas las
cosas bajo el Sol.
El Poeta es un pequeño Dios.
Vicente Huidobro
(Chile)
8 de dezembro de 2013
Há um homem à entrada dos meus sonhos
Recordando Nelson
Mandela, sempre
Desato o sono e
sento-me numa pedra, mais perto de mim.
E vi-o de novo.
Tão sereno como
uma vereda para a nascente.
Digo, então, que
há um homem à entrada dos meus sonhos.
Traz, nas mãos,
promessas de trigo
e, no olhar, a
alegria, presa por um fio.
Espanta-me a
facilidade com que chora.
Deve ser por isso
que existe um rio na minha insónia
e não posso
ignorar a limpidez dos seus olhos.
Graça Pires (Portugal)
Postagem retirada na íntegra do blog:
6 de dezembro de 2013
ADEUS, MADIBA
Os fortes são generosos na vitória. Assim foi Mandela, um heroi da Humanidade.
Que o Mundo siga o seu exemplo...
RIP!
Que nunca, nunca
mais este país magnífico reviva a experiência de opressão de uns pelos outros,
nem sofra a indignidade de ser o pária do mundo.
NELSON MANDELA
4 de dezembro de 2013
MARGARET SINGANA - A VOZ DE LADY AFRICA -
Margaret Singana, uma voz da Africa do Sul, que se ouve sempre com alegria, muito popular em Angola nos anos 70, do século XX.
VEM, DESESPERO
Vem, desespero
mata em minhas
veias o brilho desta lua
a enfeitar com
simulacros de prata
a miséria de
vidas sem destino.
vem, desespero
gela nas bocas o
murmúrio de conformismo
esse ópio de
vontades
a sabotar a flor
única de esperança
na planície dos
homens de rastos.
vem, oh! vem
desespero,
e cria nos homens
o ímpeto dos tornados.
Jofre Rocha (Angola)
3 de dezembro de 2013
ARTE POÉTICA
Arte Poética II
A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma
arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede
uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu
ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade
mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem
lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e
dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me
que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas,
densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com
as coisas, a minha paiticipação no real, o meu encontro com as vozes e as
imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida
concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos,
sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das
estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de
criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma
estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o
artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma
matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da
própria poesia a qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz
«obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua
visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas
esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua
necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da
obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do
poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias
foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras
entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o
meu reino, a minha vida.
Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal)
1 de dezembro de 2013
POEMA DO MENINO JESUS
Paulo Autran, disse o poema sem o censurar:
POEMA DO MENINO
JESUS
Num meio-dia de
fim de Primavera
Tive um sonho
como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo
descer à terra.
Veio pela encosta
de um monte
Tornado outra vez
menino,
A correr e a
rolar-se pela erva
E a arrancar
flores para as deitar fora
E a rir de modo a
ouvir-se de longe.
Tinha fugido do
céu.
Era nosso demais
para fingir
De segunda pessoa
da Trindade.
No céu tudo era
falso, tudo em desacordo
Com flores e
árvores e pedras.
No céu tinha que
estar sempre sério
E de vez em
quando de se tornar outra vez homem
E subir para a
cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa
toda à roda de espinhos
E os pés
espetados por um prego com cabeça,
E até com um
trapo à roda da cintura
Como os pretos
nas ilustrações.
Nem sequer o
deixavam ter pai e mãe
Como as outras
crianças.
O seu pai era
duas pessoas -
Um velho chamado
José, que era carpinteiro,
E que não era pai
dele;
E o outro pai era
uma pomba estúpida,
A única pomba
feia do mundo
Porque nem era do
mundo nem era pomba.
E a sua mãe não
tinha amado antes de o ter.
Não era mulher:
era uma mala
Em que ele tinha
vindo do céu.
E queriam que
ele, que só nascera da mãe,
E que nunca
tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a
bondade e a justiça!
Um dia que Deus
estava a dormir
E o Espírito
Santo andava a voar,
Ele foi à caixa
dos milagres e roubou três.
Com o primeiro
fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo
criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro
criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o
pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo
às outras.
Depois fugiu para
o Sol
E desceu no
primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na
minha aldeia comigo.
É uma criança
bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao
braço direito,
Chapinha nas
poças de água,
Colhe as flores e
gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos
burros,
Rouba a fruta dos
pomares
E foge a chorar e
a gritar dos cães.
E, porque sabe
que elas não gostam
E que toda a
gente acha graça,
Corre atrás das
raparigas
Que vão em
ranchos pelas estradas
Com as bilhas às
cabeças
E levanta-lhes as
saias.
A mim ensinou-me
tudo.
Ensinou-me a
olhar para as coisas.
Aponta-me todas
as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as
pedras são engraçadas
Quando a gente as
tem na mão
E olha devagar
para elas.
Diz-me muito mal
de Deus.
Diz que ele é um
velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar
para o chão
E a dizer
indecências.
A Virgem Maria
leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito
Santo coça-se com o bico
E empoleira-se
nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é
estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus
não percebe nada
Das coisas que
criou -
"Se é que
ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por
exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não
cantam nada.
Se cantassem
seriam cantores.
Os seres existem
e mais nada,
E por isso se
chamam seres."
E depois, cansado
de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus
adormece nos meus braços
E eu levo-o ao
colo para casa.
... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Ele mora comigo
na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna
Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano
que é natural.
Ele é o divino
que sorri e que brinca.
E por isso é que
eu sei com toda a certeza
Que ele é o
Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão
humana que é divina
É esta minha
quotidiana vida de poeta,
E é por que ele
anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu
mínimo olhar
Me enche de
sensação,
E o mais pequeno
som, seja do que for,
Parece falar
comigo.
A Criança Nova
que habita onde vivo
Dá-me uma mão a
mim
E outra a tudo
que existe
E assim vamos os
três pelo caminho que houver,
Saltando e
cantando e rindo
E gozando o nosso
segredo comum
Que é saber por
toda a parte
Que não há
mistério no mundo
E que tudo vale a
pena.
A Criança Eterna
acompanha-me sempre.
A direcção do meu
olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido
atento alegremente a todos os sons
São as cócegas
que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem
um com o outro
Na companhia de
tudo
Que nunca
pensamos um no outro,
Mas vivemos
juntos e dois
Com um acordo
íntimo
Como a mão
direita e a esquerda.
Ao anoitecer
brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da
porta de casa,
Graves como
convém a um deus e a um poeta,
E como se cada
pedra
Fosse todo o
universo
E fosse por isso
um grande perigo para ela
Deixá-la cair no
chão.
Depois eu
conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri
porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos
que não são reis,
E tem pena de
ouvir falar das guerras,
E dos comércios,
e dos navios
Que ficam fumo no
ar dos altos mares.
Porque ele sabe
que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem
ao florescer
E que anda com a
luz do Sol
A variar os
montes e os vales
E a fazer doer
aos olhos dos muros caiados.
Depois ele
adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo
para dentro de casa
E deito-o,
despindo-o lentamente
E como seguindo
um ritual muito limpo
E todo materno
até ele estar nu.
Ele dorme dentro
da minha alma
E às vezes acorda
de noite
E brinca com os
meus sonhos.
Vira uns de
pernas para o ar,
Põe uns em cima
dos outros
E bate palmas
sozinho
Sorrindo para o
meu sono.
... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Quando eu morrer,
filhinho,
Seja eu a
criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao
colo
E leva-me para
dentro da tua casa.
Despe o meu ser
cansado e humano
E deita-me na tua
cama.
E conta-me
histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a
adormecer.
E dá-me sonhos
teus para eu brincar
Até que nasça
qualquer dia
Que tu sabes qual
é.
... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Esta é a história
do meu Menino Jesus.
Por que razão que
se perceba
Não há-de ser ela
mais verdadeira
Que tudo quanto
os filósofos pensam
E tudo quanto as
religiões ensinam ?
Alberto Caeiro (Portugal)
26 de novembro de 2013
ARTE POÉTICA
Arte Poética V
Na minha
infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema
tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de começar
pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.
Eu era de facto
tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que
eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome
deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também
que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos
do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em
si.
No fundo, toda a
minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio
no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem
silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.
Um dia em
Epidauro — aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas —
coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E
ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada
de mim.
Tempos depois,
escrevi estes três versos:
A voz sobe os
últimos degraus
Oiço a palavra
alada impessoal
Que reconheço por
não ser já minha.
(Lido na
Sorbonne, em Paris, em Dezembro de 1988,
por ocasião do
encontro intitulado Les Belles Étrangères.)
Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal)
22 de novembro de 2013
POEMA DE WESLEY CORREIA
Conheci o poeta na postagem de Martha, http://mariamuadie.blogspot.co.uk/search/label/Wesley%20Correia
Gostei e fui procurando por mais.
ALTER FACE
para NMF
É tarde!
E, talvez, muito
cedo
para os
labirintos inócuos de Rimbaud:
a estranheza do
mundo em um copo d'agua
É tarde, meu bem.
Nem o relógio se
atreve dizer horas.
Paira, na sala de
estar, o odor
salutar dos
versos nocivos.
É tarde, querida.
Tão tarde a ponto
dos sustos
e dos prazeres
ficarem de mal de
mim.
É tarde, Gullar:
não há teorias
nem críticas
nem vanguardas.
O que há: é o
poema a vomitar-se.
O poema que
apenas Kafka conheceu.
É tarde.
Muitíssimo tarde, amor!
Para provocar -
sendo assim tão tarde -
a cama a caneca
de café a
televisão
tiram a roupa
frente meus olhos
é tarde angústia
é tarde alegria é tarde gastrite
dor de cabeça e
mau funcionamento dos rins
é tarde, vida e
sonho
é tarde, sono
mais seguro
dormir e, quiçá, não será amanhã tão
tarde!
Quiçá, tudo
se recomporá
como
no primeiro
início
do instante
inabitado.
Wesley Barbosa Correia (Brasil)
8 de novembro de 2013
POEMAS DE Suffit Kitab Akenat
POEMAS:
18Vives uma fuga
Veloz que nem conheces
O canto que cantas
18Vives uma fuga
Veloz que nem conheces
O canto que cantas
22
Vê a sombra rápida
Que passa sem pensar
E pensa que passa
109Educar é fácil
Se treinares teu filhinho
Para te educar
***
Lendo o horóscopo nas entrelinhas
Interpreto a nostalgia de um gesto evasivo
A obscura citação do amor encurralado.
Piano e flauta andina ou cítara de doze cordas
Recuperem a doce memória submersa por aluviões
De versos frígidos sem resposta.
A voz arrasta-se pelas paredes
Tensa e fria
Pétala castanha contra o vidro embaciado
De florir o tambor do peito.
Ó meu amado!
Suffit Kitab Akenat (1905-?) é uma escritora nascida em Tesseney, na fronteira entre Axum e a Eritreia, naquilo que se convencionou chamar o «corno de África». Segundo Pires Laranjeira (Professor da Universidade de Coimbra), autor do elucidativo prefácio da obra “Máximas Mínimas e outros textos”, publicado em língua portuguesa pela editora Landy.
Retirado do blog: Sopa de Poesia
5 de novembro de 2013
TODAS AS COISAS...
Todas as coisas
têm o seu tempo, todas passam
debaixo do céu
segundo seu tempo
e há um tempo
para todo o propósito debaixo do céu.
Ah! Certamente
tornarei a isto por este tempo de vida.
Ao tempo
determinado, tornarei a isto por este tempo de vida.
Porque dirão: eis
um homem deste século,
um homem de
África, debaixo da sua mangueira
e debaixo da sua
papaeira, um homem
com seu desejo de
audiência e história,
sua voz aberta e
sua digníssima pele,
falando da África
deste tempo e de seu povo,
seus órgãos do
canto.
Um homem que não
habita seguro em sua freguesia
e seu sémen
destina às filhas de Mindelo,
de Acra, de
Lagos, de Nairobi, Dar-Es-Salam ou Addis-Abeba,
e cai sobre a
terra quando for seu tempo de cair
e de se juntar a
seus pais, cara a cara, indo pelo caminho de toda a terra,
ao seu tempo, ao
tempo determinado,
sem o lamento da
América nem o escárnio da Europa.
João
Vário (Cabo Verde)
23 de outubro de 2013
POEMA DE JOÃO-MARIA VILANOVA
A MÃO DO VENTO NA
SAVANA
Que voz perpassa
em teu dorso
quando
a noite
passos-de-onça
se aproxima?
Memória de areais
Negras falésias?
Se te escutando
paciente é o
trabalhar
de onda.
Eflúvios frémito
um deus muíla que
subisse
monandengue
só da raiz do
sangue.
João-Maria
Vilanova (Angola)
Sobre João-Maria Vilanova (texto retirado do site da
UEA-Uniao de Escritores Angolanos):
João Maria Vilanova, poeta da geração de 70, é um nome que esconde o maior
enigma da literatura angolana, um heterónimo que encobre muito bem o seu autor
biológico-histórico, continua fictício até hoje.
Na linha do pensamento teórico que vai de Stephane Mallarmé a Jonathan
Culler “interessa reflectir sobre a teoria da textualidade: a noção de que é a
palavra que constrói a realidade, e, portanto, é responsável pela criação
daquele espaço criador que é o autor. Nesta linha de pensamento, o autor
desaparece para dar lugar a palavras, cuja acção não só cria a obra, mas também
o próprio autor. Roland Barthes identifica esse fenómeno como o “espaço
discursivo de individuação” o qual estabelece certa unidade textual que nos
permite ultrapassar as contradições, nas quais se neutralizam os dados
biográficos (Barthes, Roland, «Roland Barthes par lui-même», Paris: Seuil
(1975)”, teorização desenvolvida pela ensíata Joanna Courteau (Ames), ler o
texto intitulado «D´A varanda do frangipani à morte dos heterónimos», in
Lusorama, nr. 50 (Juni 2002).
Jorge Macedo garante que conheceu o poeta quando esteve a trabalhar no
Kuanza Norte, ou seja, suspeita que tenha sido “um juiz branco que gostava da
poesia angolana, que conhecia as diversas propostas poéticas”. Muitos são os
escritores dessa geração que lançam suspeitas para todas as direcções.
Galadoardo em 1971 com o Prémio Mota Veiga, atribuído a «Vinte canções para
Ximinha», nunca apareceu para receber o merecido prémio. Mas não deixou de
aparecer, em 1974, através da revista Ngoma, mantendo-se na mesma no meio de
uma «grande nuvem». Em 1974, edita «Cadernos de um guerrilheiro».
João - Maria Vilanova é um poeta que usa o bilinguismo como seu recurso de
escrita e por ser assim “marcadamente bilinguista, regionalista, vanguardista,
intraduzível, e, portanto, inequivocamente pré-angolana, a poesia de João
Vilanova paga o preço do desconhecimento mundial, enquanto a poesia de
Agostinho Neto, retórica, grandiloquente, alegórica, aristotélica, aspirante ao
universalismo, aufere fama de múltiplas traduções. Vilanova realiza na poesia
algo como José Luandino Vieira na prosa: retira à História da Literatura
Portuguesa poder de anexação”, são palavras do crítico Pires Laranjeira.
O ensaísta vai mais longe na sua análise estrutural quando afirma que “Não
há recorrência ao empolamento do metaforismo e da ruptura abrupta da ritmia do
discurso, como seria usual nas concepções poéticas latino-europeias. As
rupturas e empolamentos situam-se em níveis do discurso diferentes da
literatura portuguesa. A inovação é, por isso, de sinal radicalmente
anticolonialista. O discurso não pode ser apropriado pelas instâncias
colonialistas por se inscrever nos antípodas da sua boa consciência. A forma
dialógica é também inalienável da condição de herdeiro da estrutura da
narrativa bantu.”.
Pires Laranjeira não deixa de realçar na sua crítica o apuramento
estilístico de Vinanova que foge do discurso directo: “A denúncia do
paternalismo, como de outras sequelas do colonialismo, quase nunca se faz em
linguagem expositiva, panfletária. A força, o propósito do discurso poético não
é do mesmo género do discurso político.”
Os quimbos quietos pensados no silêncio (...) Da Envagélica os cânticos se
derramando na voz do vento: povo
Excerto de um poema in Vinte Canções para Ximinha.
Para o professor Manuel Ferreira, o poeta anónimo "será o que mais
conscientemente prolonga e renova as experiências dos poetas da Mensagem e da
Cultura (II). Tudo leva a crer que Vilanova venha dos tempos da Mensagem,
notadamente quando o seu enunciado é a expressão de um certo quotidiano povoado
de rememorações; nelas e na narração evocativa um mundo de anseios e suspensões
significativas nos povoa a imaginação".
Ainda segundo Manuel Ferreira, em Caderno de um guerrilheiro, o poeta elege
como temática "o povo angolano crescendo na luta armada." e
considera-o como o poeta do "rigor e da elaborada interiorização da gesta
do povo angolano, com uma fala para cada tema, uma gramática pessoal na fusão
de níveis e áreas linguísticas, mesmo quando o real é momentâneo e no seu verbo
se trtansfigura e dimensiona".
22 de outubro de 2013
21 de outubro de 2013
PASTELARIA
Afinal o que
importa não é a literatura
nem a crítica de
arte nem a câmara escura
Afinal o que
importa não é bem o negócio
nem o ter
dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que
importa não é ser novo e galante
- ele há tanta
maneira de compor uma estante!
Afinal o que
importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair
verticalmente no vício
Não é verdade,
rapaz? E amanhã há bola
antes de haver
cinema madame blanche e parola
Que afinal o que
importa não é haver gente com fome
porque assim como
assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que
importa é não ter medo
de chamar o
gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este
leite está azedo!
Que afinal o que
importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da
pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável
de quem sabe e gosta
ter lavados e
muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny (Portugal)
15 de outubro de 2013
TOO MANY RIVERS TO CROSS
Many rivers to cross
But I can't seem to find my way over
Wandering I am lost
As I travel along the white cliffs of dover
Many rivers to cross
And it's only my will that keeps me alive
I've been licked, washed up for years
And I merely survive because of my pride
And this loneliness won't leave me alone
It's such a drag to be on your own
My woman left me and she didn't say why
Well, I guess I'll have to cry
Many rivers to cross
But just where to begin I'm playing for time
There have been times I find myself
Thinking of committing some dreadful crime
Yes, I've got many rivers to cross
But I can't seem to find my way over
Wandering, I am lost
As I travel along the white cliffs of Dover
Yes, I've got many rivers to cross
And I merely survive because of my will...
9 de outubro de 2013
LOS MACHUCAMBOS: HASTA SIEMPRE COMANDANTE
HASTA SIEMPRE COMANDANTE
Aprendimos a quererte
Desde la histórica altura
Donde el sol de tu bravura
Le puso un cerco a la muerte.
Tu mano gloriosa y fuerte
Sobre la historia dispara
Cuando todo santa clara
Se despierta para verte.
Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara.
Vienes quemando la brisa
Con soles de primavera
Para plantar la bandera
Con la luz de tu sonrisa.
Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara.
Tu amor revolucionario
Te conduce a nueva empresa
Donde esperan la firmeza
De tu brazo libertario.
Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara.
Seguiremos adelante
Como junto a ti seguimos
Y con fidel te decimos:
Hasta siempre comandante.
Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara
8 de outubro de 2013
2 de outubro de 2013
POEMA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA
Não Posso Adiar o Amor
Não posso adiar o
amor para outro século
não posso
ainda que o grito
sufoque na garganta
ainda que o ódio
estale e crepite e arda
sob as montanhas
cinzentas
e montanhas
cinzentas
Não posso adiar
este braço
que é uma arma de
dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite
pese séculos sobre as costas
e a aurora
indecisa demore
não posso adiar
para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito
de libertação
Não posso adiar o
coração
António Ramos
Rosa (Portugal) 1924 -2013
POEMA DE JOSÉ GOMES FERREIRA
Morte de D.
Quixote
III
Pobres, gritai
comigo:
Abaixo o D.
Quixote
com cabeça de
nuvens
e espada de
papelão!
(E viva o Chicote
no silêncio da
nossa Mão!)
Pobres, gritai
comigo:
Abaixo o D.
Quixote
que só nos
emperra
de neblina!
(E viva o Archote
que incendeia a
terra,
mas ilumina!)
Pobres, gritai
comigo:
Abaixo o
cavaleiro
de lança de
soluços
e bola de sabão
no elmo de
barbeiro!
(E vivam os
nossos Pulsos
que, num repelão,
hão-de rasgar o
nevoeiro!)
José Gomes Ferreira
18 de setembro de 2013
DOIS POEMAS DE MIGUEL HERNÁNDEZ
YO NO QUIERO MÁS
LUZ QUE TU CUERPO ANTE EL MÍO
Yo no quiero más
luz que tu cuerpo ante el mío:
claridad
absoluta, transparencia redonda.
Limpidez cuya
extraña, como el fondo del río,
con el tiempo se
afirma, con la sangre se ahonda..
¿Qué lucientes
materias duraderas te han hecho,
corazón de
alborada, carnación matutina?
Yo no quiero más
día que el que exhala tu pecho.
Tu sangre es la
mañana que jamás se termina.
No hay más luz
que tu cuerpo, no hay más sol: todo ocaso.
Yo no veo las
cosas a otra luz que tu frente.
La otra luz es
fantasma, nada más, de tu paso.
Tu insondable
mirada nunca gira al poniente.
Claridad sin
posible declinar. Suma esencia
del fulgor que ni
cede ni abandona la cumbre.
Juventud.
Limpidez. Claridad. Transparencia
acercando los
astros más lejanos de lumbre.
Claro cuerpo
moreno de calor fecundante.
Hierba negra el
origen; hierba negra las sienes.
Trago negro los
ojos, la mirada distante.
Día azul. Noche
clara. Sombra clara que vienes.
Yo no quiero más
luz que tu sombra dorada
donde brotan
anillos de una hierba sombría.
En mi sangre,
fielmente por tu cuerpo abrasada,
para siempre es
de noche: para siempre es de día.
EL HERIDO II
Para la libertad
sangro, lucho, pervivo,
Para la libertad,
mis ojos y mis manos,
Como un árbol
carnal, generoso y cautivo,
Doy a los
cirujanos.
Para la libertad
siento más corazones
Que arenas en mi
pecho: dan espumas mis venas,
Y entro en los
hospitales, y entro en los algodones
Como en las
azucenas.
Para la libertad
me desprendo a balazos
De los que han
revolcado su estatua por el lodo.
Y me desprendo a
golpes de mis pies, de mis brazos,
De mi casa, de
todo.
Porque donde unas
cuencas vacías amanezcan,
Ella pondrá dos
piedras de futura mirada
Y hará que nuevos
brazos y nuevas piernas crezcan
En la carne
talada.
Retoñarán aladas
de savia sin otoño
Reliquias de mi
cuerpo que pierdo en cada herida.
Porque soy como
el árbol talado, que retoño
Porque aún tengo
la vida.
Miguel Hernández
(Espanha)
Miguel Hernández
Gilabert, nado en Orihuela, provincia de Alacant, o 30 de outubro de 1910 e
finado en Alacant o 28 de marzo de 1942, foi un poeta e dramaturgo de especial
relevancia na literatura castelá do século XX. Aínda que tradicionalmente
estivo encadrado na xeración do 36, Miguel Hernández mantivo unha maior proximidade
coa xeración anterior, ata o punto de ser considerado por Dámaso Alonso como
«xenial epígono da xeración do 27».
Prisión e Morte
En abril, o
xeneral Franco declara concluída a guerra, cando se rematara de imprimir en
Valencia El hombre acecha; aínda sen encadernar, unha comisión depuradora
franquista, presidida polo filólogo Joaquín de Entrambasaguas, ordena a
destrución completa da edición; porén dous exemplares que se salvaron
permitirán reeditar o libro en 1981. O seu amigo Cossío ofrécese a acollelo en
Tudanca, pero o poeta decidiu volver a Orihuela. Pero alí corre moito risco e
decide ir a Sevilla pasando por Córdoba coa intención de cruzar a fronteira de
Portugal por Huelva, pero a policía de Salazar entrégao á Garda Civil; do
cárcere de Sevilla trasládano ó penal de Torrijos en Madrid, e alí, grazas ás
xestións que realiza Pablo Neruda ante un cardeal, é posto en liberdade
inesperadamente sen ser procesado en setembro de 1939. De volta a Orihuela, é
delatado e detido, e xa na prisión da praza de Conde de Toreno en Madrid, é
xulgado e condenado a morte en marzo de 1940. Cossío e outros amigos
intelectuais interceden por el e se lle conmuta a pena pola de trinta anos de
reclusión. Pasa á prisión de Palencia en setembro de 1940 e en novembro ó Penal
de Ocaña. En 1941 é trasladado ó Reformatorio de Adultos de Alacant. Da
bronquite pasa ó tifo, e este se lle complica con tuberculose. Falece na
enfermería da prisión alacantina ás 5.30 da mañá do 28 de marzo de 1942, con 31
anos de idade. Dise que non puideron pecharlle os ollos, feito sobre o que o
seu amigo Vicente Aleixandre compuxo un poema. É enterrado no nicho número 1.009
do camposanto da Nosa Señora do Remedio de Alacant, o 30 de marzo.
Obras
Poesía
Perito en lunas,
Murcia 1933 (Prólogo de Ramón Sijé).
El rayo que no
cesa, Madrid 1936.
Viento del
pueblo. Poesía en la guerra, Valencia 1937 (Prólogo de Tomás Navarro Tomás).
El rayo que no
cesa, Bos Aires 1949 (Prólogo de José María Cossío. Inclúe poemas inéditos).
Seis poemas
inéditos y nueve más, Alscante 1951.
Obra escogida,
Madrid 1952 (Inclúe poemas inéditos).
Cancionero y
romancero de ausencias (1938–1941), Bos Aires 1958 (Prólogo de Elvio Romero).
Antología, Bos
Aires 1960 (Selección e Prólogo de Mª de Gracia Ifach. Inclúe poemas inéditos).
Obras completas,
Bos Aires 1960 (Ordenada por E. Romero. Prólogo de Mª de Gracia Ifach).
El hombre acecha,
Santander 1961 (Facsímile da primeira edición de 1939 perdida na imprenta).
Obra poética
completa, Madrid 1979 (Introdución, estudio e notas de Leopoldo de Luis e Jorge
Urrutia).
Veinticuatro
sonetos inéditos, Alacant 1986 (Edición de José Carlos Rovira).
Teatro
Quién te ha visto
y quién te ve y sombra de lo que eras, Madrid 1929.
El labrador de
más aire, Valencia 1937.
Teatro en la
guerra, Alacant 1938.
Texto em Galego,
retirado de Wikipedia
Dois Poemas de Fernando Assis Pacheco, Sobre a Guerra Colonial
Cores & Palavras, recomenda a visita ao blog "A Matéria do Tempo" http://amateriadotempo.blogspot.co.uk/ , pela sua qualidade, variedade cultural, literária e temática. Com a permissao do dono do blog, uma das suas postagens:
A MISSÃO DOS SETENTA E DOIS
(1)
E depois disto designou o comandante
ainda outros setenta e dois e mandou-os
em fila adiante de si
por todos os matos e morros
aonde ele devera ter ido.
E dizia-lhes: grande é na verdade
a guerra, poucos os homens.
Rogai pois ao dono da guerra
que mande homens
para a sua (dele dono) guerra.
Ide, e olhai, que eu vos mando
como lobos entre cordeiros.
Levai bornal, cantil, calçado
de lona e a ninguém saudeis
senão com fogo pelo caminho.
Na cabana aonde entrardes
dizei primeiro do que tudo:
guerra seja nesta casa;
e se ali houver algum
filho da guerra descerá
sobre ele a vossa guerra;
porque senão a guerra, a guerra, a guerra
vos enganará.
(2)
Voltaram mais tarde os setenta e dois
muito alegres
dizendo: senhor, até mesmo
os demónios se nos submetem
em virtude do teu nome.
E o comandante lhes volveu:
eu via cair do céu
a Satanás, como um relâmpago.
Dei-vos então o poder
de pisardes serpentes, e escorpiões,
e toda a força do inimigo;
e nada vos fará dano.
(3)
Digo-vos que naquele dia
haverá menos rigor para Sodoma
do que para tal povo.
E tu, Quinguengo, que te elevaste
até ao alto da mata
-- serás submergida até ao inferno.
Pois eu vos afirmo que foram
muitos os profetas e reis
que desejaram ver o que vós vedes, e não o viram;
e que desejaram ouvir o que vós ouvis
e não o ouviram.
Os PV-2 acertam sempre.
MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO
Mas não puxei atrás a culatra,
não limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.
Não houve pois cercos, balas
que demovessem este forçado.
Viram-no à mesa com grandes livros,
com grandes copos, grandes mãos aterradas.
Viram-no mijar à noite nas tábuas
ou nas poucas ervas meio rapadas.
Olhar os morros, como se entendesse
o seu torpor de terra plácida.
Folheando uns papéis que sobraram
lembra-se agora de haver muito frio.
Dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.
Fernando Assis Pacheco (1937-1995), jornalista e poeta
NOTAS: (Da autoria de Fernando Ribeiro, dono do blog A Matéria do Tempo.)
1 -- O muito frio de que fala Fernando Assis Pacheco, neste segundo poema, não é certamente para ser tomado à letra, pois a região dos Dembos não é fria. O poeta deve referir-se ao frio na alma.
2 -- Tal como Fernando Assis Pacheco, também eu fui mandado para a Guerra Colonial no cumprimento do serviço militar obrigatório. Estive em Angola com o posto de alferes miliciano. E tal como a Fernando Assis Pacheco, a mim também viram «com grandes livros, / com grandes copos, grandes mãos aterradas». Eu não li Ruy Belo, como ele fez, mas li Fernando Pessoa, Eça de Queirós, Soeiro Pereira Gomes, José Rodrigues Miguéis, Gabriel García Márquez e outros. Os livros, tal como a música, permitiram-me esquecer por momentos a guerra e conseguir manter um mínimo de lucidez no meio daquela insanidade.
3 -- A mim, não me me viram «mijar à noite nas tábuas / ou nas poucas ervas meio rapadas». À noite, eu era o último a deitar-me. Dominado por uma avalanche de pensamentos e de emoções, eu percorria incessantemente a parada do quartel, para trás e para a frente, fumando cigarros atrás de cigarros e tendo como única companhia as estrelas do céu e o ruído monótono do gerador, que alimentava a iluminação periférica do quartel do mato onde me encontrava. Pensava, por exemplo, em como tinha sido estúpido em me deixar cair na armadilha em que estava, de ter que fazer uma guerra que não desejava, contra um inimigo que não odiava, numa terra que não conhecia, para defender uma sociedade que se me tinha revelado incomparavelmente mais cruel e desumana do que tinha imaginado antes de partir para Angola.
4 -- Eu tive o privilégio único de comandar os melhores soldados do Mundo. Estou completamente convencido disto. Tenho diversas razões, bem reais e bem concretas, para assim pensar. Não as vou expor, porque seria longo e fastidioso, mas a verdade é que comandei os soldados mais valentes, sacrificados, esforçados, generosos e compassivos do Mundo. Mesmo. Negros, brancos e mestiços, sem exceção. A admiração que eu sentia por eles não tinha limites. Sentia-me capaz de dar a vida por eles, o que quase aconteceu.
5 -- Nas noites de insónia referidas acima, eu pensava, sobretudo, nos soldados que comandava e também nos seus pais e mães, nas suas esposas, nas suas namoradas, nos seus irmãos e em todos os outros familiares e amigos deles, que aguardavam ansiosamente que eles voltassem daquela guerra sãos e salvos. É certo que numa guerra há sempre mortos e feridos; eu sentia que isso era inevitável. Mas o que me angustiava mais era a possibilidade de algum dos meus heroicos subordinados perder a vida ou ficar mutilado por minha causa, por eu ter dado uma ordem errada ou por ter tomado uma decisão demasiado tardiamente, no decurso de uma operação militar. Nunca me perdoaria se tal viesse a acontecer. Os meus homens confiavam em mim e eu não podia trair esta confiança, acontecesse o que acontecesse. Apesar de só ter pouco mais de vinte anos de idade ou por isso mesmo, eu sentia sobre os meus ombros o peso esmagador das vidas humanas que me tinham sido confiadas. Era esta medonha responsabilidade que me tirava o sono.
6 -- Os meus superiores hierárquicos do quadro permanente eram indivíduos completamente insensíveis à morte e ao sofrimento alheios, desde que isso lhes permitisse subir na sua carreirazinha militar. Incapazes de correr os riscos inerentes à sua condição de profissionais da guerra, eles queriam por força ganhar medalhas e promoções à custa do heroísmo dos outros. Como eu invejava esta insensibilidade! Enquanto eu passava as noites a deambular pela parada, angustiado, eles dormiam tranquilamente o sono dos irresponsáveis. Que inveja!
EDITADO POR FERNANDO RIBEIRO no seu blog: http://amateriadotempo.blogspot.co.uk/
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