29 de maio de 2008

EM MEMORIA DE IRENA SENDLEROWA


Em Memória de Irena Sendlerowa
(1910 – 2008)
A heroina polaca que salvou crianças judias do Gueto de Varsóvia, durante a Segunda Guerra Mundial, faleceu no dia 12 de maio de 2008, às 8 horas da manhã, hora local. Irena foi e será sempre uma grande Mulher, uma grande Humanista, uma grande Alma.
Irena Sendler, em língua polaca Irena Sendlerowa, (15 de Fevereiro de 1910 - 12 de Maio de 2008), também conhecida como "o anjo do Gueto de Varsóvia", foi uma activista dos direitos humanos durante a Segunda Guerra Mundial, tendo contribuido para salvar mais de 2.500 vidas ao levar alimentos, roupa e medicamentos às pessoas barricadas no gueto, com risco da própria vida.
A Mãe das crianças do Holocausto
A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade. - Irena Sendler
Quando a Alemanha Nazi invadiu o país em 1939, Irena era enfermeira no Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia, que organizava os espaços de refeição comunitários da cidade. Ali trabalhou incansavelmente para aliviar o sofrimento de milhares de pessoas, tanto judias como católicas. Graças a ela, esses locais não só proporcionavam comida para órfãos, anciãos e pobres como lhes entregavam roupa, medicamentos e dinheiro.
Em 1942, os názis criaram um gueto em Varsóvia, e Irena, horrorizada pelas condições em que ali se sobrevivia, uniu-se ao Conselho para a Ajuda aos Judeus, Zegota. Ela mesma contou: "Consegui, para mim e minha companheira Irena Schultz, identificações do gabinete sanitário, entre cujas tarefas estava a luta contra as doenças contagiosas. Mais tarde tive êxito ao conseguir passes para outras colaboradoras. Como os alemães invasores tinham medo de que ocorresse uma epidemia de tifo, permitiam que os polacos controlassem o recinto."
Quando Irena caminhava pelas ruas do gueto, levava uma braçadeira com a estrela de David, como sinal de solidariedade e para não chamar a atenção sobre si própria. Pôs-se rapidamente em contacto com famílias, a quem propôs levar os seus filhos para fora do gueto, mas não lhes podia dar garantias de êxito. Eram momentos extremamente difíceis, quando devia convencer os pais a que lhe entregassem os seus filhos e eles lhe perguntavam: "Podes prometer-me que o meu filho viverá?". Disse Irena, "Quê podia prometer, quando nem sequer sabia se conseguiriam sair do gueto? A única certeza era a de que as crianças morreriam se permanecessem lá. Muitas mães e avós eram reticentes na entrega das crianças, algo absolutamente compreensível, mas que viria a se tornar fatal para elas. Algumas vezes, quando Irena ou as suas companheiras voltavam a visitar as famílias para tentar fazê-las mudar de opinião, verificavam que todos tinham sido levados para os campos da morte.
Ao longo de um ano e meio, até à evacuação do gueto no Verão de 1942, conseguiu resgatar mais de 2.500 crianças por várias vias: começou a recolhê-las em ambulâncias como vítimas de tifo, mas logo se valia de todo o tipo de subterfúgios que servissem para os esconder: sacos, cestos de lixo, caixas de ferramentas, carregamentos de mercadorias, sacas de batatas, caixões... nas suas mãos qualquer elemento transformava-se numa via de fuga.
Irena vivia os tempos da guerra pensando nos tempos de paz e por isso não fica satisfeita só por manter com vida as crianças. Queria que um dia pudessem recuperar os seus verdadeiros nomes, a sua identidade, as suas histórias pessoais e as suas famílias. Concebeu então um arquivo no qual registava os nomes e dados das crianças e as suas novas identidades.
Os názis souberam dessas actividades e em 20 de Outubro de 1943 Irena Sendler foi presa pela Gestapo e levada para a infame prisão de Pawiak onde foi brutalmente torturada. Num colchão de palha encontrou uma pequena estampa de Jesus Misericordioso com a inscrição: “Jesus, em Vós confio”, e conservou-a consigo até 1979, quando a ofereceu ao Papa João Paulo II.
Ela, a única que sabia os nomes e moradas das famílias que albergavam crianças judias, suportou a tortura e negou-se a trair seus colaboradores ou as crianças ocultas. Quebraram-lhe os ossos dos pés e as pernas, mas não conseguiram quebrar a sua determinação. Foi condenada à morte. Enquanto esperava pela execução, um soldado alemão levou-a para um "interrogatório adicional". Ao sair, gritou-lhe em polaco "Corra!". No dia seguinte Irena encontrou o seu nome na lista de polacos executados. Os membros da Żegota tinham conseguido deter a execução de Irena subornando os alemães, e Irena continuou a trabalhar com uma identidade falsa.
Em 1944, durante o Levantamento de Varsóvia, colocou as suas listas em dois frascos de vidro e enterrou-os no jardim de uma vizinha para se assegurar de que chegariam às mãos indicadas se ela morresse. Ao finalizar a guerra, Irena desenterrou-os e entregou as notas ao doutor Adolfo Berman, o primeiro presidente do comité de salvação dos judeus sobreviventes. Lamentavelmente a maior parte das famílias das crianças tinha sido morta nos campos de extermínio názis. De início, as crianças que não tinham família adoptiva foram cuidadas em diferentes orfanatos e pouco a pouco foram enviadas para a Palestina.
As crianças só conheciam Irena pelo seu nome de código "Jolanta". Mas anos depois, quando a sua fotografia saiu num jornal depois de ser premiada pelas suas acções humanitárias durante a guerra, um homem chamou-a por telefone e disse-lhe: "Lembro-me da sua cara. Foi você quem me tirou do gueto." E assim começou a receber muitas chamadas e reconhecimentos públicos.
Em 1965 a organização Yad Vashem de Jerusalém outorgou-lhe o título de Justa entre as Nações e nomeou-a cidadã honorária de Israel.
Em Novembro de 2003 o presidente da República Aleksander Kwaśniewski, concedeu-lhe a mais alta distinção civil da Polónia: a Ordem da Águia Branca. Irena foi acompanhada pelos seus familiares e por Elżbieta Ficowska, uma das crianças que salvou, que recordava como "a menina da colher de prata".
Texto em itálico retirado da wikipedia.

26 de maio de 2008

PRIMEIRO VIERAM...



Als die Nazis die Kommunisten holten,
habe ich geschwiegen;
ich war ja kein Kommunist.

Als sie die Sozialdemokraten einsperrten,
habe ich geschwiegen;
ich war ja kein Sozialdemokrat.

Als sie die Gewerkschafter holten,
habe ich nicht protestiert;
ich war ja kein Gewerkschafter.

Als sie die Juden holten,
habe ich geschwiegen;
ich war ja kein Jude.

Als sie mich holten,
gab es keinen mehr, der protestieren konnte.



Martin Niemöller (Alemanha)





“ Primeiro vieram…” é um poema atribuído ao Pastor Martin Niemöller (1892–1984) sobre a inactividade dos intelectuais alemães depois da subida ao poder dos Nazis e da perseguição que se seguiu a determinados grupos que, uns após outros, foram alvo das suas actividades de limpeza: Comunistas, Judeus, Social-Democratas, Sindicalistas, Ciganos, Homossexuais e inclusivamente Católicos mas também outras muitas vozes incómodas ao regime, como foi o caso do Pastor alemão Martin Niemöller.
Inicialmente apoiante de Hitler, Niemöller veio, por volta de 1934, a opor-se totalmente ao Nazismo e graças às sua boas relações de amizade com influentes homens de negócios, conseguiu ser salvo da prisão até 1937, altura em que foi encarcerado, eventualmente, nos campos de concentração de Sachsenhausen e Dachau. O Pastor sobreviveu e depois da Segunda Guerra Mundial, tornou-se na principal voz de penitência e reconciliação do povo alemão. O seu poema é bastante conhecido e frequentemente citado tendo-se tornado num modelo popular para descrever os perigos de uma apatia política que, começando muitas vezes, com um alvo específico de medo e ódio, assume rapidamente proporções assustadoras e completamente fora de controlo.
O poema tem apresentado diversas variantes ao longo dos tempos. Apresentamos a versão original em alemão e várias versões em inglês. Contudo, existe alguma controvérsia sobre a autoria deste poema.
Primeiro vieram prender os judeus
E eu não levantei minha voz
Porque não era judeu.
Depois vieram prender os comunistas
E eu não levantei minha voz
Porque não era comunista.
Depois vieram prender os homossexuais
E eu nao levantei minha voz
Porque nao era homossexual.
Depois vieram prender os sindicalistas
E eu não levantei minha voz
Porque não era sindicalista.
Depois vieram prender-me
E já não havia mais ninguém
Que levantasse a voz por mim.
(Tradução do ingles de Namibiano Ferreira)


20 de maio de 2008

Internacionalização da Amazônia - Cristóvam Buarque


Em um debate numa Universidade americana, Cristóvam Buarque, ex-governador de Brasília, foi perguntado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. Quem perguntou disse que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Esta foi a resposta de Cristóvam Buarque:


"Como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade. Se sob uma ética humanista, a amazônia deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Neste momento, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos Estados Unidos. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos Estados Unidos. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os candidatos a presidência dos Estados Unidos em defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de comer e de ir a escola. Internacionalizemos as crianças tratando todas elas como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro, ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, ou que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa!"




Sobre o(a) autor(a):Ex-Ministro da Educação e ex-governador do Distrito Federal (PT). Criou o programa Bolsa-Escola. Escreveu 18 livros sobre temas de economia, educação, sociologia e história. Ex-reitor da Universidade de Brasília. Nasceu em Recife.Fonte: Programa Provocações da Tv Cultura.



1 de maio de 2008

Ondjaki e o Acordo Ortográfico

"Um dia ainda vou ser que nem Manoel de Barros que só faz entrevista por e-mail. É mais seguro, porque não deturpam. Aqui no Brasil já deturparam bastante. Não percebem (entendem) bem e deturpam. A ponto de eu falar uma coisa e aparecer outra. Ou então não entendem e começam a abrasileirar o discurso. Ora, eu não falo brasileiro, falo português de Angola, não gosto de ver as minhas citações abrasileiradas porque não falei assim. Tiram os artigos, põem gerúndios. Sou completamente a favor da particularidade cultural dos povos. O que não tem nada a ver com todos os outros laços que nos unem, que são muito bonitos. Mas também é bonito que cada um fale como fala. Não vamos todos falar igual. Nem todos falar como os portugueses, que não acho feio, nem todos falar como os brasileiros, só porque são mais. Que também não acho feio. Por isso não concordo quando o Agualusa argumenta: ‘Ah, mas os brasileiros são 180 milhões’. Podiam ser 500 milhões. Em Cabo Verde são 400 mil e falam como eles quiserem. Essa conversa tem passado tanto lá nos encontros que tivemos agora, do Acordo Ortográfico. Quem concorda, quem não concorda. E eu sempre argumento: Não posso concordar ou não concordar com uma coisa que eu não conheço. Nunca ninguém me explicou."

in Correio Braziliense



ler mais em
Eu, Um Negro, de Fábio Sena

Retirado de angolaharia.

Agualusa Defende Ortografia Brasileira

O escritor angolano, José Eduardo Agualusa, defende, em crônica divulgada pelo semanário A Capital, de Luanda, que Angola “deve optar pela ortografia brasileira”, caso o Acordo Ortográfico não venha a ser aplicado por “resistência” de Portugal.

Agualusa

José Eduardo Agualusa

Para esta tomada de posição de um dos mais respeitados escritores angolanos e lusófonos, José Eduardo Agualusa avança como justificação o fato de Angola ser um país independente, nada dever a Portugal e o Brasil ter 180 milhões de habitantes e produzir muito mais títulos e a preços mais baratos do que Portugal. Agualusa diz ainda, na crônica que publica regularmente n´A Capital, que Angola tem mais a ganhar com a existência de uma ortografia única do que Portugal ou o Brasil, porque o país não produz livros mas precisa desesperadamente deles.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi alcançado em 1991 e assinado por todos os países da CPLP, sendo imediatamente ratificado pelo Brasil, Cabo Verde e Portugal. Em 2004, em S. Tomé e Príncipe, foi acordado um Protocolo Modificativo, segundo o qual bastava este ser ratificado por três Estados para entrar imediatamente em vigor. Este Protocolo Modificativo foi assinado por todos os países lusófonos, mas apenas ratificado inicialmente pelo Brasil e Cabo Verde.

Em agosto do ano passado foi ratificado também por S. Tomé, “passando juridicamente a entrar em vigor”. Sobre a situação em Angola, a análise do documento para ratificação está entregue aos ministérios das Relações Exteriores e da Educação e, segundo fonte próxima do processo contatada pela Ag. Lusa em finais de 2007, o governo angolano está “desenvolvendo mecanismos internos” para a sua conclusão. O último passo será dado quando o processo passar pela aprovação do Conselho de Ministros e da Assembléia Nacional.

De acordo com a fonte contatada pela Lusa, existe uma “preocupação” de todos os estados lusófonos para resolver a questão, na medida em que há “atualmente uma fala e duas escritas”.

Para o governo angolano, o Acordo Ortográfico ainda não foi assinado porque “caiu no esquecimento”, considerando a fonte que agora é importante voltar a analisá-lo para lhe dar seguimento. Entretanto, em Portugal está em preparação a ratificação do Protocolo Modificativo ao acordo, embora sujeito a uma reserva de 10 anos, conforme anunciou recentemente a ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima.

A posição do governo português, anunciada pela então ministra, é que juridicamente o Acordo Ortográfico, assinado e ratificado por Portugal em 1991, está em vigor. Todavia, invocou razões de ordem científica e empresarial para pedir 10 anos de reserva para avaliar com a sociedade civil a sua implementação.

Ainda no referido texto do escritor José Eduardo Agualusa, este defende que a educação das populações angolanas e o desenvolvimento do país depende da importação, nos próximos anos, de milhões de livros.

E defende que as autoridades angolanas devam criar rapidamente legislação que permita e facilite a entrada de produtos culturais e, em particular, de livros, no país. Agualusa aponta ainda como razões para a demora na ativação do acordo a “confusão” entre ortografia, as regras de escrita e linguagem, resumindo que o acordo tem por objetivo a existência de uma única ortografia no espaço de língua portuguesa, sendo absurdo pensar-se em unificar as diferentes variantes da nossa língua.

O autor aponta ainda o dedo a um “enraizado sentimento imperial” de Portugal em relação à língua para o protelamento de uma decisão.

E, contrariando esta possibilidade, diz que a História nega este sentimento porque “a língua portuguesa formou-se fora do espaço geográfico onde se situa Portugal - na Galiza”. Por outro lado, a língua portuguesa tem sido sempre, ao longo dos séculos, uma criação coletiva de portugueses, africanos, brasileiros e povos asiáticos, aponta.

Fonte: Diário Digital.pt

José Eduardo Agualusa considera Agostinho Neto "poeta medíocre"

«uma pessoa que ache que Agostinho Neto, por exemplo, foi extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre»

Jose Eduardo Agualusa

Lisboa, 08 Abr (Lusa) - Uma polémica literária em Angola, suscitada pela alegada mediocridade da obra poética de Agostinho Neto, está a resvalar para o domínio político-jurídico, com ameaças de processo-crime por ultraje à moral pública contra o escritor angolano José Eduardo Agualusa.

Em causa está uma passagem da entrevista que José Eduardo Agualusa deu ao jornal Angolense, de 15 de Março passado, em que o primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, é classificado como "poeta medíocre".

"Uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre", assim se referiu Agualusa a Agostinho Neto, defendendo na entrevista que outros autores angolanos, como António Cardoso ou António Jacinto - a quem reconhece destaque na luta nacionalista angolana -, são igualmente "fracos poetas".

Na resposta, o Jornal de Angola acusou em editorial o escritor de procurar "humilhar figuras de relevo da História e Literatura Nacional".

José Eduardo Agualusa contra-argumentou na edição de 29 de Março do semanário A Capital, chamando "zombies" aos que lhe não reconhecem direito à opinião, considerando que no seio do MPLA, o partido maioritário angolano, "confrontam-se hoje em dia democratas autênticos, democratas de fantasia (...) e uma mão cheia de órfãos da ditadura".

Num outro texto publicado pelo Jornal de Angola, João Pinto, que se apresentou como jurista e docente de Ciência Política e Direito Público na Universidade Agostinho Neto, proclamou, sob o título "Literatura e Identidade e Política", a necessidade de "responsabilidade criminal e civil por estarem reunidos todos os requisitos do ultraje à moral pública, previsto e punido no artigo 420º do Código Penal".

"A escrita não pode servir para humilhar, banalizar, diabolizar os ícones, heróis, mitos, deuses ou divindades. considerou. "É preciso moralizar, sob pena de banalizar a figura mais importante da nossa memória colectiva contemporânea", justificou o jurista.

A respeito desta polémica, o poeta e tradutor Vasco Graça Moura disse à Lusa que embora reconheça "relativamente mal a poesia angolana", está de acordo com José Eduardo Agualusa.

"Conheço relativamente mal a poesia angolana. Mas daquilo que conheço, estou inteiramente de acordo com aquilo que diz o José Eduardo Agualusa", disse.

"Penso que ele faz uma apreciação do ponto de vista literário e isso está no exercício pleno da sua liberdade de expressão e do seu direito à crítica. Penso que confundir o plano da maior ou menor relevância política ou até histórica de determinadas figuras com a sua qualidade literária pode conduzir a equívocos terríveis", vincou Vasco Graça Moura.

Para José Eduardo Agualusa, contactado telefonicamente em Luanda pela Lusa, a partir de Lisboa, as reacções às suas opiniões vão para além do plano literário e insere-as num "processo de intimidação".

"Este processo de intimidação não tem a ver só comigo. Tem a ver com outras pessoas e com mais coisas", considerou o escritor, que associa este ambiente à proximidade das eleições em Angola, marcadas para Setembro próximo.

O recente encerramento em Luanda por ordem do Governo do escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos enquadra-se neste mesmo clima, acrescentou.

José Eduardo Agualusa considerou que o texto do jurista João Pinto "não é respondível. Está noutro plano. É surrealismo", salientando ainda que a sua crítica sobre a poesia de Agostinho Neto "não era política, era literária".

"O MPLA é uma estrutura complexa em que há pessoas que não concordam nada com isto. Tem havido comentários de várias pessoas ligadas ao MPLA alertando para o absurdo desta reacção", adiantou.

EL/HB.

Lusa/Fim