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O fio da vida que mostra o quê, o como das conversas, mesmo que está podre
não parte. Puxando-lhe, emendando-lhe, sempre a gente encontra um príncipio num
sítio qualquer, mesmo que esse princípio é o fim doutro princípio. Os
pensamentos, na cabeça das pessoas, têm ainda de começar em qualquer parte,
qualquer dia, qualquer caso. Só o que precisa é procurar saber.
O papagaio Jacó, velho e doente, foi roubado num mulato coxo, Garrido
Fernandes, medroso de mulheres por causa a sua perna aleijada, alcunhado de
Kam'tuta. Mas onde começa a estória? Naquilo ele mesmo falou na esquadra quando
deu entrada e fez as pazes com Lomelino dos Reis que lhe pôs queixa? Nas partes
do auxiliar Zuzé, contando só o que adianta ler na nota de entrega do preso? Em
Jacó?
É assim como um cajueiro, um pau velho e bom, quando dá sombra e cajus
inchados de sumo e os troncos grossos, tortos, recurvados, misturam-se, crescem
uns para cima dos outros, nascem-lhes filhotes mais novos, estes fabricam uma
teia de aranha em cima dos mais grossos e aí é que as folhas, largas e verdes,
ficam depois colocadas, parece são moscas mexendo-se, presas, o vento é que
faz. E os frutos vermelhos e amarelos são bocados de sol pendurados. As pesoas
passam lá, não lhe ligam, vêem-lhe ali anos e anos, bebem o fresco da sombra,
comem o maduro das frutas, os monandengues roubam as folhas a nascer para
ferrar suas linhas de pescar e ninguém pensa: como começou este pau?
Olhem-se bem, tirem as folhas todas: o pau vive. Quem sabe diz o sol dá-lhe
comida por ali, mas o pau vive sem folhas. Subam nele, partam-lhe os paus
novos, aqueles em vê, bons para paus-de-fisga,cortem-lhe mesmo todos: a árvore
vive sempre com os outros grossos filhos dos troncos mais-velhos agarrados ao
pai gordo e espetado na terra. (...)
Luandino Vieira, in Luuanda