28 de maio de 2010

LÍNGUA: SABOR & SABEDORIA

Uma representacao de Oxalá


Fotos e texto extraídos do blog Cirandeira*



Oxalá é considerado como o criador do mundo, embora diga-se também, que na hora de fazê-lo tenha bebido demais de um certo vinho de palma, passando o encargo, então, a Odudua.
A mitologia africana tem isto de belo: possui sempre variantes de um mesmo mito - o que, longe de confundir, apenas enriquece as possibilidades de compreensão do mundo.
Neste mito que começamos a contar agora, vemos Oxalá na condição de regente do mundo. Como um bom deus da criação, ele está pensativo.
"Orunmilá tem se mostrado como um dos deuses mais sábios e ponderados", pensa o deus do pano branco. "Acho que está na hora de elevá-lo a um grau de importância maior neste mundo".
Uma dúvida, porém, muito comum nestes casos, impede a decisão final do deus.
"É inteligente, mas terá sabedoria suficiente para ocupar o cargo que pretendo oferecer-lhe?"
É preciso, pois, testar a sabedoria do deus.
- Já sei! - exclama Oxalá, dando um tapa na testa - Vou aplicar-lhe um teste de sabedoria!
No mesmo instante manda Exu, o deus mensageiro, trazer Orunmilá até si.
- Aqui estou, grande deus - diz Orunmilá.
- Meu querido amigo, quero que me faça algo.
- Pois não, grande deus.
- Quero que me prepare o melhor prato do mundo.
Orunmilá, que não era exatamente um cozinheiro, meio que vacilou.
- O melhor prato do mundo?
- Sim, aquele que esplende não só no sabor, como na sabedoria.
" Um prato que esplende tanto no sabor quanto na sabedoria!", pensa Orunmilá, a coçar a cabeça.
- Está bem, grande deus, terá o seu prato sábio e saboroso - diz ele, numa súbita iluminação.
Orunmilá sai correndo dalí e começa a preparar o tal prato. Dalí a algumas horas retorna com uma grande travessa fumegante.
- Trouxe o prato que lhe pedí? - diz Oxalá, a lamber-se todo.
- Sim, grande deus, aqui está o mais sábio e saboroso dos pratos.
Oxalá espiou para o interior da travessa e viu uma grande língua de touro cozida com inhame.
- Hum, esté belo, de fato! - disse o deus, lambendo-se todo outra vez. - Mas diga-me uma coisa: por que escolheste este prato para ser o mais perfeito de toda a culinária?
- É que além de ser muito saboroso, traz em si uma mensagem implícita.
- Uma mensagem implícita?
- Sim, a língua em sí é um símbolo muito poderoso. Por ela, podemos desejar saúde para os outros. Por ela, podemos falar bem dos amigos e proclamar a retidão e a justiça. Por ela, podemos exaltar os deuses e todas as virtudes que a eles conduzem. São incontáveis, enfim, os bens que uma língua pode produzir!
Oxalá ficou tão satisfeito com a resposta que abraçou Orunmilá depois de comer a língua inteira.
- Sua resposta mostrou-se tão sábia quanto seu prato mostrou-se delicioso! Agora,
meu querido amigo, quero que me prepare a pior comida possível!
Orunmilá embatucou outra vez.
- A pior comida possível?
- Exatamente.
Orunmilá levou consigo a travessa e esteve o restante do dia a preparar a pior comida possível, até que, já quase ao entardecer, retornou com sua travessa repleta outra vez.
Oxalá olhou para a travessa fumegante com o nariz torcido.
"O que será que ele trouxe?", pensou, certo de que veria algo inteiramente repugnante.
Entretanto, quando Ifã desceu do alto a sua travessa, lá estava outra vez a língua do touro acomodada entre os inhames.
- Língua de touro outra vez? - exclamou Oxalá, com uma nota de decepção em sua voz.
- Sim, grande deus!
- Mas não entendo! Como a língua pode ser ao mesmo tempo a melhor e a pior comida possível?
- Pode ser a pior também, grande deus, porque, com a língua os homens podem cometer perjúrio contra os deuses e contra eles próprios. Podem caluniar e intrigar. Podem dizer mentiras e induzir ao erro uma alma boa e ingênua. São incontáveis, enfim, os males que uma língua pérfida pode cometer!
- Sábias palavras, disse o deus.
Por causa das duas sapientíssimas respostas que escutou, Oxalá tornou Orunmilá o primeiro babalorixá do mundo, palavra africana que significa "pai dos segredos".


Extraído de "As melhores histórias da mitologia africana", de A.S.Franchini e Carmen Seganfredo - Artes e Ofícios Editora Ltda., 2008



27 de maio de 2010

DOIS POEMAS DE NITO ALVES

Nito Alves (foto Associacao 27 de Maio)


PORTAS FECHADAS


Como se fecharam
Como estão encerradas
Como não se abrem
As portas para estas paragens
Para esta Região
Onde se luta
Onde as populações perecem
Onde os guerrilheiros triunfam
Triunfam
Triunfam
E morrem morrem na flor da juventude;
Onde as crianças se julgam abandonadas
Onde o cerco inimigo aperta
Mas… onde as vontades
E as consciências declaram:venceremos.


Silêncio nas consciências
Silêncio no pensar
Silêncio na madrugada
Silêncio
Silêncio nas massas populares
Silêncio no coração dos camponeses
Silêncio no quartel do guerrilheiro
Silêncio nos canos das armas vazias
Silêncio
Silêncio na pergunta
Silêncio na resposta
Silêncio na noite maliciosa
Silêncio no esperar.


Eis os túmulos abertos para combatentes que ainda respiram
A fortaleza que resiste ao desfio de fogo intenso
A nossa decisão inquebrantável
A nossa razão feita força invencível
E todos nós repetimos:venceremos



Somente do porvir
No seu terso linguajar
Na imparcialidade da sua justiça
Só de ti Povo
Aguardemos a revelação
Das várias mãos criminosas
Que estas portas fecharam.


Mas sabemos
Que nas mãos venenosas de certos filhos renegados da Pátria
Jazem chaves destas portas fechadas.


A História fará justiça?



O MEU POEMA É O POVO



O poeta não faz o poema
O poeta escreve a poesia

As massas fazem o poema de ouro que não podem escrever
o povo compõe belos versos que não pode desenhar.


Nos charcos se faz poema de guerra
nos campos arrasados pelas bombas de fogo
o povo canta um poema na travessia de um rio
que devora os que não sabem nem podem nadar
os mortos nos legam versos que não podem ler.


O meu poema não sei escrevê-lo também
não posso escrever o poema que sinto no peito
por serem vários os versos.
São tantos os autores do meu poema
e versos assim trazem rima doutra inspiração.


Rimam em cada metralha que dispara
rimam no chorar do órfão
rimam nas grutas protectoras do guerrilheiro.
Não sei escrever este poema.
Gostaria de cantar o poema que me bate no coração
mas não posso
porque este é o próprio Povo em armas
e só ele deve continuar
a fazer o poema que eu não posso redigir
nem ele pode ler também!


Os que fazem a História
Nem sempre podem escrevê-la.



Nito Alves (Angola) 1945 - 1977
 
Poemas retirados de: http://27maio.com/  

25 de maio de 2010

Blog da Semana - 08- 2010

Blog da semana volta de novo ao Brasil e aconselha: http://ellenismos.blogspot.com/



DO BARRO

Brincar com coisas sem nome
era o meu fraco.
Com morrinhos de terra molhada,
modelava objetos de sonhos.,
Qualquer forma se fazia coisa
para depois, entre mãos e sonhos,
de novo outra coisa
sempre outra.
Certo mesmo, só
a cor marrom com que pintei o tempo.

Ana de Santana

11 de maio de 2010

Blog da Semana - 07- 2010

O blog da semana é "Angola: Os Poetas", pela divulgacao dos poetas da bela literatura angolana. Visite: http://angolapoetas.blogspot.com/

Tela de Carla Peairo (Angola)

O HENDA I XALA


a loucura tocou as nossas mãos.
súbitas luzes passam nos teus olhos.
o excessivo pudor nos aproxima:
riqueza dos segredos revelados!

não importa a incerteza e o impossível:
deles e nós, conscientes, nos sorrimos.
para além do momento, nós sabemos:
o amor ficará – O HENDA I XALA.

Mário António (Angola)

10 de maio de 2010

THE ISLAND MAN

Grace Nichols


Morning

and island man wakes up
to the sound of blue surf
in his head
the steady breaking and wombing


wild seabirds
and fishermen pushing out to sea
the sun surfacing defiantly
from the east
of his small emerald island
he always comes back groggily groggily


Comes back to sands
of a grey metallic soar
to surge of wheels
to dull North Circular roar


muffling muffling
his crumpled pillow waves
island man heaves himself


Another London day

Grace Nichols (Guiana)

5 de maio de 2010

MOSS ON PLUM BRANCHES

James K. Baxter

Moss on plum branches and
A soft rain falling - no other house
Spread out its arms around me
As this has done - I go
From here with a gap inside me where a world
Has been plucked from my entrails - fire and
Food, flowers and faces
Painted on walls - the voices of two friends
Recalling the always present paradise
We enter and cannot remain in.

James K. Baxter (1926 - 1972) Nova Zelandia

3 de maio de 2010

Blog da Semana - 06- 2010

Desta feita o blog da semana é angolano: http://nguimbangola.blogspot.com/ Um excelente blog cultural e especialmente vocacionado para a cultura angolana. O autor também publica seus textos poéticos. A visitar!



VIVA O LIVRO!

o livro, o livro, o livro

o livro, o livro, o livro
o autor, o autor, o autor
mas o livro, mas o livro, mas o livro
mas o autor, mas o autor, mas o autor
o livro e o autor, o livro e o autor
e os direitos do autor, o livro, e o livro
o livro, a cultura, a leitura

o livro, a cultura, a leitura
leitura&cultura, leitura&cultura
literatura, leitura, tertúlia, leitura, cultura
o livro, o livro, o livro
o livro, o livro, o livro
o autor do livro, leitura do livro
o autor do livro, leitura do livro
Cervantes, Shakespeare,

a rosa e o livro
o livro e a rosa
abril, abre o livro, São Jorge
e o livro do livro?
leitura dos livros e dos livros
na cultura dos livros a leitura dos livros
e de se fazerem livros não há fim
mas em Abril o livro é pensado
proclamado, o livro o direito do autor
te amo livro meu
viva o livro