7 de dezembro de 2011

ESPECIAL LITERATURA - UANHENGA XITU


«O escritor que é a Voz do Povo»
Fonte: Carlos Gonçalves - AD

Especial Literatura. Uanhenga Xitu nasceu Agostinho André Mendes de Carvalho em Calomboloca, Icolo e Bengo, a 29 de Agosto de 1924. Em 1959 foi preso no quadro do chamado “Processo dos 50” e enviado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde permaneceu de 1962 a 1974.

Por força da sua actividade política, este Enfermeiro de profissão, que estudou mais tarde Ciências Políticas, foi Governador de Luanda, Ministro da Saúde, Embaixador na Alemanha e Deputado à Assembleia Nacional, onde se mantém na actualidade.


Foi na cadeia, por influência de amigos, com os também escritores e poetas António Jacinto e António Cardoso, que Mendes de Carvalho começa a escrever e cria alguns dos mais emblemáticos personagens da história da nossa Literatura, como Kahitu e Mestre Tamoda.


Dessa época lamenta a perda de textos importantes:
- «Eu e os meus companheiros, pela vigilância apertada e brutalidade dos guardas e de outras entidades prisionais, vimos confiscados, além da correspondência familiar e documentos, trabalhos literários de grande valor que nunca mais recuperámos»


Mendes de Carvalho falou perante uma plateia emprenhada de juventude na União dos Escritores Angolanos (UEA), cinco dias antes de completar 81 anos de vida, ladeado por dois grandes amigos e companheiros de longa data: Pepetela e Ndunduma. Na mesa também se encontrava o Secretário-Geral da UEA Botelho de Vasconcelos.


Uanhenga Xitu tem publicado: Meu Discurso (1974); Mestre Tamoda (1974); Bola com Feitiço (1974); Manana (1974); Vozes na Sanzala-Kahitu (1976); Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem (1980); Os Discursos de Mestre Tamoda (1984); O Ministro (1989); Cultos Especiais (1997); Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem (reedição 2002); O Ministro (reedição 2005).


‘Os Discursos de Mestre Tamoda’ será a sua obra mais referenciada e com mais edições a par de ‘O Ministro’. O crítico literário Luís Kandjimbo escreveu na sua ‘Breve História da ficção narrativa Angolana’ nos últimos 50 anos que:
- «Tamoda, simbolizando o mimetismo cabotino, é uma personagem típica do mundo que, através da exibição de maneirismos, expõe hilariantemente o uso da língua portuguesa perante uma audiência de jovens e crianças, transformando-se em modelo, no que diz respeito ao emprego e manipulação de vocabulários portugueses (...).»
Na qualidade de escritor com envolvimento directo na actividade politica, pois é deputado à Assembleia Nacional, na sua bibliografia destacam-se ‘O Ministro’ e ‘Cultos Especiais’, duas obras consagradas à crítica social, ao culto da personalidade e a outros comportamentos dos políticos.


Sobre isso, U. Xitu contou uma história que envolveu o livro ‘O Ministro’:
«É uma obra que custou a sair, porque alguns Ministros insultaram-me, porque chamei-lhes gatunos, ‘camanguistas’ e foram queixar-se até ao Agostinho Neto. Um dia ele chamou-me. Parece que foi lá no Bureau Político que eles disseram que eu estava a perturbá-los. “Mas como é que os Senhores sabem que é convosco?”, perguntou Agostinho. Neto. Mandou-me chamar e conversámos:
- Isso é um poema, pode não estar de acordo com algumas pessoas, mas é um poema.
– Então como é que estás a escrever?
- Estou a escrever. Também quero ser poeta, mas ainda não sou.
- Mas está a começar assim já a matar, a queimar…
- Não. Isso é uma forma de ser. Não mata nem queima ninguém. É o que se passa, é o que se vê, é o que se nota. Então o que é que os poetas fazem? Vê uma cobra, uma abelha e começa a fazer conjecturas, relacionamento…
Pediu o livro, leu, leu e disse.
- Está bem, mas por enquanto é melhor ainda escrever coisas que não prestam.


E a polémica perdura. Recriando a criação, confundindo-se com a realidade e às vezes a realidade imita a ficção. Será poeta de kimbundo aquele que escreve em kimbundo? Uanhenga Xitu diz que não.
-«Independentemente de ser kimbundo e de o falar bem, até já experimentei na cadeia escrever em kimbundo, mas habituado ao português, quando li achei que não estava bom e rasguei.
Eu posso ser um poeta de kikongo, posso escrever em kikongo, depende da intenção que eu tenha. Posso ser um poeta de umbundo, muhila.
Eu escolhi esta por mero acaso. Como pode ver, algumas das palavras que aí estão, como mabalababa, kingalo, mingalo, milonga, estão lá por acaso, não houve nenhuma intenção.
Só não queria escrever esse “pueta” (poeta), com os “us” que terminam em kimbundo, que são sempre abertos. Raramente encontra escritos com “ó”, porque já estamos a aportuguesar, mas no kimbundo que eu aprendi, as terminações são sempre com “u” e pensei, se fechasse o “poeta”, era essa a minha intenção, ficaria “pueta”. Se fosse ‘poeta’ com “o”, eu não seria diferente dos outros, por isso eu queria ser ‘poeta’ com “u”.»


Outra das grandes curiosidades que suscita é a origem do seu nome, revelada apenas aos poucos que privam com ele. Diz que Uanhenga Xitu significa “o poder odiado”.
- «Isto posto em palavras simples, Uanhenga é pendurar a carne no pescoço (o transportar da caça por dois carregadores, a peça amarrada num pau sobre o ombro de dois caçadores). Xitu é precisamente carne. Na sanzala diz-se: “uanhega xitu ku mu nja u mundo”, o que significa “ele levou a carne e passa pela cidade fora, ninguém gosta deste homem, porque ele vai comer sozinho”. Isso generalizou-se entre quase todos os sentidos da vida.


O Agostinho Neto dizia que até na casa de banho os gajos espreitavam se eu estivesse lá. “Ka n’bambe ku muxima ka kuata mbambi”, é o kambrintiti, um pássaro muito pequeno que vai muito longe, mas vai cheio de medo. Significa que o homem que tem o poder, está sempre cheio de medo, se tem dinheiro está cheio de medo, se tem o poder militar está cheio de medo.
O meu nome foi-me dado pelo falecido Uanhenga Xitu Messene Kaíma. De facto, só muito mais tarde é que comecei a compreender a razão do nome. Nós temos que ter sempre guarda-costas. Não sei como é que vamos ficar um dia que nos tirem o lugar.»


Uma preocupação grande para os angolanos é o seguimento do político. Para os leitores apaixonados é a sucessão literária. Será que essa sucessão pode ocorrer dentro do seu seio familiar? Dos seus onze filhos adultos (Luísa, Divua, Tilu, Margarida, Miguel, Adriano, Tino, Pakas, Miau, Ana Bela e Babaia), não se vislumbra por enquanto essa tendência, ao contrário de Uanhenga Xitu que seguiu as pegadas dentro do seio familiar. Ele conta que os seus antepassados, apesar de analfabetos, eram grandes políticos
- «Quatro irmãos do meu pai foram desterrados para S. Tomé na ‘maka’ de 1922. A grande revolta de Catete passou-se num grande embondeiro do meu pai. Vieram gentes de todas as sanzalas que queriam matar o José Bernardo.
Para Forte Ruçada foram uns dez tios. Foi o pai do Wadijimbi (Miguel de Carvalho, actual Vice-ministro da Comunicação Social) e o embondeiro foi cavado até a raíz se tornar pó. Havia ali uma grande sombra que servia de tribuna e, em 1922, passa o Zé Bernardo de Calomboloca até Cassoneca, e no regresso ninguém quer mais trabalhar o algodão e começa uma confusão, unas até a querer degolar o homem já ali.


Portanto, políticos eram uma data deles, mas tenho uns filhos que só respondem à política, não são políticos, têm medo. Viram o pai passar quase 12 anos na cadeia, parece que ficaram com um medo terrível. Às vezes quero sacudi-los e não consigo.
Se tenho poetas na família? Os avós do Wadijimbi são grandes cantores. A minha tia Margarida era quase a Amália Rodrigues. Infelizmente não gravei nada. Às vezes cometemos cada erro…mas existiam muitos poetas que declamavam (em forma de jogral).
Os caçadores conhecem a retórica e vão em parada e resposta. Quando falo em analfabetos, quero dizer que são analfabetos em português, mas são catedráticos na sua língua natal.


Hoje estamos a precisar deles. Quero dizer que quem está mudo hoje somos nós. Agora o Governo pede-nos para aprender a língua nacional... onde?! Portanto, eram analfabetos em português porque não sabiam o alfabeto, mas eram kimbanguistas, juízes, cabocos (que eram os grandes oradores), sobretudo para os casamentos, alembamentos, funerais e pedidos de casamento.Hoje, os únicos que ainda mantêm essa tradição, são os kikongos ou bakongos.»
Uanhenga Xitu, nascido Agostinho André Mendes de Carvalho, uma das mais importantes bibliotecas e fontes de sabedoria tradicional angolana viva, falante e andante, destapa para nós alguns dos aspectos mais importantes da sua obra literária, da sua vivência e história pessoal.

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