29 de janeiro de 2012

SE HOUVESSE DEGRAUS NA TERRA...



Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã

Herberto Helder - Portugal

25 de janeiro de 2012

RAIN BY EDWARD THOMAS

Edward Thomas


Rain

Rain, midnight rain, nothing but the wild rain
On this bleak hut, and solitude, and me
Remembering again that I shall die
And neither hear the rain nor give it thanks
For washing me cleaner than I have been
Since I was born into this solitude.
Blessed are the dead that the rain rains upon:
But here I pray that none whom once I loved
Is dying to-night or lying still awake
Solitary, listening to the rain,
Either in pain or thus in sympathy
Helpless among the living and the dead,
Like a cold water among broken reeds,
Myriads of broken reeds all still and stiff,
Like me who have no love which this wild rain
Has not dissolved except the love of death,
If love it be towards what is perfect and
Cannot, the tempest tells me, disappoint.

Edward Thomas (Inglaterra)

24 de janeiro de 2012

RIMBAUD - Tête de Faune

Artur Rimbaud

Dans la feuillée, écrin vert taché d'or,
Dans la feuillée incertaine et fleurie
De splendides fleurs où le baiser dort,
Vif et crevant l'exquise broderie,

Un faune égaré montre ses deux yeux
Et mord les fleurs rouges de ses dents blanches.
Brunie et sanglante ainsi qu'un vin vieux,
Sa lévre éclate en rires sous les branches.

Et quand il a fui - tel qu'un écureuil, -
Son rire tremble encore à chaque feuille,
Et l'on voit épeuré par un bouvreuil
Le Baiser d'or du Bois, qui se recueille.


Arthur Rimbaud (1854-1891) France

12 de janeiro de 2012

GEORGES MOUSTAKI - LE METEQUE (O ESTRANGEIRO)





Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents


Avec mes yeux tout délavés
Qui me donnent l'air de rêver
Moi qui ne rêve plus souvent


Avec mes mains de maraudeur
De musicien et de rôdeur
Qui ont pillé tant de jardins


Avec ma bouche qui a bu
Qui a embrassé et mordu
Sans jamais assouvir sa faim


Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec
De voleur et de vagabond


Avec ma peau qui s'est frottée
Au soleil de tous les étés
Et tout ce qui portait jupon


Avec mon cœur qui a su faire
Souffrir autant qu'il a souffert
Sans pour cela faire d'histoires


Avec mon âme qui n'a plus
La moindre chance de salut
Pour éviter le purgatoire


Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents


Je viendrai, ma douce captive
Mon âme sœur, ma source vive
Je viendrai boire tes vingt ans


Et je serai prince de sang
Rêveur ou bien adolescent
Comme il te plaira de choisir


Et nous ferons de chaque jour
Toute une éternité d'amour
Que nous vivrons à en mourir


Et nous ferons de chaque jour
Toute une éternité d'amour
Que nous vivrons à en mourir

10 de janeiro de 2012

RETRATO - POEMA DE CECÍLIA MEIRELES








RETRATO


Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-- em que espelho ficou perdida
a minha face?




Cecília  Meireles (Brasil)

POEMA DE ALDA LARA, NA VOZ DE PAULO DE CARVALHO




PRELÚDIO


Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...


By Alda Lara (1930 - 1962) - Angola

1 de janeiro de 2012

AGOTINHO DA SILVA - A ESCOLA -



A Escola

Não podemos negar que a escola não deu aos seus alunos todas as possibilidades que lhes devia dar, desprezou os mal dotados, obrigou-os a actos ou tarefas que lhes depuseram na alma as primeiras sementes do despeito ou da revolta, lhes deu, pelo quase exclusivo cuidado que votou ao saber, deixando na sombra o que é o mais importante — formação do carácter e desenvolvimento da inteligência —, todas as condições para virem a ser o que são agora; se não saíram da escola com amor à escola, a culpa não é deles, mas da escola. Acresce ainda que, lançados na vida, a escola nunca mais procurou atraí-los, nunca mais foi ao encontro dos seus antigos alunos, para lhes aumentar a cultura, os informar e esclarecer sobre novas orientações de espírito, para lhes pedir a sua colaboração, o seu interesse na educação das gerações mais moças. Houve um corte de relações, quando a sua manutenção poderia ainda de algum modo apagar as más lembranças que os alunos levavam. Que admira que sintamos agora à nossa volta paixão e rancor? Tivemo-los nas nossas mãos e não fizemos por eles tudo quanto podíamos, mesmo com as possibilidades económicas e pedagógicas de que nos cercara o meio; em nós temos de reconhecer o principal defeito; por consequência, também em nós a principal causa do ataque.

Agostinho da Silva, in 'Glossas'