7 de outubro de 2009

CARTA DE UM CONTRATADO

Um dos maios belos poemas de António Jacinto, poeta angolano já falecido e neste video dito magistralmente por José Ramos acompanhado pela nao menos magistral música de Travadinha, músico caboverdiano.



Biografia

António Jacinto (1924-1991 - Angola)

António Jacinto, cujo nome completo é António Jacinto do Amaral Martins, nasceu em Luanda em 1924 e faleceu em 1991. Orlando Távora é o pseudónimo utilizado por António Jacinto como contista.
Por razoes políticas esteve preso entre 1960 e 1972. Militante do MPLA, foi co-fundador da Uniao de Escritores Angolanos, membro do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola e participou activamente na vida política e cultural angolana. Foi empregado de escritório e técnico de contabilidade, Ministro da Educacao de Angola e Secretário de Estado da Cultura.
Colaborou com producoes suas em diversas publicacoes nomeadamente Jornal de Angola, Notícias do Bloqueio, Itinerário, Império e Brado Africano e foi membro da revista Mensagem.
António Jacinto é considerado, por muitos, um dos maiores escritores angolanos.



 

CARTA DE UM CONTRATADO



Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidencias íntimas,
uma carta de lembrancas de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como diloa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onca
e dos teus carinhos
que maiores nao encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos a capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixao
e a amargura da nossa separacao...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a nao lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamae Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela nao tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....

Eu queria escrever-te uma carta...

Mas ah meu amor, eu nao sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu nao sabes ler
e eu - Oh! Desespero! - nao sei escrever também



(Poemas, 1961)