29 de setembro de 2010

Blog da Semana - 14/2010

Depois de uma semana longa, mesmo muito longa, Cores  & Palavras volta a publicar o Blog da Semana. Depois do Brasil, na semana 13, voltamos a Angola e a escolha recai em http://literaturafragatademorais.blogspot.com/ (Fragata de Morais), aconselho vivamente.


Bailarinos kiokos, Lundas. Foto retirada do blog Fragata de Morais


PROVÉRBIOS E ADIVINHAS DE ANGOLA

Adivinhas e provérbios são propostos à noite, nas conversas colectivas, como forma de transmissão oral do conhecimento. Nunca de dia.




Uma adivinha umbundu:

Ekamba lyange liluka ngo, onjokasyasya.

(o meu amigo anda sempre a mudar e nunca larga a casa).

De que amigo se trata? O caracol


Um provérbio kikongo:

Kunda kia mfumu, keki fonguanga kua wantu wole ko.

(Na cadeira do chefe não se sentam duas individualidades)

20 de setembro de 2010

INVICTUS



"Invictus" é um poema escrito em 1875 pelo poeta inglês William Ernest Henley (1849–1903). Foi publicado pela primeira vez em 1888 no “Livro de Versos” (Book of Verses).



O poema, amplamente citado no filme Invictus, foi uma inesgotável fonte de inspiração e apoio moral para Nelson Mandela durante o período em que esteve cativo nas prisões do regime racista do Apartheid.
O autor, William E. Henley, escreveu-o numa cama de hospital, depois de lhe terem amputado uma perna.





INVICTUS


Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul. –

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed. –

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find me, unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul.

William Ernest Henley (Inglaterra)
 
INVICTUS
 
Parar além desta noite que me cobre,
Negra como poço fundo e profundo
Agradeço aos deuses – caso eles existam,
Por esta minha alma invencível.

Nas cruéis engrenagens do destino
Jamais vacilei ou me lamentei chorando.
Submetido aos golpes certeiros do acaso
Trago minha cabeça - ainda sangrando - mas erguida.

Para além da ira e das lágrimas deste lugar
Só o espectro do Horror da sombra se divisa;
Apesar da ameaça do fluir dos anos
O tempo encontra-me e encontrar-me-á sem medo.

Não importa a estreiteza do portão,
Nem o pergaminho das pesadas sentenças,
Sou o mestre e senhor do meu destino;
Eu sou o capitão da minha alma.

Tradutor: Namibiano Ferreira

8 de setembro de 2010

OS LIVROS QUE LI NAS FÉRIAS

Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil
Leandro Narloch
LeYa



Escrito para qualquer um ler e ficar informado. O autor faz acompanhar o livro por uma extensa bibliografia, o que lhe dá um crédito favorável e positivo, para quem tiver tempo para verificar a veracidade dos assuntos tratados.
Alguns dos temas abordados neste livro trazem factos novos, desconhecidos e polémicos, por exemplo:
Zumbi, no seu quilombo, tinha escravos.

Machado de Assis, antes de se tornar escritor de renome, foi crítico de literatura e teatro nos jornais. O governo de D. Pedro II o contratou para chefiar a censura às peças de teatro.

José de Alencar pronunciou-se repetidas vezes contra o fim da escravidão, chegando a escrever cartas ao Imperador sobre isso.

O jovem Jorge Amado escreveu textos elogiando Stalin, o que não surpreende, dado que ele era comunista, mas também elogiando Hitler!

Gilberto Freire (autor de Casa Grande & Senzala) admirava a Ku Klux Klan. A sua dissertação de mestrado nos EUA em 1922 contém elogios à confraria racista. Ao republicá-la em 1964 ele expurgou esses trechos.

 
O Vendedor de Passados
José Eduardo Agualusa
Publicações D. Quixote

Um exerto do livro: Nasci nesta casa e criei-me nela. Nunca saí. Ao entardecer encosto o corpo contra o cristal das janelas e contemplo o céu. Gosto de ver as labaredas altas, as nuvens a galope, e sobre elas os anjos, legiões deles, sacudindo as fagulhas dos cabelos, agitando as largas asas em chamas. (...) A semana passada Félix Ventura chegou mais cedo e surpreendeu-me a rir enquanto lá fora, no azul revolto, uma nuvem enorme corria em círculos, como um cão, tentando apagar o fogo que lhe abrasava a cauda.
“Ai, não posso crer! Tu ris?!”
Irritou-me o assombro da criatura. Senti medo mas não movi um músculo.

 
 
A Governanta - D. Maria, Companheira de Salazar
Joaquim Vieira
Esfera dos Livros

Vendo chegar a viatura oficial com o porta-bagagem carregado de lenha, o chefe do Governo gritou irado à sua governanta: «Os carros do Estado não são para carregar lenha! Não consinto!». A mulher não se ficou e gritou no mesmo tom: «Merda! A lenha não é para mim, é para o Salazar!» Quem se atreveu a gritar assim a António de Oliveira Salazar, homem temido e respeitado por todos, foi Maria de Jesus Caetano Freire, a sua dedicada e fiel companheira ao longo de toda uma vida. Nascida no seio de uma pobre família camponesa no lugar de Freixiosa da freguesia de Santa Eufémia, no concelho de Penela, distrito de Coimbra, aos 31 anos começou a servir os então lentes universitários e amigos Manuel Gonçalves Cerejeira e António de Oliveira Salazar. Seguiu este último para Lisboa (ao mesmo tempo que o primeiro subia ao lugar mais alto da hierarquia católica em Portugal) e só o abandonou quando, aos 81 anos, o ditador morreu por doença. Maria de Jesus tinha cumprido a missão da sua vida. Nunca casou, nem teve filhos. Mulher dura, forte, atenta, de uma dedicação canina, foi intendente, organizadora das lides domésticas, secretária, companheira, portadora de recados e pedidos, informadora de murmúrios e opiniões que mais ninguém se atrevia a expressar, conselheira e até enfermeira, nos seus últimos tempos de vida, do fundador e líder do Estado Novo. D. Maria foi tudo isto, e por isso merece um lugar de destaque na História do século XX português.

 
 
Imitação de Sartre & Simone de Beauvoir
João Melo
Ed. Caminho
Usando as palavras de Agualusa: Este livro “reúne dez estórias de gente comum, estórias de gente que se encontra e, sobretudo, se desencontra, a maior parte das vezes em confronto com a realidade que de repente deixou para eles de fazer sentido. (...)João Melo recorre a artifícios vários, ora introduzindo elementos de surpresa (...) ora convidando o leitor a escolher entre diferentes termos ou percursos, num constante jogo de sedução. Consegue com isso um ritmo espantoso, quase cinematográfico.

7 de setembro de 2010

OBRIGADO, POETA!

Estava de férias quando Ruy Duarte de Carvalho faleceu, aqui fica a minha homenagem a um poeta angolano do Namibe, embora natural de Santarém, Portugal. Chegou a Angola ainda bebé e ficou filho da terra que amou até á morte... Obrigado, POETA!




Ruy Duarte de Carvalho


CHAGAS DE SALITRE


Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
da carne virgem mandada
cavar glórias e grandeza
do outro lado do mar.

Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.

Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos do espesso deslizar
dos braços e das mães do meu país.

Olha-me as igrejas restaudadas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.

Olha-me a noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.

Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.

Ruy Duarte de Carvalho (Angola) 1941 - 2010