23 de outubro de 2013

MIRIAM MAKEBA - CANTANDO EM PORTUGUES




POEMA DE JOÃO-MARIA VILANOVA


A MÃO DO VENTO NA SAVANA

Que voz perpassa
em teu dorso quando
a noite
passos-de-onça
se aproxima?
Memória de areais
Negras falésias?
Se te escutando
paciente é o trabalhar
de onda.
Eflúvios frémito
um deus muíla que subisse
monandengue
só da raiz do sangue.


João-Maria Vilanova (Angola)


Sobre João-Maria Vilanova (texto retirado do site da UEA-Uniao de Escritores Angolanos):

João Maria Vilanova, poeta da geração de 70, é um nome que esconde o maior enigma da literatura angolana, um heterónimo que encobre muito bem o seu autor biológico-histórico, continua fictício até hoje.

Na linha do pensamento teórico que vai de Stephane Mallarmé a Jonathan Culler “interessa reflectir sobre a teoria da textualidade: a noção de que é a palavra que constrói a realidade, e, portanto, é responsável pela criação daquele espaço criador que é o autor. Nesta linha de pensamento, o autor desaparece para dar lugar a palavras, cuja acção não só cria a obra, mas também o próprio autor. Roland Barthes identifica esse fenómeno como o “espaço discursivo de individuação” o qual estabelece certa unidade textual que nos permite ultrapassar as contradições, nas quais se neutralizam os dados biográficos (Barthes, Roland, «Roland Barthes par lui-même», Paris: Seuil (1975)”, teorização desenvolvida pela ensíata Joanna Courteau (Ames), ler o texto intitulado «D´A varanda do frangipani à morte dos heterónimos», in Lusorama, nr. 50 (Juni 2002).

Jorge Macedo garante que conheceu o poeta quando esteve a trabalhar no Kuanza Norte, ou seja, suspeita que tenha sido “um juiz branco que gostava da poesia angolana, que conhecia as diversas propostas poéticas”. Muitos são os escritores dessa geração que lançam suspeitas para todas as direcções.

Galadoardo em 1971 com o Prémio Mota Veiga, atribuído a «Vinte canções para Ximinha», nunca apareceu para receber o merecido prémio. Mas não deixou de aparecer, em 1974, através da revista Ngoma, mantendo-se na mesma no meio de uma «grande nuvem». Em 1974, edita «Cadernos de um guerrilheiro».

João - Maria Vilanova é um poeta que usa o bilinguismo como seu recurso de escrita e por ser assim “marcadamente bilinguista, regionalista, vanguardista, intraduzível, e, portanto, inequivocamente pré-angolana, a poesia de João Vilanova paga o preço do desconhecimento mundial, enquanto a poesia de Agostinho Neto, retórica, grandiloquente, alegórica, aristotélica, aspirante ao universalismo, aufere fama de múltiplas traduções. Vilanova realiza na poesia algo como José Luandino Vieira na prosa: retira à História da Literatura Portuguesa poder de anexação”, são palavras do crítico Pires Laranjeira.

O ensaísta vai mais longe na sua análise estrutural quando afirma que “Não há recorrência ao empolamento do metaforismo e da ruptura abrupta da ritmia do discurso, como seria usual nas concepções poéticas latino-europeias. As rupturas e empolamentos situam-se em níveis do discurso diferentes da literatura portuguesa. A inovação é, por isso, de sinal radicalmente anticolonialista. O discurso não pode ser apropriado pelas instâncias colonialistas por se inscrever nos antípodas da sua boa consciência. A forma dialógica é também inalienável da condição de herdeiro da estrutura da narrativa bantu.”.

Pires Laranjeira não deixa de realçar na sua crítica o apuramento estilístico de Vinanova que foge do discurso directo: “A denúncia do paternalismo, como de outras sequelas do colonialismo, quase nunca se faz em linguagem expositiva, panfletária. A força, o propósito do discurso poético não é do mesmo género do discurso político.”

Os quimbos quietos pensados no silêncio (...) Da Envagélica os cânticos se derramando na voz do vento: povo

Excerto de um poema in Vinte Canções para Ximinha.

Para o professor Manuel Ferreira, o poeta anónimo "será o que mais conscientemente prolonga e renova as experiências dos poetas da Mensagem e da Cultura (II). Tudo leva a crer que Vilanova venha dos tempos da Mensagem, notadamente quando o seu enunciado é a expressão de um certo quotidiano povoado de rememorações; nelas e na narração evocativa um mundo de anseios e suspensões significativas nos povoa a imaginação".


Ainda segundo Manuel Ferreira, em Caderno de um guerrilheiro, o poeta elege como temática "o povo angolano crescendo na luta armada." e considera-o como o poeta do "rigor e da elaborada interiorização da gesta do povo angolano, com uma fala para cada tema, uma gramática pessoal na fusão de níveis e áreas linguísticas, mesmo quando o real é momentâneo e no seu verbo se trtansfigura e dimensiona". 

21 de outubro de 2013

PASTELARIA


 

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra


Mário Cesariny (Portugal)

15 de outubro de 2013

TOO MANY RIVERS TO CROSS



Many rivers to cross
But I can't seem to find my way over
Wandering I am lost
As I travel along the white cliffs of dover

Many rivers to cross
And it's only my will that keeps me alive
I've been licked, washed up for years
And I merely survive because of my pride

And this loneliness won't leave me alone
It's such a drag to be on your own
My woman left me and she didn't say why
Well, I guess I'll have to cry

Many rivers to cross
But just where to begin I'm playing for time
There have been times I find myself
Thinking of committing some dreadful crime

Yes, I've got many rivers to cross
But I can't seem to find my way over
Wandering, I am lost
As I travel along the white cliffs of Dover

Yes, I've got many rivers to cross

And I merely survive because of my will...

9 de outubro de 2013

LOS MACHUCAMBOS: HASTA SIEMPRE COMANDANTE







HASTA SIEMPRE COMANDANTE

Aprendimos a quererte
Desde la histórica altura
Donde el sol de tu bravura
Le puso un cerco a la muerte.

Tu mano gloriosa y fuerte
Sobre la historia dispara
Cuando todo santa clara
Se despierta para verte.

Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara.

Vienes quemando la brisa
Con soles de primavera
Para plantar la bandera
Con la luz de tu sonrisa.

Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara.

Tu amor revolucionario
Te conduce a nueva empresa
Donde esperan la firmeza
De tu brazo libertario.

Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara.

Seguiremos adelante
Como junto a ti seguimos
Y con fidel te decimos:
Hasta siempre comandante.

Aquí se queda la clara,
La entrañable transparencia,
De tu querida presencia
Comandante che guevara

2 de outubro de 2013

POEMA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA


Não Posso Adiar o Amor


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração


António Ramos Rosa (Portugal) 1924 -2013

POEMA DE JOSÉ GOMES FERREIRA


Morte de D. Quixote


III

Pobres, gritai comigo:

Abaixo o D. Quixote
com cabeça de nuvens
e espada de papelão!
(E viva o Chicote
no silêncio da nossa Mão!)

Pobres, gritai comigo:

Abaixo o D. Quixote
que só nos emperra
de neblina!
(E viva o Archote
que incendeia a terra,
mas ilumina!)

Pobres, gritai comigo:

Abaixo o cavaleiro
de lança de soluços
e bola de sabão
no elmo de barbeiro!
(E vivam os nossos Pulsos
que, num repelão,
hão-de rasgar o nevoeiro!)


José Gomes Ferreira