24 de agosto de 2013
6 de agosto de 2013
O CÉU É AQUELA CLAREIRA
o céu é aquela clareira
onde deito os
olhos com ténues
cambiantes de cor
que quase
gasto nas mãos, e
como. como
o céu e aguardo
uma
digestão convulsa.
enquanto
o aguaceiro seca
na terra antes que o
possa beber e
deus se
vinga de mim
ditando
os versos que
escondem
a água ao mundo.
já as
fogueiras
florindo em volta,
murchando o dia
que me
persegue. uma
intervenção
divina para me
resistir
valter hugo mãe (Portugal)
CRONICA DE RUBEM BRAGA
O Conde e o Passarinho
Acontece que o Conde Matarazzo estava passeando pelo parque. O Conde
Matarazzo é um Conde muito velho, que tem muitas fábricas. Tem também muitas
honras. Uma delas consiste em uma preciosa medalhinha de ouro que o Conde
exibia à lapela, amarrada a uma fitinha. Era uma condecoração (sem trocadilho).
Ora, aconteceu também um passarinho. No parque havia um passarinho. E esses
dois personagens - o Conde e o passarinho - foram os únicos da singular
história narrada pelo Diário de São Paulo. Devo confessar preliminarmente que
entre um Conde e um passarinho, prefiro um passarinho. Torço pelo passarinho.
Não é por nada. Nem sei mesmo explicar essa preferência. Afinal de contas, um
passarinho canta e voa. O Conde não sabe gorjear nem voar. O Conde gorjeia com
apitos de usinas, barulheiras enormes, de fábricas espalhadas pelo Brasil,
vozes dos operários, dos teares, das máquinas de aço e de carne que trabalham
para o Conde. O Conde gorjeia com o dinheiro que entra e sai de seus cofres, o
Conde é um industrial, e o Conde é Conde porque é industrial. O passarinho não
é industrial, não é Conde, não tem fábricas. Tem um ninho, sabe cantar, sabe
voar, é apenas um passarinho e isso é gentil, ser um passarinho. Eu quisera ser
um passarinho. Não, um passarinho, não. Uma ave maior, mais triste. Eu quisera
ser um urubu. Entretanto, eu não quisera ser Conde. A minha vida sempre foi
orientada pelo fato de eu não pretender ser Conde. Não amo os Condes. Também
não amo os industriais. Que eu amo? Pierina e pouco mais. Pierina e a vida,
duas coisas que se confundem hoje, e amanhã mais se confundirão na morte.
Entendo por vida o fato de um homem viver fumando nos três primeiros bancos e
falando ao motorneiro. Ainda ontem ou anteontem assim escrevi. O essencial é
falar ao motorneiro. O povo deve falar ao motorneiro. Se o motorneiro se fizer
de surdo, o povo deve puxar a aba do paletó do motorneiro. Em geral, nessas
circunstâncias, o motorneiro dá um coice. Então o povo deve agarrar o
motorneiro, apoderar-se da manivela, colocar o bonde a nove pontos, cortar o
motorneiro em pedacinhos e comê-lo com farofa. Quando eu era calouro de
Direito, aconteceu que uma turma de calouros assaltou um bonde. Foi um assalto
imortal. Marcamos no relógio quanto nos deu na cabeça, e declaramos que a
passagem era grátis. O motorneiro e o condutor perderam, rápida e
violentamente, o exercício de suas funções. Perderam também os bonés. Os bonés
eram os símbolos do poder. Desde aquele momento perdi o respeito por todos os
motorneiros e condutores. Aquilo foi apenas uma boa molecagem. Paciência. A
vida também é uma imensa molecagem. Molecagem podre. Quando poderás ser um
urubu, meu velho Rubem? Mas voltemos ao Conde e ao passarinho. Ora, o Conde
estava passeando e veio o passarinho. O Conde desejou ser que nem o seu patrício,
o outro Francisco, o Francisco da Umbria, para conversar com o passarinho. Mas
não era aquele, o São Francisco de Assis, era apenas o Conde Francisco
Matarazzo. Porém, ficou encantado ao reparar que o passarinho voava para ele. O
Conde ergueu as mãos, feito uma criança, feito um santo. Mas não eram mãos de
criança nem de santo, eram mãos de Conde industrial. O passarinho desviou e se
dirigiu firme para o peito do Conde. Ia bicar seu coração? Não, ele não era um
bicho grande de bico forte, não era, por exemplo, um urubu, era apenas um
passarinho. Bicou a fitinha, puxou, saiu voando com a fitinha e com a medalha.
O Conde ficou muito aborrecido, achou muita graça. Ora essa! Que passarinho
mais esquisito!Isso foi o que o Diário de São Paulo contou. O passarinho, a
esta hora assim, está voando, com a medalhinha no bico. Em que peito a
colocareis, irmão passarinho? Voai, voai, voai por entre as chaminés do Conde,
varando as fábricas do Conde, sobre as máquinas de carne que trabalham.
(Retirado do blog de Cirandeira.)
2 de agosto de 2013
POEMA DE CAMILO PESSANHA
Não Sei
se Isto é Amor
Não sei se isto é
amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me
fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso,
crê! nunca pensei num lar
Onde fosses
feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca
chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te
escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de
acordar te procurei no leito
Como a esposa
sensual do Cântico dos cânticos.
Se é amar-te não
sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia,
o teu sorriso terno...
Mas sinto-me
sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra
bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a
tarde e sempre sem receio
Da luz
crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro a
olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei
jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é
amor. Será talvez começo...
Eu não sei que
mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o
é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia
talvez de te saber doente.
Camilo Pessanha (Portugal)
in 'Clepsidra'
O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS
De amor nada mais
resta que um Outubro
e quanto mais
amada mais desisto:
quanto mais tu me
despes mais me cubro
e quanto mais me
escondo mais me avisto.
E sei que mais te
enleio e te deslumbro
porque se mais me
ofusco mais existo.
Por dentro me
ilumino, sol oculto,
por fora te
ajoelho, corpo místico.
Não me acordes.
Estou morta na quermesse
dos teus beijos.
Etérea, a minha espécie
nem teus zelos
amantes a demovem.
Mas quanto mais
em nuvem me desfaço
mais de terra e
de fogo é o abraço
com que na carne
queres reter-me jovem.
Natália Correia (Portugal)
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