29 de abril de 2014
28 de abril de 2014
DONGOS
Mulher pequena,
descobres no sal
dos meus ombros o
suave gotejar
dos mitos
incinerados na batalha de Ambuíla
com a sua longa
sede de dongos submersos.
Dongos? Sim,
dongos é o que crias
sobre a pele dos
séculos nunca ressequida
de dizer sou
povo.
À luz dessa
janela vista assim de um ângulo rente ao chão
te amo outra vez
olhando a copa dos mamoeiros no auge do verão.
O sol é o mesmo
cão rafeiro castanho muito claro com
manchas brancas
no pescoço
comendo da sua
lata o tutano das promesas.
E eu vi-te
desceres do céu. E a terra tremeu.
José Luís
Mendonça (Angola)
25 de abril de 2014
40 ANOS: 1974 - 2014
GRÂNDOLA, VILA MORENA
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
José Afonso (Portugal)
23 de abril de 2014
PARA O DIA INTERNACIONAL DO LIVRO
Uma homenagem a um dos grandes escritores do mundo, falecido recentemente.
22 de abril de 2014
A SECÇÃO DOS CONGELADOS
Truncadas,
indefinidas, passam
na memória como
filmes mudos
pequenas
histórias de amor
carnal. Os
grandes caudais da noite
sempre desaguam
na tarde salobra
e rasa: Janeiro
amolece a tinta
das paredes, levamos
à rua uma cara
mais fechada, e
depois, na secção
dos congelados,
não sabemos distinguir
o que sentimos
além do frio que represa
as coisas todas:
caminhamos sós
num privado
bosque, convocamos
sombras que foram
perdendo o nome,
sinais que não
transportam já
um sentido
automático de desejo
ou sofrimento. E
contudo, à revelia
das certezas que
não quiséramos ter,
acabamos sempre
por tornar
às mesmas ruas, à
noite insone
e imensa, onde
nos dói descobrir,
na companhia dos
outros,
o quanto nos
reclama a solidão.
Rui Pires Cabral (Portugal)
19 de abril de 2014
POEMA DE ÓSCAR OLIVA
Estos cielos que
relampaguean
con cuchillos de
sol mudo,
al quebrarse me
hacen caer
junto a nubes
estancadas
que han perdido
toda memoria
verbal y lección
de labios.
Y la caída es
sobre el ojo y su ejército
de semilla
escrita.
Óscar Oliva
(México)
Poema retirado do
blogue Poéticas ao Acaso
18 de abril de 2014
APRENDIMENTOS
O filósofo
Kierkegaard me ensinou que cultura é
o caminho que o
homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o
seu caminho de cultura e ao fim
falou que só
sabia que não sabia de nada. Não tinha
as certezas
científicas. Mas que aprendera coisas
di-menor com a
natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores
servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse
que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele
iria gostar. Iria certamente
aprender o idioma
que as rãs falam com as águas
e ia conversar
com as rãs. E gostasse mais de
ensinar que a
exuberância maior está nos insetos
do que nas
paisagens. Seu rosto tinha um lado de
ave. Por isso ele
podia conhecer todos os pássaros
do mundo pelo
coração de seus cantos. Estudara
nos livros
demais. Porém aprendia melhor no ver,
no ouvir, no
pegar, no provar e no cheirar. Chegou
por vezes de
alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de
como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo, podia
desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente
com Sócrates, Platão, Aristóteles –
esse pessoal.
Eles falavam nas aulas: Quem se
aproxima das
origens se renova. Píndaro falava pra
mim que usava
todos os fósseis linguísticos que
achava para
renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que o fascínio
poético vem das raízes da fala.
Sócrates falava
que as expressões mais eróticas
são donzelas. E
que a Beleza se explica melhor
por não haver
razão nenhuma nela. O que mais eu sei
sobre Sócrates é
que ele viveu uma ascese de mosca.
Manoel de Barros (Brasil)
17 de abril de 2014
SOMBRA
Foto: Nelson Gandra
Vem, senhora das
trevas
trazer-nos os
contornos da luz
nos sulcos da
noite
para que a
extrema alvura dos gladíolos
ponha em nossas
mãos aquele brilho,
quase divino, que
só as sombras guardam
na vertical
alteração de cada hora.
Graça Pires (Portugal)
De Caderno de significados, 2013
16 de abril de 2014
CERVEJA & REMORSOS
Os dias:
deposito-os na pele. Deus (ou
qualquer coisa
por Ele) está com certeza
por trás desta
tarde de domingo (o
verão chegando ao
fim imenso
em seus
labirintos)
acautelamos
derrotas milímetro a
milímetro. Por
vezes
(mais distraídos)
somos
tecnicamente
felizes
abrindo nozes ao
meio (quais cirurgiões das meninges)
desenrolando
croissants à procura
do infinito. Mas
sabes quando sabe
a derrota apesar
de ter vencido?
Não se vence por
inteiro quando o
tempo é o inimigo.
João Luís Barreto
Guimarães (Portugal)
14 de abril de 2014
DO BLOG POESIA & LlMITADA, WISLAVA SZYMBORSKA
Postagem retirada na íntegra do blog Poesia Ilimitada, que recomendo.
W. Szymborska é uma das minhas poetisas favoritas. No entanto, nunca foi publicada em Cores & Palavras.
http://poesiailimitada.blogspot.co.uk/2012/07/wisawa-szymborska-4.html
O Poesia Ilimitada nunca escondeu a imensa admiração que nutre pela obra da poetisa polaca Wisława Szymborska (2 de Julho de 1923 - 1 de Fevereiro de 2012), recentemente falecida. Nascida em Prowent, Szymborska já vivia em Cracóvia quando recebeu o Prémio Nobel da Literaturade 1996, segundo a Academia Sueca «por uma poesia que com precisão irónica permite que os contextos histórico e biológico reluzam em fragmentos de realidade humana».
Este extraordinário post dá inicio à colaboração deTeresa Swiatkiewicz no Poesia Ilimitada como correspondente de poesia polaca, através da tradução a partir do original, de uma amostra de dois poemas de cada um dos últimos três livros da poetisa polaca, ainda inéditos em Portugal: "Dois Pontos" (2005), "Aqui" (2009) e "Basta" (2012). Seis poemas, portanto, deSzymborska, na tradução de Teresa Swiatkiewicz. Muito obrigado, Teresa.
ESTÁTUA GREGA
Apesar da ajuda das pessoas e de outras forças da natureza,
mesmo assim, o tempo teve muito que fazer.
Primeiro privou-a do nariz, depois dos órgãos genitais,
um a um, dos dedos das mãos e dos pés,
com o decurso dos anos, dos braços, um após outro,
da coxa direita e da coxa esquerda,
das costas e das ancas, da cabeça e das nádegas,
e o que caiu por terra, desfez em pedaços,
cacos, cascalho, areia.
mesmo assim, o tempo teve muito que fazer.
Primeiro privou-a do nariz, depois dos órgãos genitais,
um a um, dos dedos das mãos e dos pés,
com o decurso dos anos, dos braços, um após outro,
da coxa direita e da coxa esquerda,
das costas e das ancas, da cabeça e das nádegas,
e o que caiu por terra, desfez em pedaços,
cacos, cascalho, areia.
Quando algum dos vivos morre desta maneira,
a cada golpada, muito sangue escorre.
a cada golpada, muito sangue escorre.
As estátuas de mármore, porém, perecem brancas
e nem sempre até ao fim.
e nem sempre até ao fim.
Da estátua, de que aqui se fala, resta o tronco
que, em esforço, parece suster a respiração,
pois agora tem
de atrair
a si
toda a graça e peso
do resto que se perdeu.
que, em esforço, parece suster a respiração,
pois agora tem
de atrair
a si
toda a graça e peso
do resto que se perdeu.
E consegue-o,
ainda o consegue,
finge e deslumbra,
deslumbra e perdura –
E, aqui, também o Tempo merece um elogio:
deixou para amanhã
o que podia fazer hoje.
ainda o consegue,
finge e deslumbra,
deslumbra e perdura –
E, aqui, também o Tempo merece um elogio:
deixou para amanhã
o que podia fazer hoje.
§
ABC
Jamais saberei
o que A. pensava de mim.
Se B. acabou por me perdoar.
Por que razão fingia C. que tudo estava bem.
Qual a quota-parte de D. no silêncio de E.
O que esperava F. se acaso algo esperava.
Por que fingia G. sabendo de tudo.
O que tinha H. a esconder.
O que queria I. acrescentar.
Se o facto de eu estar por perto,
teve algum significado
para J. e K. e para o resto do alfabeto.
o que A. pensava de mim.
Se B. acabou por me perdoar.
Por que razão fingia C. que tudo estava bem.
Qual a quota-parte de D. no silêncio de E.
O que esperava F. se acaso algo esperava.
Por que fingia G. sabendo de tudo.
O que tinha H. a esconder.
O que queria I. acrescentar.
Se o facto de eu estar por perto,
teve algum significado
para J. e K. e para o resto do alfabeto.
§
ADOLESCENTE
Eu – adolescente?
Se, de repente, aparecesse aqui, agora, diante de mim,
saudá-la-ia como pessoa que me é próxima,
embora seja, para mim, estranha e distante?
Se, de repente, aparecesse aqui, agora, diante de mim,
saudá-la-ia como pessoa que me é próxima,
embora seja, para mim, estranha e distante?
Verter uma lágrima, beijar-lhe a testa
pela simples razão de termos
a mesma data de nascimento?
pela simples razão de termos
a mesma data de nascimento?
Tão poucas semelhanças entre nós,
quiçá, apenas os ossos são os mesmos,
a caixa craniana, as órbitas.
quiçá, apenas os ossos são os mesmos,
a caixa craniana, as órbitas.
Já que os olhos dela parecem maiores,
as pestanas mais compridas, ela mais alta
e todo o seu corpo revestido
com uma pele lisa, sem mácula.
as pestanas mais compridas, ela mais alta
e todo o seu corpo revestido
com uma pele lisa, sem mácula.
Na verdade, ligam-nos parentes e conhecidos,
no mundo dela, porém, quase todos estão vivos,
enquanto no meu já não há quase ninguém
deste círculo que tínhamos comum.
no mundo dela, porém, quase todos estão vivos,
enquanto no meu já não há quase ninguém
deste círculo que tínhamos comum.
Somos tão diferentes uma da outra,
pensamos e falamos sobre coisas tão diferentes.
Ela pouco sabe –
mas com uma teimosia digna de melhores causas.
Eu sei muito mais –
mas sem nada saber ao certo.
pensamos e falamos sobre coisas tão diferentes.
Ela pouco sabe –
mas com uma teimosia digna de melhores causas.
Eu sei muito mais –
mas sem nada saber ao certo.
Mostra-me uns poemas,
escritos com letra clara e cuidada,
como já há muito eu não escrevo.
escritos com letra clara e cuidada,
como já há muito eu não escrevo.
Leio esses poemas e leio.
Bem, talvez este daqui,
Bem, talvez este daqui,
se o reduzirmos
e corrigirmos aqui e ali.
e corrigirmos aqui e ali.
O resto nada de bom augura.
A conversa está difícil.
No seu pobre relógio,
o tempo ainda é vacilante e barato.
No meu, já é muito mais caro e preciso.
No seu pobre relógio,
o tempo ainda é vacilante e barato.
No meu, já é muito mais caro e preciso.
Na despedida nada, um breve sorriso
e nenhuma comoção.
Somente quando se afasta
e, apressada, se esquece do cachecol.
Um cachecol de pura lã,
às riscas coloridas
feito em croché para ela
pela nossa mãe.
Ainda hoje o tenho.
§
VERMEER
Enquanto aquela mulher do Rijksmuseum,
em quietude pintada e concentração,
dia após dia, não verter o leite
do jarro para a vasilha,
o Mundo não merece
o fim do mundo.
§
NO AEROPORTO
Correm um para o outro de braços abertos,
exclamam ridentes: Até que enfim! Enfim!
Ambos vestidos com agasalhos de inverno,
gorros de lã,
cachecóis,
luvas,
botas,
mas só para nós.
Porque um para o outro estão nus.
Tradução de Ana Kalewska, Beata Cieszyńska e Teresa Swiatkiewicz
§
A MÃO
Vinte e sete ossos,
trinta e cinco músculos,
cerca de duas mil células nervosas
em cada uma das pontas dos cinco dedos.
É quanto basta
para escrever Mein Kampf
ou A Casinha do Ursinho Puff.
Wisława Szymborska (Polónia)
9 de abril de 2014
BAUDELAIRE FAZ 183 ANOS!
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto,
alta e subtil, dor majestosa,
Uma mulher
passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e
balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua,
era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um
basbaque extravagante,
No tempestuoso
céu do seu olhar distante,
A doçura que
encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a
noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que
me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei
de rever senão na eternidade?
Longe daquí!
tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de
mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria
amado, ó tu que o adivinhaste!
Charles
Baudelaire (França)
O poeta nasceu a
9/04/1821, faz hoje 183 anos, e morreu em 31/08/1867.
Assinar:
Postagens (Atom)