31 de maio de 2007

XICUEMBO


Eu bebeu suruma
dos teus ólho Ana Maria
eu bebeu suruma
e ficou mesmo maluco

agora eu quero dormir quer comer
mas não pode mais dormir
não pode mais comer

suruma dos teus olhos Ana Maria
matou sossego no meu coração
oh matou sossego no meu coração

eu bebeu suruma oh suruma suruma
dos teus ólho Ana Maria
com meu todo vontade
com meu todo coração

e agora Ana Maria minhamor
eu não pode mais viver
eu não pode mais saber

que meu Ana Maria minhamor
é mulher de todo gente
é mulher de todo gente
todo gente todo gente

menos meu minhamor.


Rui Nogar (Mocambique)

Canção para Luanda



A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xé
mana Rosa peixeira
responde?

-Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!

"Olá almoço, olá almoçoeee
matona calapau
ji ferrera ji ferrereee"

- E você
mana Maria quintandeira
vendendo maboques
os seios-maboque
gritando, saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
"maboque, m'boquinha boa
doce docinha"

- Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
o corpo vendido
baton nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo o seu corpo
- seu corpo cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
- precisa comer!

- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casa antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
tractor derrubou?

Meninos das ruas
cacambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
- Luanda onde está?

Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
- os panos pintados
garridos, caidos
mostraram o coração:
- Luanda está aqui!


Luandino Vieira (Angola)

NÚPCIAS



Penetro
esse colchão de cristal
e
um lençol de mar
me envolve
tecendo o meu vestido raro,
espuma e sal.

Interrompo estas núpcias com o coral,
vem-me o mavioso murmurar
das palmeiras pela brisa,
será que não aprovam?






Ana de Santana (Angola)

LÁ NO HORIZONTE




Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas escuras dos imbondeiros
de braços erguidos
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas

Poesia africana

Na estrada
a fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha dos olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó de arroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama
o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa

No céu o reflexo
do fogo
e as silhuetas dos negros batucando
de braços erguidos
No ar a melodia quente das marimbas

Poesia africana

E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem insone

Os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.


Agostinho Neto (Angola)

SOB AS ACÁCIAS FLORIDAS


1

Com Novembro a chiar nestas cigarras
as acácias sangrando suas flores
e um sol afirmativo num céu alto

Espero a tua carta e a minha vida

Uma pausa do tempo em minhas mãos
preenchida
pela contagem das horas
nas cigarras e pétalas caídas.

2

A rua corre larga e sossegada
É a hora de tu vires!
Tu vens (eu sei) na moldura vesperal
com esta luz do passado nas paredes
e este céu de altocúmulos de Dezembro.

Com os estames d'acácia
jogo a vida nas sortes infantis
«Antera cai? Não cai? Ela virá? Não vem?»
E a cada sorte recuso a evidência
«Ela virá? Não vem?»
É a hora de chegares!

3

Os aros dos meus óculos te emolduram
ó Vénus de cabelos desfrizados!
Enquanto as minhas mãos, cegas, procuram
o cofre dos teus seis apertados.

Construímos assim a primavera
- a negada primavera dos amores:
Pega uma flor d'acácia para a pores
no meu cabelo indómito de fera.

Repara e vê a doce realidade:
os nossos jogos simples e ingénuos!
Esta soalheira vespertina hoje é-nos
bela imagem da nossa felicidade.

4

Cigarreio sem sol neste Dezembro.
E um céu da cor da angústia que me dá
a tua ausência em carne e em pensamento.

Magoa-me o teu rosto que não lembro
e o tau vestido branco táfetá
que voava batido pelo vento.

Se esta vida tão clara e simples fosse
como a imagem fixada desse instante
nenhum mal me faria esta chuva precoce.

Chuva, mãe dos poetas, minha amante,
lava às acácias o sanguíneo canto,
cala a voz das cigarras e o meu pranto!


Mario Antonio (Angola)

29 de maio de 2007

TÁBUA DE ADRIANO B. VASCONCELOS




Sobre a obra, Ana de Sá, Especialista em Línguas Africanas, teceu as seguintes considerações: «A palavra faz e desfaz, constrói o abandono, desfrutando, pelo seu som, o silêncio; a voz cede o seu lugar cativo aos outros sentidos físicos que se compõem em poesia. A recorrente metáfora poética do tecto surge, neste sentido, como expressão do desejo de toque do inatingível, do alto, do máximo organizador ao qual se acede precisamente pela vogal, pelo verbo com poder de nomear e de apropriar na subjectividade o visível, o perceptível e o imaginável. O espelho é filtrado pela visão na sedução da imagem com a obsessão pela palavra. As mãos, os dedos, a boca que sentem o barro, o ouro e a terra, o húmus fértil, tal como a dança que envolve toda a percepção sensorial, comunicam com as artes, as da palavra e as do corpo». Inocência Mata, Professora Doutora em Línguas Africanas, diz que «Este livro o poeta desfiando, pacientemente qual cágado, aquele que «passou pela fogueira/como quem inicia o passeio» do primeiro ao último poema, os lugares esconsos do «relato de nação», feito de dores, de heróis em discursos vazios, de fístulas (as feridas, mas também os canais), desde a Baixa de Kassanje, lugar simbólico de gestação nacionalista e palco dos nefandos acontecimentos que tornaram mais visíveis a sanha colonialista, e do rio Kwanza, «que levou para o mar os corpos dos homens que foram/violados», até chegar à Kanjala à luz, que traz uma nova possibilidade de recomeço: Kanjala com o seu tempo perfeito depois De muitas fogueiras. Um milheiral levanta a terra numa mesa Acesa que ocupa o horizonte. Este livro de Botelho de Vasconcelos desinstala verdades inquestionáveis, desoculta presunções consensualistas, perturbando as consciências mais transparecentes. Fá-lo rasteando o mapa da sua afectividade (familiar, social, política e ideológica) e convidando a que a Pátria revele os lugares dos seus silêncios. No mais, este livro traz à cena literária angolana uma pedra: uma nova forma de procedimento poético, baralhando os esquemas estanques das categorias literárias, causando estranhamento. Que é, como se sabe desde o Formalismo russo, uma das funções construtivas do literário». E em último excerto analitico, Cármen Lúcia Tindó Secco, Professora Doutora da UFRJ Brasil, escreveu o seguinte comentário: «A dança também ilumina e movimenta o eu do poema que se quer lúcido, crítico da vida, do espectáculo da modernidade, da teia trágica de inúmeras guerras e desenlaces. É evidente a amarga lucidez do poeta nos seguintes versos: «Eu tenho a minha desilusão diante da cidade, cuja verdade é um painel de publicidade». (Tábua pág. 64) Memória e esquecimento dialogam por entre os fios da poesia de Adriano Botelho de Vasconcelos. O que lembra e para quê? O que omite e por quê?».




www.uea-angola.org


I HAVE A DREAM (EXTRACTO)


I am happy to join with you today in what will go down in history as the greatest demonstration for freedom in the history of our nation.
Five score years ago, a great American, in whose symbolic shadow we stand today, signed the Emancipation Proclamation. This momentous decree came as a great beacon light of hope to millions of Negro slaves, who had been seared in the flames of withering injustice. It came as a joyous daybreak to end the long night of their captivity. But one hundred years later, the Negro still is not free. One hundred years later, the life of the Negro is still sadly crippled by the manacle of segregation and the chains of discrimination.
One hundred years later, the Negro lives on a lonely island of poverty in the midst of a vast ocean of material prosperity. One hundred years later, the Negro is still languish in the corners of American society and finds himself an exile in his own land So we've come here today to dramatize a shameful condition. (...)
Let us not wallow in the valley of despair. I say to you today, my friends, so even though we face the difficulties of today and tomorrow. I still have a dream. It is a dream deeply rooted in the American dream.
I have a dream that one day this nation will rise up... live out the true meaning of its creed. We hold these truths to be self-evident that all men are created equal.
I have a dream that one day on the red hills of Georgia the sons of former slaves and the sons of former slave owners will they be able to sit down together at the table of brotherhood.
I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of injustice, sweltering with the heat of oppression will be transformed into an oasis of freedom and justice.
I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character.
I have a dream today.
I have a dream that one day down in Alabama, with its vicious racists, with its governor having his lips dripping with the words of interposition and nullification; one day right down in Alabama little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as sisters and brothers.
I have a dream today.
I have a dream that one day every valley shall be exalted, every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plains and the crooked places will be made straight and the glory of the Lord shall be revealed and all flesh shall see it together.
This is our hope. This is the faith that I go back to the South with. With this faith we will be able to hew out of the mountain of despair a stone of hope.
With this faith we will be able to transform the jangling discords of our nation into a beautiful symphony of brotherhood.
With this faith we will be able to work together, to pray together, to struggle together, to go to jail together, to stand up for freedom together, knowing that we will be free one day.
This will be the day, this will be the day when all of God's children be able to sing with new meaning "My country 'tis of thee, sweet land of liberty, of thee I sing. Land where my fathers died, land of the Pilgrim's pride, from every mountainside, let freedom ring!"
And if America is to be a great nation, this must become true. So let freedom ring from the prodigious hilltops of New Hampshire. Let freedom ring from the mighty mountains of New York.
Let freedom ring from the heightening Alleghenies of Pennsylvania.
Let freedom ring from the snow-capped Rockies of Colorado.
Let freedom ring from the curvaceous slopes of California.
But not only that, let freedom, ring from Stone Mountain of Georgia.
Let freedom ring from Lookout Mountain of Tenneessee.
Let freedom ring from every hill and molehill of Mississippi, from every mountainside.
Let freedom ring,
And when this happens,and when we allow freedom ring, when we let it ring from every village and every hamlet, from every state and every city, we will be able to speed up that day when all of God's children, black men and white men, Jews and Gentiles, Protestants and Catholics, will be able to join hands and sing in the words of the old negro spiritual, "Free at last, free at last. Thank God Almighty, we are free at last."




Dr. Martin Luther King Jr. (Pacifista e activista negro Norte Americano - 1929 - 1968)

Discurso proferido em Washington D.C. a 28 de Agosto de 1963, um belo texto em prosa, um excelente poema...
E Portugues: www.portalafro.com.br

ILHA




Tu vives — mãe adormecida —
nua e esquecida,
seca,
fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…

Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
— os sonhos dos teus filhos —
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!

Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
— terra dura —
rochas escarpadas tapando os horizontes,

mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!


- um poema de Amílcar Cabral - Praia, Cabo Verde, 1945 -

NATURALIDADE




Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem raiz a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável ... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.


Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.



Rui Knopfli (Mocambique)

QUE É SAO TOMÉ

Ilha de S. Tome, uma beleza que nao corresponde ao poema...


Quatro anos de contrato
com vinte anos de roça.
Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné
Eu foi São Tomé!
Calção e boné
boné e calção
cabelo rapado
dinheiro na mão...
Agora então volto
mas volto outra vez
à terra que é nossa.
Acabou-se o contrato
dos anos na roça
Eu vi São Tomé!
Cuidado com o branco
que anda por lá...
Não sejas roubado
cuidado! cuidado!
Dinheiro de roça
ganhaste-o. Té dá
galinhas... e bois...
e terras... Depois
já tiras de graça
o milho da fuba,
o leite, a jinguba
e bebes cachaça.
Eh! Vai descansado,
dinheiro guardado
no bolso da blusa.
Que é São Tomé?
Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné.
II
Este mente, aquele mente
outro mente... tudo igual.
O sítio da minha embala
aonde fica afinal?
A terra que é nossa cheira
e pelo cheiro se sente.
A minha boca não fala
a língua da minha gente.
Com vinte anos de contrato
nas roças de São Tomé
só fiz quatro.
Voltei à terra que é minha.
É minha? É ou não é?
Vai a rusga, passa a rusga
em noites de fim do mundo.
Quem não ficou apanhado?
Vai o sono, vem o sono
vai o sono
quero ficar acordado.
No meio da outra gente
lá ia naquela corda
mas acordei de repente.
Quero ficar acordado.
Onde está o meu dinheiro,
onde está o meu calção
meu calção e meu boné?
O meu dinheiro arranjado
nas roças de São Tomé?
Vou comprar com o dinheiro
sagrado da minha mãe
tudo quanto a gente come:
trinta vacas de fome,
galinhas... de papelão.
Vou trabalhar nesta lavra
em terra que dizem nossa
quatro anos de contrato
em vinte anos de roça.
Eu foi São Tomé!
Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné.
Aiuéé!


Alexandre Daskalos (Angola)

Sonho, de amor




O meu sonho
e uma madeixa dos teus cabelos
sufocada ao luar de uma noite
cansada de amor
O meu sonho
somos nós, tu e eu
no corcel da vida
à procura do sol
Falo do sonho, amor
do nosso sonho
em que brincamos com crianças não paridas
com esperanças sangrando desesperanças
O meu sonho
és tu, Minda-a-Mulata
sonhando com a vida e morrendo
em tempo de fome farta
e a guerra a acabar
(ou a reatar?)
O meu sonho
é sonho de mar
as ondas indo e vindo
do fim do Mundo
as aves a voar




Domingos Florentino - Pseudonimo de Marcolino Moco (Angola)

Sobre a colina de Calamboloca



Eram contratados, eram homens mortos
duas horas antes da morte os matar,
sobre a colina de Calamboloca
Subiam a ladeira devagar,
passo atrás de passo,
sem sonhos nem vontades.
Com eles apenas a obstinação do silêncio.
E nós a contemplar
e nós a ver passar
os sete mortos, sem expressão na face,
naquela tarde rubra, tarde fria,
sobre a colina de Calamboloca
Não sei como contar-te irmão, aquela tarde
e a nossa paixão de contemplar
os jovens que trepavam a ladeira.
Não sei o que dizer-te irmão, daquelas faces
olhando para o tempo sem pensar
sem descanso, nem dor, nem conteúdo,
obstinado em silenciar...
E nós a ver
fazendo tudo para não olhar.
E nós a reparar que eram homens mortos
duas horas antes da morte os matar
sobre a colina de Calamboloca.
Uniram-se em forma de sete irmãos
e deram-se as mãos,
e gastaram a vida até ao fim
a silenciar...
E de mãos dadas caíram na terra
sobre a colina de Calamboloca.
Nasceram flores de pétalas vermelhas
entre as raízes da grande mafumeira.
Agora pesa um silêncio grosso
como o silêncio de coágulos de sangue
sobre a colina de Calamboloca...
Apenas o lesto animal das moitas
trauteia uma canção inesquecível
e a brisa roladora de mistérios
murmura um queixume mais profundo
sobre a colina de Calamboloca...


Henrique Abranches (Angola)

Canto para Angola



Hei-de compor um dia
um canto sem lirismo
nem tristeza
digno de ti, ó minha terra.
Hei-de compor um canto
livre e sem regras
que de boca em boca vai partir
nos lábios de velhos e meninos.
Será o canto do pescador
com todos os sons do mar
com os gemidos do contratado
nas roças de São Tomé.
Será o canto de todos os dramas
do algodão do Lagos & Irmão
o das tragédias nas minas
da kitota e da Diamang.
Será o canto do povo
o canto do lavrador
e do estudante
do poeta
do operário
e do guerrilheiro
falando de toda Angola
e seus filhos generosos.



Jofre Rocha (Angola)

Lá no água grande




Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.




Alda do Espirito Santo (S. Tome e Principe)




28 de maio de 2007

NOS


Esse suave ondular,
das ondas
Dos teus olhos, embalam-me,
a alma
E o andar de folhos
no nosso amar.
Preenchem minha calma,
Sugerem o mar,
onde sou ondina,menina
na areia
branca a brincar.
E tu castelo de espuma,
abres tuas portas
para meus sonhos guardar.
ao longe,
ouço o perfume do luar,
esconder-se
na bruma do teu,
do meu,
nosso amar.


Dinah Raphaellus (Portugal)

NOSSOS SONHOS DE NAMORO



Lembras-te, nós iríamos fazer longa viagem
Iríamos mergulhar
E explorar
As profundezas dos oceanos
Africanos
Nós iríamos sim fazer esta viagem miragem

Nós iríamos navegar o céu dos céus
Descobrir a linguagem do universo
Fazer amor em versos
E descobrir Vénus
Na essência do encantar
Descobrir Vénus na essência do amar!

Lembras-te, nós iríamos a correr descalços
Pelos campos, vales, montanhas …
Nossos pés acariciando as ervas daninhas
E o capim verde
Nós iríamos sim, em grandes abraços
Plantar árvores de felicidade!

Nós iríamos nos fundir com as estrelas
Conversar com elas
Dizer segredos a Júpiter, Saturno e Marte
Oh que sorte
Nós iríamos cobrir o infinito dos espaços
Com os nossos abraços!

Nós iríamos tomar banho na chuva vespertina
Chuva cristalina
Nossos corpos molhados
Juntinhos
E abraçadinhos
Nossos corpos em juras de amor, entrelaçados!

Depois gargalharíamos de coisas sem importância
Coisas banais, sem significância
Coisas do dia-a-dia
Gargalharíamos felizes
E faríamos as pazes
Por um qualquer desentendimento-mania

E ao cair do dia, ao cair do dia iríamos à ilha
Ver o pôr-do-sol acontecer
Que maravilha,
O sol penetrando no mar
O mar engolindo o sol, a amar
O sol e o mar em gemidos de amor de enlouquecer!

Depois, depois, nosso sonho esfumou-se
Nosso sonho evaporou-se …

Mas nós iríamos sim
Nós iríamos fazer estas coisas assim…


Décio Bettencourt Mateus (Angola)
in "Os Meus Pés Descalços"

27 de maio de 2007

O MEU POEMA E' O POVO



O poeta não faz o poema
O poeta escreve a poesia

As massas
fazem o poema de ouro que não podem escrever
o povo
compõe belos versos que não pode desenhar.

Nos charcos
se faz poema de guerra
nos campos arrasados pelas bombas de fogo
o povo canta um poema
na travessia de um rio
que devora os que não sabem nem podem nadar
os mortos nos legam versos que não podem ler.

O meu poema
não sei escrevê-lo também
não posso escrever o poema que sinto no peito
por serem vários os versos.
São tantos os autores do meu poema
e versos assim
trazem rima doutra inspiração.

Rimam em cada metralha que dispara
rimam no chorar do órfão
rimam nas grutas protectoras do guerrilheiro.

Não sei escrever este poema.

Gostaria de cantar o poema que me bate no coração
mas não posso
porque este é o próprio Povo em armas
e só ele deve continuar
a fazer o poema que eu não posso redigir
nem ele pode ler também!

Os que fazem a História
Nem sempre podem escrevê-la.



Nito Alves (1945-1977) - Angola

www.27maio.org

24 de maio de 2007

É Dia de África



É Dia de África!!!
Pois é…
como se o 25 de Maio
fosse o único dia
que África necessita
neste sistema sapal
onde muitos
se engendram,
parecem
e são
filantes ou sipaios,
corruptos e decrépitos,
ditadores ou senis.
.
É Dia de África!!!
Pois é…
tal como os outros dias
onde a vergonha
e falta de pudicícia
a apreensão e a sedição,
a míngua e a penúria,
o nepotismo e a corrupção,
a doença e a falta de prevenção
vivem em harmonia perfeita.
.
É Dia de África!!!
Pois é…
com um povo famélico que clama,
a o Mundo que observa
impávido e pacato
sempre pronto nas oferendas
que nunca,
ou tarde,
chegam…
.
É Dia de África!!!
Pois é…
para um Continente rico
em petróleo
e recursos hídricos,
em veios auríferos
e rios diamantíferos
mas…
uma cólera que se espalha
o sida que não pára
um paludismo endémico
um qualquer vírus que germina
um Continente mais que epidémico.
.
É Dia de África!!!
Pois é…
mas como gostava
que África
fosse notícia,
sempre novidade,
não por este dia,
não pela miséria,
não pela enfermidade
não pela corrupção;
que fosse
porque este dia,
é só,
deve ser,
mais um
entre 365 fúteis dias
de alguma normal reprodução
de um qualquer frívolo almanaque.
.
É Dia de África!!!
Pois é…
é tudo isso,
e muito mais que se não diz…
Mas é a minha África!!!!
.
Lobitino Almeida N’gola
(Lisboa, 24.Maio.2006)
(Publicado inicialmente no Malambas -
http://malambas.blogspot.com/ -

CHORO DE AFRICA




O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África e' um sintoma

Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.


Agostinho Neto (Angola)

Mulheres da minha terra



São todas belas
Elas
As mulheres
Que meus quereres
Se confundem
E perdem

Vejo Rosa
Formosa
E me encanta
Que canta
Meu coração
De emoção

Vejo Margarida
Querida
Alta
E esbelta
E é ela
A minha estrela

Vejo Teresa
Beleza
Baixinha
E cheinha
E por ela suspiro
E passo noites em claro

Vejo Bela
Gazela
Ternura
E candura
E logo meu coração
É todo paixão

Vejo Maria
Feia
Mas bela
Ela
No interior
E é meu grande amor

São todas belas
Elas
E muitas,
Pretas, albinas, brancas, mulatas...
Mas todas bonitas
Todas catitas
E belas!



Decio Bettencourt Mateus (Angola)
Na foto Miss Angola 2006 - quarta classificada no Miss Mundo 06)

Mulher proletária


Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.


Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.



Jorge de Lima (Brasil)

SERENATA





Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.


Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.


Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.



Cecilia Meireles (Brasil)

SONETO DA INTIMIDADE



Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio as vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.


Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.


Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve


Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.



Vinicius de Moraes (Brasil)

TABACARIA


Pintura de Maluda




Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos (Portugal)

23 de maio de 2007

PEDRA FILOSOFAL


Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso,

como este ribeiro manso

em serenos sobressaltos,

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam,

como estas aves que gritam

em bebedeiras de azul.



eles não sabem que o sonho

é vinho, é espuma, é fermento,

bichinho álacre e sedento,

de focinho pontiagudo,

que fossa através de tudo

num perpétuo movimento.



Eles não sabem que o sonho

é tela, é cor, é pincel,

base, fuste, capitel,

arco em ogiva, vitral,

pináculo de catedral,

contraponto, sinfonia,

máscara grega, magia,

que é retorta de alquimista,

mapa do mundo distante,

rosa-dos-ventos, Infante,

caravela quinhentista,

que é cabo da Boa Esperança,

ouro, canela, marfim,

florete de espadachim,

bastidor, passo de dança,

Colombina e Arlequim,

passarola voadora,

pára-raios, locomotiva,

barco de proa festiva,

alto-forno, geradora,

cisão do átomo, radar,

ultra-som, televisão,

desembarque em foguetão

na superfície lunar.



Eles não sabem, nem sonham,

que o sonho comanda a vida,

que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos de uma criança.


António Gedeão (Portugal)
In Movimento Perpétuo, 1956

21 de maio de 2007

TENHO SAUDADES




Tenho saudades do tempo
Em que corria descalço
Pelas areias do rio;
Comigo, os meus companheiros
Também descalços, correndo,
A correr ao desafio.

Tenho saudades do Largo
Onde estava a minha casa,
Com mulembas altaneiras;
Tenho saudades das sombras
Com que os seus ramos cobriam
Sempre as nossas brincadeiras.
(- Quem tem o canhé?
És tu!
Pescoço de ganso, monco de peru…
Quem tem o canhe?
Sou eu!
Diabo, diabo, vais p’ra o céu…)

Tenho saudades, meu Deus,
Tanta, tantas que nem sei
Como me cabem aqui;
Tenho saudades, até, Das saudades que senti.

II

No quintal da minha casa
Vestido de prata nas noites de luar,
As sombras das mangueiras
Eram rendas espalhadas
Pelo chão.
E as horas do serão
Corriam apressadas.
As moças a namorar,
As crianças a brincar
Rindo,
Cantando,
Chorando
Dum trambulhão;
As velhas, quase em surdina,
Contavam histórias do mato,
Do tempo da escravatura:
-Um branco, um coelho e um gato,
Outros bichos à mistura,
Bichos sabidos que falavam.
Depois, quando a lua descia
P’ra se esconder no Sombreiro,
Todos, todos se juntavam
Em redor da minha avó.
Havia quifufutila,
Havia pé de moleque…
…E a lua desaparecia
No Casseque!...

III

Onde está o meu quintal
Vestido de prata nas noites de luar,
Com rendas de sombras espalhadas pelo chão?
Onde estão esses meninos
Que riam chorando
Dalgum trambulhão?

A vida os levou p’ra longe de mim!

Agora, de tudo isso,
Só me ficou o feitiço
Desta saudade sem fim.
E quando a lua se esconde
No Sombreiro
Fico sozinho na praia
À laia
Não sei de quê,
Olhando o mar,
Carpindo saudades,
A olhar
A olhar…

Aires Almeida Santos (Angola)

QUERO




Quero cantar
Os poemas do vento norte.
Bailar com as musas do poeta.
Quero, quero ser
Essa folha de rascunho
Que te dá alento.
Quero ser essa palavra forte.
Quero ser métrica certa
D’uma qualquer estrofe.
Quero ser bela prosa
D’um livro a nascer.
Página nunca morta,
Que nunca paras de ler.


By Dinah Raphaellus (Portugal)

15 de maio de 2007

CARTA DE UM ANGOLANO NO ESTRANGEIRO






















Partimos para a pedreira
Bem sabes que não é isto que queríamos
Não foi com isto que sonhámos,
Partimos para novamente sermos os contratados
E os explorados
Para sermos os sem eira nem beira

Mão de obra barata, partimos
Para construirmos e edificarmos
Com a força dos nossos braços vigorosos
E dos nossos peitos musculosos
Os prédios, as estradas, as pontes...
Em terras alheias, terras distantes

Partimos
Bem sabes que não é isto que queríamos
Tu que sonhaste com doutores e engenheiros
Agora tens-nos carpinteiros e pedreiros
A desenvolver países estrangeiros
Países dos outros

Partimos para sermos espancados
E levarmos bofetadas
Dos cabeças-rapadas
Partimos para sermos desdenhados
E chamados com desprezo, pretos!
Nestes lugares longínquos, lugares incertos

Partimos, mas não queríamos partir
Lá no Menongue queríamos construir
Os hospitais, as escolas, as pontes...
Lá queríamos erguer um arranha-céus
Para então gargalharmos desafiantes
Os brancos europeus
(Mas lá no Menongue, não aqui em Portugal
Que isto nos faz sentir mal)

Partimos
Bem sabes que nos forçaram a partir
Fugimos
Bem sabes que nos nos forçaram a fugir
Mas não é isto que queríamos
Não foi com isto que sonhámos

O que nós queríamos
O que nós desejávamos
É construir uma ponte
E uma auto-estrada gigante
Que unisse os corações dos angolanos,
É isto que desejamos todos estes anos

Partimos
Mas bem sabes mãe, não é isto que queríamos
Não foi com isto que sonhámos!


By Décio Bettencourt Mateus (Angola)
in "A Fúria do Mar"

http://mulembeira.blogspot.com





14 de maio de 2007

EM TORNO DA MINHA BAIA


Aqui, na areia,
Sentada à beira do cais da minha baía
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrente
sobre o cais desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num voo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições
HUMANIDADE.

By Alda do Espirito Santo - S. Tome e Principe

9 de maio de 2007

OLHOS FECHADOS



Sedosas ondas aneladas cobrem meu rosto
Fecho os olhos devagar e aprecio o contato
Minha mente vagueia por caminhos tranquilos
Uma brisa refrescante me carrega para outro mundo
À minha volta, a densa bruma parece me abraçar
Quase não sinto meus pés tocar o chão
Mantenho os olhos fechados, não quero acordar
Meus sentidos estão aguçados
Ao estender a mão consigo tocar o ar
Suavemente absorvo o perfume madrigal
Aprecio o sabor desconhecido da liberdade
O silêncio envolve-me. Sinto-me em paz
Ainda com os olhos cerrados vejo como é maravilhoso sonhar
E assim, despreendendo-me duma realidade sem sal
Entrego-me à doçura do sonho e dele me alimento
Um balançar suave acaricia minha face
Sem reservas me entrego a esse doce encantamento.

By Bruxinhachellot

3 de maio de 2007

PINTURAS DE PICASSO

PICASSO (1881 – 1973)

Ninguém duvida de que Pablo Picasso é o pintor mais importante do século XX. Essa auréola rodeou-o desde os anos vinte, quando o cubismo já era bem conhecido.
O cubismo foi uma revolução especificamente pictórica, baseada na primitiva escultura ibérica e nas máscaras africanas, que revelaram ao pintor a evidências de modos de representação sintéticos e não naturalistas, desconhecidos na tradição cultural europeia.