15 de agosto de 2011

A IDA AO NAMIBE (Conto de Ondjaki)


Fomos num avião bem pequenino. Íamos passar quinze dias noutra província. Era o sítio onde tinha nascido o meu pai: chama-se Namibe. O meu avô disse-me que se chamava Moçâmedes.
Para mim os nomes não interessavam muito. O que me deixava mais curioso é que me disseram que lá havia um deserto, e eu já tinha aprendido na escola que era a província de Angola que tinha avestruzes que corriam bué rápido, tinha gazelas e a famosa Welwitchia mirabilis, a planta mais bonita de todos os desertos do mundo.
Quando saímos do avião já fazia bué de frio. Estávamos no mês de Agosto, mês do Cacimbo para todas as crianças que gostam de sentir aquela geada das cinco da tarde, e mês das piores crises de asma para mim. Mas aquela província era tão bonita e gostei tanto de ter passado aquelas duas semanas na casa do primo Beto que nem tive nenhuma crise. Foi muito bom conhecer a província do Namibe.
Os dois primeiros dias ficámos na cidade, na casa desse primo do meu pai chamado Beto. Como toda a gente lhe chamava "primo Beto", eu também cheguei na sala e chamei-lhe de primo Beto. Todos os mais velhos riram, só a minha mãe não riu. Mas depois passou-me logo essa atrapalhação porque vi, pela primeira vez na minha vida, esses caroços que eles chamavam de "tremoços". Por alguma razão o meu pai ainda não tinha me chamado para eu vir provar. É que eu era assim um pouco estraga-tudo nessa altura, e o meu pai já devia desconfiar mais ou menos o que eu ia fazer com os tais tremoços.
Disseram para eu provar, não gostei do sabor. Mas pelo formato, e também por causa da experiência que eu já tinha com as fisgas lá na minha rua de Luanda, vi que aquele tremoço dava masé para ser disparado só assim apertando com os dedos. Fui lá fora treinar na árvore e quando voltei à sala já tinha a pontaria bem afinada. A primeira vítima foi a minha irmã, a segunda foi uma velha que estava lá sentada e que era muda. Fiquei todo satisfeito porque pensei que ela não fosse me queixar. Mas era uma velha queixinhas e o meu pai pôs-me de castigo.
O resto dos dias passámos na quinta do primo Beto. Aí gostei muito de ter conhecido uma horta com um pequeno lago, onde nós arrancávamos o tomate do chão, lavávamos e comíamos logo ali. Também uma menina muito bonita chamada Micaela, ensinou a mim e à mana Tchi a comer batata-doce crua, que era uma maravilha. Comíamos a bata-doce e, se tínhamos sede, atacávamos o tomate. Voltávamos os três para a quinta, ao fim do dia, e eu dava corrida aos perús. Também nunca tinha conhecido um perú assim de perto com os gritos dele tão engraçados de glu-glu.
O pai da Micaela, o primo Zequinha, foi muito simpático e ensinou-me duas técnicas de caçar rolas, uma era pôr visgo nas árvores e esperar os pássaros pousarem, e a outra, que eu gostei mais, era usar a arma de chumbo para tentar caçar alguma coisa. Digo "tentar" porque a minha pontaria não era lá muito boa, então dediquei-me mais à técnica da cola branca na árvore.
De manhã acordávamos cedinho e era tudo muito frio e muito bonito. Eu usava aquele casaco azul bem antigo que a minha mãe me deu, e que tinha um tecido bem macio tipo veludo que eu adorava tanto. Matabichávamos devagar. Os mais velhos falavam devagar. Combinaram ir à caça. A minha irmã riu, baixinho, e não disse a ninguém, mas eu sei que ela viu a maneira como eu olhava para a Micaela. É que a Micaela era muito bonita.
Podíamos brincar de manhã e até perto da hora do almoço. Ajudávamos a pôr a mesa, e depois do almoço eu e a mana Tchi tínhamos que estudar um bocado. Havia também um livro, sobre o comportamento do corpo humano, que a minha mãe dividiu em dez partes para eu e ela lermos um bocadinho todos os dias. Quando chegou o capítulo das relações sexuais eu gostei muito daquelas fotografias do homem deitado todo nu com a mulher, e da parte que dizia que, para fazer um filho, "o homem introduzia suavemente o pénis na vagina da mulher". Eu nunca queria avançar esse capítulo. A minha mãe é muito querida porque ela sabia que já tínhamos passado aquele capítulo mas deixou-me repetir outra vez a lição.
Um dia, ao fim da tarde, o sol estava muito bonito assim todo amarelo quase bem torrado. O meu pai tinha ido à caça com o primo Beto e o primo Zequinha também. A mana Tchi tava a descansar e a minha mãe a ler. Eu perguntei à Micaela se ela queria dar uma volta comigo ali pela quinta. Ela disse que sim. Mas a volta foi muito rápida, e eu perguntei se ela queria dar outra volta. Ela riu e disse que sim. Como não queríamos dar outra volta, sentámo-nos numas pedras mais distantes da casa e eu tinha muita vergonha mas também muita vontade de lhe perguntar se ela queria namorar comigo. E ela disse que sim. Então, talvez para comemorar, demos mais duas voltas à casa, mas já de mãos dadas.
Na província do Namibe eu conheci a avestruz, as gazelas, um montão de pássaros, o deserto, e nesse dia à noite, o meu pai e os primos dele caçaram um olongo. Aquilo é que foi ficar de boca aberta: eu nunca tinha visto um animal tão grande e tão pesado, e também nunca tinha visto umas armas tão compridas. O primo Zequinha disse que até podiam matar elefantes com aquelas balas, eu pensei que não era verdade, mas o meu pai disse-me que sim.
No último dia de manhã é que o meu pai se lembrou de tirar fotografias a todos. Eu também aproveitei uns pássaros que o primo Zequinha já tinha conseguido matar, pus todos assim no chão perto dumas pedras e fui buscar a arma de chumbo. Fiz um póster de joelho no chão estilo filme de cobói e o meu pai tirou uma foto que eu tenho até hoje, também com chapéu que me ficava grande mas que tinha assim aquele estilo do Trinitá.
Gosto muito dessas fotos todas que nós tirámos na província do Namibe, tem uma muito bonita da minha mãe bem distraída a fumar um cigarro, tem a foto do meu pai perto do olongo que eles tinham caçado mas, para dizer mesmo a verdade, a foto mais bonita é uma que tou eu, a Micaela e a mana Tchi. A Micaela tá bonita, eu até que tou posterado, mas a mana Tchi, com o fato olímpico vermelho também desse tecido fofo tipo veludo, a mana Tchi é a que está mais bonita: com o riso bem bonito e, assim quase a sair da foto, os dois puchinhos, bem grandes, a prender o cabelo todo preto dela. A mana Tchi.

Ondjaki (Angola)
Retirado do livro "Os da Minha Rua" Caminho.

Ondjaki nasceu em Luanda, em 1977. Ficcionista e poeta. Escreve para cinema e co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda (Oxalá cresçam Pitangas - histórias de Luanda, 2006). É licenciado em Sociologia. Alguns livros seus foram traduzidos para francês, espanhol, italiano, alemão e inglês.

9 de agosto de 2011

TERCEIRO LUGAR NO PRÉMIO DE POESIA - DINAH RAPHAELLUS


O Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia 2010 anuncia os vencedores do concurso:

Lista por Poema – Autor – Cidade

1º: Pálidos Mistérios – Grigório Rocha (Salvador-BA)

2°: Finados – André Sesti Diefenbach (Porto Alegre-RS)

3°: Ambiguidade – Dina P. Pereira da Costa - DINAH RAPHAELLUS- (Aveiro, Portugal)

4°: Partes deste Amor – Antonio Almeida (Rio de Janeiro-RJ)

5°: Enigma – Renata Paccola (São Paulo-SP)

6°: Café – Ari Lins Pedrosa (Maceió-AL)

7°: Lama – Renata Rimet (Salvador-BA)

8°: Viagem – Yao Jingming (Macau, China)

9°: Barganha – Tatiana Alves (Rio de Janeiro-RJ)

10°: Poema Xipófago – Gêmeo – Hélio José Destro (São Paulo-SP)


Menções Honrosas:

Ramagem – Amélia Marcionila Raposo da Luz (Pirapetinga-MG)

Para escrever um poema imperfeito - André Caldas (Rio de Janeiro–RJ)

Dualismo – Augusto Cesar Ribeiro Rocha (São Luís-MA)

Vem sem música… – David Erlich (Lisboa, Portugal)

N’outra margem – Diogo Cantante (Aveiro, Portugal)

Poema Andrógino – Flávio Lanzarini (Rio de Janeiro-RJ)

Ária da chuva – Helena Barbagelata (Almada, Portugal)

Mulher poema – João Gomes de Almeida (Lisboa, Portugal)

Regressar de novo – João José Ferreira (Inglaterra)

Distância – Marcos Antônio Maués Vitelli (Marajó-PA)




Eis o poema Premiado:




AMBIGUIDADE

Desafiavas-me escondido por detrás das vírgulas
E rias, rias iludido que nas reticências frívolas
Arranjavas abrigo, um lar amigo para nossas demências
Ahahahah...como os nossos risos cresciam...
Balões de primaveras no outono de nossas vidas
Unguentos miraculosos sarando nossas feridas
Não...não falo de quimeras, mas sim das longas esperas
Com que perpetuamos os sentidos, reais e vividos
Nas rimas pintamos feras, e moldamos de barro
Muitas prosas, sonetos feitos duetos, laranjais frescos
De perfume índigo...dos sons fizemos esferas,
Bancos de jardins bebendo ópios de trigo.
Nas muralhas das odes...lindos arcos arabescos
Arquitetura debruada a linho...
Na ambiguidade da poesia...a fragrância de lilás e pinho!!!


Dinah Raphaellus (Dina P. Pereira da Costa)