Hoje, tenho saudades de Sophia, porque tenho saudades do Mar...
LIBERDADE
O poema é
A liberdade
Um poema não se
programa
Porém a
disciplina
— Sílaba por
sílaba —
O acompanha
Sílaba por sílaba
O poema emerge
— Como se os
deuses o dessem
O fazemos
Sophia de Mello
Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
ESTA GENTE
Esta gente cujo
rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes
tosco
Ora me lembra
escravos
Ora me lembra
reis
Faz renascer meu
gosto
De luta e de
combate
Contra o abutre e
a cobra
O porco e o
milhafre
Pois a gente que
tem
O rosto desenhado
Por paciência e
fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta
gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do
chão
E mais do que a
pedra
Humilhada e
calcada
Meu canto se
renova
E recomeço a
busca
De um país
liberto
De uma vida limpa
E de um tempo
justo
Sophia de Mello
Breyner Andresen, in "Geografia"
FUNDO DO MAR
No fundo do mar
há brancos pavores,
Onde as plantas
são animais
E os animais são
flores.
Mundo silencioso
que não atinge
A agitação das
ondas.
Abrem-se rindo
conchas redondas,
Baloiça o
cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil
braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram
os espaços.
Sobre a areia o
tempo poisa
Leve como um
lenço.
Mas por mais bela
que seja cada coisa
Tem um monstro em
si suspenso.
Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal, 1919 - 2004)
Baia Azul - Benguela