24 de abril de 2012

Lição Sobre a Água


John Everett Millais - Ophelia



Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

António Gedeão (Portugal)

16 de abril de 2012

Adriano Correia de Oliveira 1942 - 1982

 1942 - 1982 
70 anos do seu nascimento - 30 anos da sua morte

6 de abril de 2012

POEMA DE DAMBUDZO MARECHERA

Dambudzo Marechera, o enfant terrible da literatura africana. Comparado por muitos a James Joyce e Henry Miller.



Um farrapo de identidade

Quando é que esta lua se descasca dos meus poemas?!
Esta zona de penumbra que vai da escola inglesa
À minha voz de barata?
A formiga empoleirada no grão de areia
Pouco se apercebe do meu titânico dilema de artista
E só tem olhos para o pé que ergo.
A abelha na sua errância doce peganhenta, se me avista
Dispara uma tangente zumbindo o seu escárnio.
A madrugadora andorinha, no seu voo seco,
Mal dispensa um olhar instantâneo às minhas penas.
O varredor dá de ombros, atira o fardo concreto
Para o camião dos salários e dos preços em alta;
O aprendiz da fábrica fecha o macacão
E aguarda o Chamamento – sirene da fábrica;
O carteiro pedala a sua ronda; o soldado
Beija a namorada e corre a cumprir ordens.
Todos parecem conhecer seus eus
Mas eu como um louco insisto em decifrar
As marcas num farrapo de papel em branco
As marcas que vão ser o poema atrás deste poema.

Dambudzo Marechera (Zimbabwe) (1952-1987),
(Tradução: José Pinto de Sá)
Créditos: Associação Buala